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  • 22 de Janeiro, 2019
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

Espírito missionário

Por

ONOFRE VARELA

Cumpri o serviço militar em Angola (de Dezembro de 1965 a Fevereiro de 1968) em condições que não me permitiram tirar do facto as melhores lições e aproveitá-las para meu engrandecimento.

Primeiro, porque estava nas fileiras do Exército a prestar um serviço obrigatório que repudiava (conto a experiência no livro 191 – Memórias de um Soldado Em Angola. Editora Verso da História / Book Cover. 2016). E depois, porque os meus 20 anos de idade não me davam a madurêza de que necessitava para ter, naquela fase da vida, outro interesse que não fosse o de chegar vivo ao fim do dia. Só muitos anos depois de regressar me dei conta de ter perdido oportunidades únicas,desperdiçadas por desconhecimento. Estive em terra africana, no berço da Humanidade, e não vi, nem senti, do modo como deveria ter visto e sentido, o que me rodeava. Não só a paisagem, mas principalmente aquela gente graciosa com chocolate na pele; os seus usos e costumes e o entendimento que tinham das coisas e da própria vida. Um manancial de estudos antropológicos que desperdicei por ser um estúpido moço de 20 anos mal vividos!

Recordo que numa outra zona onde não estive, havia militares aquartelados na “Missão”. Seria um lugar de sanzalas que rodeavam um edifício que serviu de moradia a missionários protestantes. Após 1961, com o evoluir da guerra e os violentos ataques traiçoeiros dos guerrilheiros aos colonos, deixando rastos de cinza e morte, os missionários acabaram por abandonar a “Missão” que o Exército tomou como quartel.

Dos missionários e do espírito de missão, tenho a maior admiração. Provavelmente terei uma visão romântica do que é ser missionário (como tinha dos jornalistas antes de entrar nas redacções dos jornais). Vi filmes e li histórias que me mostraram o sacrifício e a heroicidade daquela gente cujo interesse seria ajudar a aguentar a vida diária de quem nada tinha, desde comida à saúde, acalentando-lhes a necessária confiança no futuro para lhes permitir a continuação da vida. Bem sei que toda essa dádiva tinha a intenção de conquistar almas para o culto religioso representado por quem prestava ajuda social, com a organização de uma Igreja na rectaguarda, levando os pobres africanos a abraçar o Cristianismo. Aquilo era só a sementeira; a colheita haveria de ser feita anos depois.

Agora decidi procurar informação sobre a atitude missionária, e constatei haver uma indústria!… Encontrei uma lista de 23 “empresas missionárias” procurando jovens com espírito de missão evangélica! Empresas que ostentam nomes como: Missionários do Preciosíssimo Sangue; da Consolata; do Coração de Maria; de São João Baptista… E li a declaração de interesses: “Missionário é ser chamado, escolhido, separado e preparado por Deus, para levar a mensagem do Evangelho (…) com o intuito de converter alguém à sua fé”.

Esta constatação dissipou o romantismo do entendimento que tinha da atitude missionária, mas ficou-me a certeza reforçada do espírito fraterno e desapegado dos nossos jovens generosos que prestam missões humanitárias e que, por isso, merecem todo o meu respeito e admiração.

(Texto de Onofre Varela, a publicar no jornal Gazeta de Paços de Ferreira na edição de 24 de Janeiro de 2019)