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Querem melhor prova que esta?

Joel e Augusto estão na esquadra. São suspeitos de homicídio, e cada um deles presta depoimento, desconhecendo as declarações do outro. A PJ acredita que são cúmplices e espera que o interrogatório lance luz sobre os acontecimentos passados.

Filipe Soares está encarregado de dirigir a investigação deste caso. Como profissional experiente sabe perfeitamente o seguinte: se porventura os depoimentos de Joel e Augusto não contiverem qualquer incoerência; se cada um deles responder sempre da mesma forma a cada pergunta que é colocada; se nenhum dos pormenores de algo que se lembram for ligeiramente diferente; se cada detalhe é perfeitamente compatível, então é provável que tenham combinado juntos qual a história que iriam contar. Em princípio terão verificado todas as questões, procurando evitar qualquer ponta solta, tentando não deixar nada ao acaso.

Mas não é isso que acontece.
Joel diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era ele. Que estavam a beber cerveja, que o jogo estava entediante, e a conversa amena. Que não havia nada para comer.
Augusto diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era Joel. Que comeram piza até ficarem ambos muitos cheios, e que estiveram sempre a beber coca-cola. O jogo estava entediante e a conversa amena.

Filipe Soares continua a sua investigação. São reunidas as provas e indícios e Joel e Augusto, que não confessaram qualquer crime, vão a Tribunal.

O advogado de defesa diz que uma das maiores provas da inocência de Joel e Augusto são as contradições entre ambas as versões. Diz que se as versões fossem combinadas, coincidiriam em todos os pormenores.

O que é que o juiz achará disto?
O que é que o leitor acharia?

Fraca defesa aquela que recorre a tão tolo argumento.
Então não há centenas de criminosos cúmplices que se contradizem nos seus depoimentos? Depoimentos que se contradizem atestam a inocência de quem quer que seja?

Na verdade o advogado de defesa do Joel e do Augusto, ou tem um fraco conhecimento de lógica, ou espera que o juiz o tenha. Ele não sabe que quando A implica B, isso não quer dizer que a negação de A implique a negação de B.

Vou dar um exemplo: «se eu estou a saltar, eu estou vivo» não quer dizer que «se eu não estou a saltar, eu estou morto».

Da mesma forma: «se o Joel e o Augusto têm depoimentos compatíveis ao mais pequeno pormenor, então provavelmente são culpados» não quer dizer que «se o Joel e o Augusto têm depoimentos com várias contradições (grosseiras?), então são inocentes».

Agora parece claro que o argumento do advogado de defesa do Joel e do Augusto é pateta. Pior, é absurdo. É indigno de uma defesa sólida.
Dá a impressão que não existem bons argumentos para defender o Augusto e o Joel das evidências contra eles, e que por isso é necessário recorrer a estas falácias tão descaradas.
E isto é verdade quer as contradições entre Joel e Augusto sejam muitas e graves, quer sejam pequenas e pouco importantes. Em nenhum caso provam a inocência de ambos.

Suponho que o leitor não discordou até este ponto do texto.
Agora diga-me, que devo eu pensar quando volto a ouvir, repetidamente, alguns cristãos afirmarem que «uma das maiores provas que o Novo Testamento é verdadeiro é a existência de algumas contradições nos Evangelhos»?