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Mês: Março 2013

14 de Março, 2013 Carlos Esperança

O Papa, a Igreja e o mundo

Os católicos desejavam um papa novo e saiu-lhes um novo papa, naturalmente santo por exigência do cargo, para receber a tiara, o solidéu branco, a romeira, sapatos vermelhos que na Páscoa passam a cetim branco, a infalibilidade e a diocese de Roma, que vagara.

O Espírito Santo, que ainda resiste na mitologia cristã, herdado de antigas civilizações, desinteressou-se dos consistórios em 1621, após a aclamação de Gregório VI, altura em que os cardeais acreditavam ser iluminados pela 3.ª pessoa da Trindade. Talvez por isso, o culto foi-se apagando e resiste apenas em zonas isoladas, de que a ilha de S. Miguel, nos Açores, é exemplo.

Na prática a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) tornou-se politeísta e guarda da Trindade apenas a segunda pessoa – Cristo –, o ícone da instituição. A devoção viajou para a Virgem Maria, com mais heterónimos do que Fernando Pessoa, e para os santos criados em doses industriais nos dois últimos pontificados, sob a influência da prelatura Opus Dei.

O papa Francisco, discípulo de Loyola, com aproximação ao movimento reacionário Comunhão e Libertação, constitui uma derrota para o antecessor, que conservou a vida, a santidade e o pseudónimo, mas perdeu o camauro, o anel, a batina do pescador e o alvará para criar cardeais e santos. Sabe-se que B16 nomeava os bispos argentinos sem consultar a Conferência Episcopal, claro sinal de rutura com o episcopado autóctone.

Jorge Bergoglio, que escolheu o pseudónimo de Francisco, a quem a presidente Cristina Kirchner apodou de medieval e inquisitorial, é francamente homofóbico e misógino mas nisso mantém apenas uma linha de continuidade.

A cumplicidade da ICAR com as ditaduras não é uma característica argentina mas uma tradição ancestral. O atual papa está beliscado pelas relações com Videla e é acusado de ter sido cúmplice da ditadura mas no último consistório foi usado pelos cardeais liberais para barrar o caminho a Ratzinger tendo capitulado perante a bem organizada campanha do que viria a ser B16 e agora papa emérito.

Os jesuítas são conhecidos pela sua grande cultura e, nos últimos tempos, por uma visão progressista dentro da ICAR. O perfil conservador do papa Francisco parece afastá-lo da congregação que tem a tradição de recusar báculos, mitras e barretes cardinalícios mas «o caminho faz-se caminhando» e Francisco começa agora a viagem como papa.

A sua longevidade vai depender mais das relações que mantiver com o IOR, o banco do Vaticano, do que da vontade divina. A pedofilia e a lavagem de dinheiro no IOR são os maiores desafios do novo papa, além de fixar a clientela que lhe resta na Europa e fazer face ao proselitismo agressivo do fascismo islâmico.

Não são fáceis os desafios que enfrenta mas com dois papas a rezar o mundo fica mais protegido. Ámen.

cardinal-jorge-mario-bergoglio

14 de Março, 2013 Carlos Esperança

“Roma” de Fellini

Esta cena foi cortada na íntegra pela censura aquando da exibição do filme em Portugal no início dos anos 70.

Na realidade, foram tantas as cenas cortadas que o filme ‘encolheu’ meia hora!

13 de Março, 2013 José Moreira

Habemus papam

Estou mais tranquilo. E mais confiante.  Mais confiante que tranquilo, eu explico porquê: porque, a menos que haja um cataclismo, ou que o Justin Bieber dê outro concerto, ou que a troica vá embora de vez, ou que o Bloco de Esquerda seja convidado a formar um partido, durante as próximas décadas as televisões vão inundar-nos com as biografias, autorizadas ou não, do Francisco (Chico, para os amigos).

Vão esquecer-se, contudo, de um pormenor. Pormenor em que reside a minha esperança. E se a minha esperança se concretizar, passarei a assistir às missas.

Eu explico: todos sabemos como são absolutamente chatas, as cantilenas religiosas. Felizmente que o canto gregoriano já está embalsamado. Mas agora, temos um papa argentino. Vislumbra-se a esperança de, em vez das monótonas melopeias, passarmos a ouvir, nas igrejas, capelas e catedrais, o sempiterno tango.

E como eu gosto do tango!

13 de Março, 2013 José Moreira

Habemus desperdicium

Permitam-me o copy/paste de um mail acabado de cair na minha inbox. Ou antes, e para ser mais rigoroso: um paste do copy.

