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Esclarecendo

O Alfredo Dinis pediu alguns esclarecimentos acerca do slogan da campanha ateísta inglesa, «There’s probably no God. Now stop worrying and enjoy your life». O primeiro é «Não consigo entender por que razão a improbabilidade da existência de Deus deverá tornar as pessoas mais felizes [ou] a existência de Deus deverá torná-las infelizes. Alguém me quer explicar isto?» (1)

A existência de deuses não depende da nossa felicidade, tal como o estado do tempo não depende da minha vontade de ir à praia. São questões de facto e não de preferência. Se chover, chove. Se não houver deuses, não há. E tudo indica que não há. Durante milénios apontaram deuses nas doenças, no nascer do Sol, na criação da Terra e na origem da vida. Foi sempre falso alarme. Os deuses de hoje são tão ténues e distantes que nem se lhes distingue existência de inexistência. Seja para nossa felicidade ou tristeza, provavelmente não existem.

O Alfredo continua. «Sou cristão, acredito na existência de Deus e isso faz-me feliz. […] Porque deveria tornar-me ateu?» A mensagem não é “torne-se ateu”. É não se preocupem com a vossa religião e, sobretudo, com as dos outros. Não se preocupem se um homem quer casar com um homem ou se uma mulher quer ser sacerdote. Não se preocupem com aquilo que só vos preocupa por motivos religiosos.

«Se eu fosse ateu ou simplesmente agnóstico, ficaria preocupado com o slogan. É que não me dá a certeza de que Deus realmente não existe. Por que razão viver nesta incerteza me faria feliz?»

Se o meu objectivo fosse crer especificamente numa certa crença também queria sentir certeza. Mas não me interessa crenças falsas. O que quero é a crença que melhor corresponda à realidade, seja que crença for. Quero chegar à verdade ou o mais próximo que conseguir. Quero acreditar que está um dia de sol só quando estiver mesmo em vez de apanhar uma chuvada convencido que está bom tempo. Por isso não abdico da dúvida. É a dúvida que me faz procurar a verdade. A certeza só convida a ficar pelo caminho.

«O slogan pressupõe ainda que o mundo se divide em duas partes: a dos ateus, que são felizes e gozam a vida ao máximo, e a dos crentes que vivem infelizes e incapazes de tirarem o máximo partido da vida.»

Não é entre ateus e crentes. O slogan sugere uma divisão entre aqueles para quem a fé é uma opção pessoal, que cada um terá ou não conforme queira, e os outros que vêem a sua religião como um dever. Regras a cumprir. Os padres não podem casar, deve-se confessar os pecados, as mulheres não podem celebrar missa, nunca negar o Espírito Santo e assim por diante. A mensagem dos ateus é que a religião é opcional. Venerem o que quiserem, comam hóstia se gostarem, com ou sem manteiga, e casem-se com quem entenderem que ninguém, nem sequer Deus, tem nada a ver com isso.

Aprecio estas perguntas contundentes que o ateísmo estimula. É justo e gratificante que pessoas como o Alfredo confrontem os ateus com as suas dúvidas. Porque este diálogo crítico com os ateus contrasta com o ecumenismo melindroso e hipócrita que aconchega religiões. Os líderes de cada religião apregoam às outras o respeito mútuo, a compreensão e a coexistência de “diferentes verdades”. Mas dentro da sua congregação sabem que quando há duas versões da mesma verdade pelo menos uma tem que ser treta. José Policarpo gerou polémica afirmando o óbvio porque aquelas palavras eram para consumo interno mas foram publicitadas como produto de exportação. Isto violou o acordo sagrado das religiões nos países democráticos. Não criticar para não ser criticado.

Com os ateus não há melindres. Se o José Policarpo tivesse aconselhado as raparigas católicas a não casar com ateus ninguém ligava. E se o Alfredo Dinis confrontasse evangélicos ou muçulmanos com este empenho já se tinha metido num monte de sarilhos que nem Jahve sabia onde acabavam. Mas nós não temos telhados de vidro. De todos os que rejeitam Jesus como deus, Maomé como profeta ou o Papa como infalível os ateus são os únicos sem uma crença a jeito para apedrejar em retaliação. Não é possível dissuasão ou détente. É por isso que consideram o ateísmo o maior drama da humanidade. Mas o diálogo assim é mais interessante.

1- Alfredo Dinis, 19-1-09, autocarros cheios de equívocos.

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