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Fica tudo claro: clericalismo ou liberdade

Detesto as meias-tintas e as ambiguidades. A haver luta, prefiro-a em campo aberto e de olhos nos olhos. Saúdo portanto a eleição de Joseph Ratzinger, que hoje se tornou o tirano perpétuo e absoluto dos católicos. Ou muito me engano, ou recordaremos o nome de Bento 16º com a clareza daqueles momentos em que todos sabemos de que lado estamos.
Ao contrário do que nos diziam alguns vaticanólogos, quem entra Papa não sai cardeal, sai mesmo Papa (e depressa), pelo menos se esse alguém é o membro numerário desejado para Papa pelo Opus Dei. Imagino que a Comunhão e Libertação terá lançado também o seu módico de votos cardinalícios a favor do principal candidato ultraconservador, o que deixará literalmente a apanhar papéis as facções mais moderadas, como a Comunidade de Santo Egídio ou mesmo os Focolari e os Jesuítas.

A ascensão de Ratzinger ao comando da maior máquina política do mundo significa que acabou, definitivamente, a «abertura» do Concílio Vaticano 2º. As fantasias «ecuménicas», por exemplo, terminarão. Ou qualquer sombra de «diálogo» em matérias éticas. Quem leu os escritos teóricos do homem que chefiou a ex-Inquisição durante 23 anos sabe do que falo.

Não será também um personagem idoso e pouco fotogénico como Joseph a transfigurar-se na vedeta mediática que Karol conseguiu ser. E se Karol Wojtyla podia alegar alguma «resistência» (através de orações?) à ditadura comunista polaca, Joseph Ratzinger não só não se opôs ao regime nazi como até fez o serviço militar no exército alemão, em plena guerra, quando poderia alegar os seus estudos no seminário para evitar o recrutamento. Só desertou duas semanas antes do fim da guerra, já com o exército alemão em desagregação. Deveria ter escolhido, em coerência com o seu militarismo e com os seus tempos na Juventude Hitleriana, o nome de Pio 13º. Mas deve ser supersticioso.

Joseph Ratzinger é suficientemente falho de sentido de humor para falar da música rock como um «contraculto» e para proibir as missas com danças e guitarradas. Tão radical que até fala da homossexualidade como uma «desordem», e tão clerical que considera «pecado grave» votar pelo casamento civil de homossexuais. Se já escrevia o texto de Karol, agora vai lê-lo ele próprio. Sem mediador. Joseph Ratzinger é la cosa vera.

Um dos efeitos indirectos deste papado será, provavelmente, o recrudescimento das igrejas pentecostais na América Latina e dificuldades acrescidas para um catolicismo popular em África ou na Ásia. No entanto, algumas democracias em países do Sul do planeta poderão ser presas fáceis de um clericalismo que, através do Opus Dei, terá pontos de apoio tecnocráticos e financeiros que não se devem subestimar. O catolicismo do terceiro mundo será cada vez menos a fé das massas e cada vez mais o elitismo da massa.

Porém, a batalha decisiva será na Europa, que Ratzinger encara, com um esgar de horror, como «descristianizada». Os católicos que não querem ou não podem sujeitar-se ao integrismo mais estrito da doutrina católica têm pela frente anos de chumbo. Se querem liberdade ou autonomia ética, terão que se afastar da ortodoxia. Recordo a estes católicos que a liberdade de consciência inclui a liberdade de mudar de crença, e que existe liberdade de associação, ou seja, podem perfeitamente fazer uma ICAR-Reformada, com o apoio de teólogos «progressistas» como Hans Küng e Leonardo Boff, os mesmos que Ratzinger anda a perseguir há décadas. Pensem nisso.

A polarização será agora mais clara do que nunca: ou a obediência à maior multinacional da fé, ou a liberdade individual.