 

A RTP já tem três equipas de enviados especiais no Vaticano, a acompanhar uma reunião de senhores de idade com roupas esquisitas que, pelos vistos, vão eleger o próximo líder de uma congregação religiosa. O investimento da televisão pública neste evento social parece avultado e permite aceder a informações de extrema importância, nomeadamente o horário da emissão de fumos a partir de uma determinada chaminé e os nomes dos putativos candidatos ao cargo em disputa, acompanhadas de comentários tão relevantes como “pode ser que sim [que haja fumo] e pode ser que não” ou “eu sei que o senhor [padre] é um homem da igreja”.

Num momento em que, sabe-se, não falta quem esteja empenhado em destruir o serviço público de televisão invocando motivos económicos e de sustentabilidade, o custo da operação Vaticano parece francamente excessivo. Acresce que este “investimento”, para além de desnecessário (e até algo escandaloso num país onde não há dinheiro para quase nada), é pago em boa medida com recurso aos impostos e taxas pagos por todos os contribuintes de um país laico, independentemente do seu credo ou da falta dele, os quais se vêem obrigado a financiar a evangelizadora cruzada televisiva em que a escolha do papa católico apostólico romano está evidentemente transformada.

Face ao risco de, um dia destes, se concretizar a morte do serviço público de televisão e, por essa via, de a cobertura noticiosa do país se tornar ainda mais macrocéfala do que já é, os responsáveis pela RTP deviam pensar duas ou mesmo três vezes antes de se entreterem a brincar às televisões ricas. A defesa do serviço público de televisão precisa de todos (mesmo que seja o Relvas a decidir sozinho em benefício dos amigalhaços) e, assim de repente, parece má política hostilizar uma parte, mesmo que minoritária, obrigando-a a ver vinte minutos seguidos de rebarbativas transmissões directas a partir do Vaticano, quando esse tempo podia e devia ser usado para transmitir notícias realmente importantes (em vez de fait-divers sobre rituais místicos). Tal como estão as coisas, a última coisa de que a RTP precisa é de que os seus dirigentes disparem tiros nos próprios pés, dando ao país um exemplo flagrante de desperdício de dinheiros públicos.

13 de Março, 2013 David Ferreira

Dualidade extrínseca

O povo que se queixa das mentiras com que o poder da era presente o engana, é o mesmo povo que se regozija com as falsidades que o poder de um passado sombrio eterniza.

13 de Março, 2013 José Moreira

Fumo branco, fumo preto

Pela televisão fora, vão passando os mais diversos comentadores, cada qual com o seu palpite acerca da eleição do novo Papa, que eu escrevo com maiúscula apenas para não se confundir com a Cérelac, passe a publicidade. Dentre a catrefada de fazedores de opinião sobressaem, naturalmente, os ligados à multinacional religiosa com sede social em Roma, mais exactamente no Vaticano.

Todos estes comentadores são unânimes num ponto: quando interrogados acerca das características desejáveis do futuro Papa, acabam por se refugiar na resposta mais cómoda, que o futuro é incerto: “o Espírito Santo é que sabe”, com as variações que a imaginação permite. E que são poucas, como se compreenderá. E é aqui que a porca começa a torcer o apêndice dorsal.

Com efeito, desde sempre se disse que o Espírito Santo, seja lá isso o que for, é que inspira aquela cardinalada toda para eleger o gerente. Ora bem: se a entidade referida inspira, por que razão eles demoram tanto tempo a escolher? Não era suposto a inspiração aparecer logo à primeira, para se evitar situações como as do conclave de Viterbo? As respostas a esta magna questão podem ser as mais diversas, e eu tenho algumas, embora hipotéticas, como se compreenderá, mas sei que os amigos crentes não hesitarão em juntar mais algumas, certamente mais fidedignas.

Assim:  o Espírito Santo inspira, mas devagarinho, jeito que lhe ficou, certamente, daquela vez que engravidou mulher alheia. E virgem, ainda por cima;  ou o Espírito Santo inspira com força, mas os cardeais não se apercebem, porque estão distraídos a pensar no Instituto das Obras Religiosas; ou a estória do Espírito Santo é treta, e a eleição mais não do que o fruto de aturadas negociações, tendo como pano de fundo o chamado “Vatileaks”.

Há pouco, na SIC, um padre cujo nome não recordo, asseverava que só por milagre é que o Papa seria escolhido na primeira ronda. Desculpe: como disse? Por milagre??? E não é isso que se espera do tal Espírito Santo? Ou será que ele já não faz milagres por já estar reformado, perdão, emérito?