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  • 13 de Outubro, 2008
  • Por Carlos Esperança
  • Fátima

Fátima – caminho das angústias

A noite fria não convida a sair de casa mas a tristeza e o hábito encaminham multidões para a Cova da Iria. As azinheiras onde a Virgem vinha cavaquear com a Irmã Lúcia desapareceram sob o pio asfalto destinado à expansão do negócio. Do anjo que por ali passou nem uma pena perdida para pôr num relicário. Das visões domésticas dos três pastorinhos, da obsessão pela conversão da Rússia e do ódio à República, restam as cantorias da população supersticiosa atrás da imagem da Senhora de Fátima e de uma multidão de clérigos com hábitos garridos.

A luz das velas cria um ambiente propício à devoção e à crendice. Os padres cantam a vitória da fé e o êxito de um negócio sem mercadoria, mas as clareiras são largas onde antes os corpos se comprimiam. Os tempos vão maus para as pessoas mas começam a ficar negros para a religião. O Papa receia que as luzes que se acendem em Fátima e noutros locais inventados para a devoção se apaguem de vez. Não há fé que resista ao mau tempo e à ausência sistemática de milagres.

Vi na RTP a liturgia de sempre. A Rússia não se converte. A guerra acabou, como todas as guerras, e outras vieram. A Senhora de Fátima limitou-se, em 91 anos, a desviar uma bala das vísceras de JP2. Foi um milagre pífio, a revelação do segredo que JP2 julgou estar-lhe reservado, um prodígio que podia ter convencido um cavador mas que não se esperava que tivesse enganado um Papa, quiçá o último que ainda acreditou na história dos pastorinhos.

É preciso não ter coração para troçar das angústias que levam a Fátima os peregrinos e o seu óbolo, mas só quem não usa o cérebro pode deixar sem crítica a Igreja que explora e sacrifica os simples. Basta-lhe o Paraíso como promessa e o Inferno como susto.