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Resposta ao Bispo

O texto que segue é uma resposta ao artigo de opinião que o Bispo António Marcelino publicou n’O primeiro de Janeiro. O texto é da minha autoria, mas devo dizer que tive a generosa colaboração do Carlos Esperança.

Não quero parecer ingrato. Na verdade eu deveria estar muito agradecido ao Bispo de Aveiro, D. António Marcelino, pela atenção que nos dispensou ao escrever um artigo sobre a nossa associação (a que, equivocado, chamou ARL, mas não foi culpa dele), e pela visibilidade que consequentemente nos trouxe. Depois disto, até parece de mau tom criticar o texto dele. Mas a desonestidade intelectual é tanta, que não posso deixar de o fazer.

O texto começa por referir a intenção de criar a associação de ateus, passando de seguida a congratular, e bem, a liberdade religiosa em que vivemos. Depois aborda rapidamente as origens históricas do ateísmo e a reacção do concílio Vaticano II.

O que se segue terei de citar: «Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros. É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses».

Eu poderia ficar perplexo com a ausência de relação entre as associações referidas pelo Bispo, mas a relação existe: são associações que a Igreja Católica preferia que não existissem. Será que se justifica fazer uma acusação falsa e injustificada, a de que estas associações procuram roubar direitos aos outros portugueses? É que, se as associações de homossexuais (por exemplo) procuram roubar direitos aos demais portugueses, eu, como cidadão, quero saber. Será que a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto nos quer impor esse estilo de vida? Será que nos querem silenciar? O que é que o Bispo sabe que eu não sei?

Mas mais caricata do que esta acusação infundada, gratuita, desonesta e injusta a associações que existem, é fazer esta acusação grave, num órgão de comunicação social, a uma associação que nem sequer existe!

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) ainda não existe, e a reunião a que se referiu o Bispo era para lançar as bases para que fosse criada. É sintomático: para o Bispo basta que uma associação ateísta exista (se bem que nem sequer era o caso) para que ele a acuse de tentar roubar direitos aos portugueses.

A desonestidade intelectual (um eufemismo para acusações levianas, injustas e mentirosas, que é o que o Bispo faz) não acaba aqui. Impõe-se uma nova citação: «A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na Terra, como um bem natural”». O leitor deve notar que a expressão “eles sim, é que” subverte completamente o significado do texto que se segue. O sentido do mesmo era «eles também [valorizam …]», mas o Bispo preferiu ser «criativo» na forma como nos citou. Se era para distorcer tão descaradamente o que foi dito, bem poderia ter optado por um «não», em vez do «eles sim, é que».

Depois o Bispo fala no perigo da «tentação dos dogmatismos». Neste ponto devo dizer que ele tem todo o direito de nos chamar à atenção sobre essa matéria, e nós devemos prestar toda a atenção. Afinal ele é um destacado representante da ICAR, que tem o historial que todos lhe reconhecemos, e muita experiência na matéria.

O Bispo também diz que os fundamentalismos são «a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e, por isso, não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros», afirmação com a qual concordamos. Assumindo-se os membros da futura AAP como adversários do fundamentalismo, até poderíamos pensar que estas eram palavras de encorajamento por parte do Bispo.

Mas o texto que se segue é esclarecedor a esse respeito: «Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens.». O Bispo acusa os ateus de valerem menos do que os outros homens. Eis uma acusação que eu nunca desejarei nem permitirei que a AAP faça a respeito dos crentes.

É caso para perguntar: onde está o fundamentalismo?



Vou enviar este texto para o jornal onde o artigo de opinião do Bispo foi publicado.