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  • 24 de Junho, 2014
  • Por Carlos Esperança
  • Laicidade

Resposta a um inquérito académico

Qual julga ser o impacto do 25 de abril no processo de estabelecimento da liberdade religiosa em Portugal?

Resposta – Antes do 25 de abril de 1974 não havia liberdade em Portugal. Vivia-se em ditadura e a própria Igreja católica, cúmplice do regime, silenciosa perante o exílio do bispo do Porto, António Ferreira Gomes, não gozava de total liberdade. A Concordata obrigava a que a nomeação de bispos fosse submetida ao Governo que podia recusar os nomes propostos.

Nas colónias, graças ao Acordo Missionário, os bispos e padres católicos eram uma espécie de funcionários do Estado. Os bispos eram equiparados em vencimento e categoria a Governadores de Distrito. Essa situação, além da repressão policial e da sintonia entre o poder político e religioso, tornava-os reféns felizes da ditadura.

Nas escolas primárias as aulas de Religião católica eram obrigatórias, tal como nos liceus, até ao 5.º ano, isto é, a doutrinação católica era obrigatória durante 9 anos, apesar do ensino ser obrigatório apenas durante 4, e, durante muitos anos da ditadura, apenas 3 anos de escolaridade para as raparigas.

O judaísmo podia ter mesquitas mas era-lhes proibido abrir portas para a rua. O acesso fazia-se por uma porta que dava para um quintal na única que conheci, em Lisboa.
As restantes igrejas cristãs eram discriminadas e o acesso às escolas do Magistério Primário ou às Escolas de Enfermagem era, na prática, impedido aos seus membros. O atestado de batismo católico e o atestado de bom comportamento passado pelo pároco católico era «documento» obrigatório em algumas escolas de Enfermagem.

Os privilégios da Igreja católica eram grandes. O casamento canónico era quase obrigatório e produzia efeitos civis, impossibilitando o divórcio.

As restantes Igrejas, mesmo as protestantes, eram objeto de constrangimentos sociais e de vigilância policial pela sinistra polícia política –a PIDE. Em suma, não havia liberdade religiosa em Portugal, havia conivência entre Salazar e o seu amigo e ex-colega cardeal Cerejeira na liquidação de todas as liberdades.

O 25 de abril de 1974, ao desmantelar o aparelho repressivo da ditadura, permitiu a explosão de várias confissões religiosas sem qualquer perseguição ou discriminação como viria a ser consagrado na Constituição da República, cuja separação do Estado e das Igrejas está consagrada e não pode ser objeto de revisão.