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  • 13 de Outubro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Fátima

Fátima_13_10_2010

Os peregrinos são maratonistas da fé que arrastam as pernas cansadas pelos caminhos de Portugal. Vão em bandos, tocados por capatazes que os conduzem ao anjódromo da Cova da Iria, em busca de um milagre ou da promessa por cumprir. Olham as azinheiras como árvores sagradas, ramos onde a virgem saltitava a pedir aos três pastorinhos que rezassem o terço pela conversão da Rússia, e a Cova da Iria como local onde um anjo anónimo fez uma aterragem de cortesia.

O terreno de pastoreio virou local de culto. Começou com provocações à República e transformou-se, depois, em central de luta contra o comunismo. Não tendo sido obrado um só milagre, é uma fonte de rendimento que os Papas promovem à comissão.

Hoje, com a República consolidada, o comunismo em estado de coma e a Rússia a ver o Papa como concorrente do Patriarca de Moscovo, Fátima é apenas um negócio rentável para os cofres da ICAR e uma tribuna de opções políticas do Vaticano. Era ali que devia funcionar a nunciatura e a virgem Maria abrir um bazar.

São de boas fé e melhores contas os peregrinos. Movidos a ave-marias e salve-rainhas, chegam ali com anéis, brincos e cordões de ouro para deixarem as memórias de família e as parcas poupanças ao alcance da cobiça eclesiástica.

Quem pode censurar o velho soldado por envergar restos da farda onde trouxe o corpo, como se de um milagre se tratasse, enquanto recorda camaradas mortos e estropiados na guerra colonial? Os crentes, desiludidos do médico, vão a Fátima e à bruxa, em aflição, convencidos do valor terapêutico dos gestos cabalísticos, da combustão das velas, da água benta e da coreografia exótica que monsenhores, bispos e cardeais exibem.

É fácil acreditar que o Sol fez ali piruetas, que a senhora de branco passava as tardes com os pastorinhos a ensinar catequese e política e que o Papa assistiu ao espectáculo do Sol dos jardins do Vaticano.

Os padres que engendraram Fátima tentaram outras regiões, ensaiaram virgens noutros sítios e seleccionaram o que teve melhor acolhimento. Desanimado ficou o sacristão da Nazaré a queixar-se aos devotos que diminuíam que a Senhora de Fátima foi o diabo que apareceu à senhora da Nazaré.

Não há mercado para tantos santuários.

Apesar das 12 toneladas de cera que todas as semanas ardem em Fátima para deliciarem a pituitária do deus dos peregrinos, estes começam a escassear.