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29 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Bem-vindos ao Diário Ateísta

Os cristãos que visitam o Diário Ateísta dão público testemunho da fé a que se encontram avençados, como lhes recomenda o proselitismo a que são obrigados.

Não podendo impedir o livre-pensamento e a liberdade de expressão, hábitos que Pio IX santamente excomungou, apresentam-se como testemunhas abonatórias das verdades evangélicas e do bom comportamento dos seus padres.

Acontece que a investigação histórica arrasou os livros sagrados e as hormonas puseram de rastos a virtude dos seus padres.

Os católicos insistem nos milagres com que o Vaticano substituiu a criação artesanal de santos e beatos pela produção em série.

Os outros cristãos insistem nas mentiras bíblicas e na vontade de Deus como os mullahs na exegese pouco criativa do Corão e na sagrada demência do profeta Maomé.

O Diário Ateísta não visa especialmente os crentes cuja felicidade preza, a menos que a deriva sádica os acometa como soe aos fanáticos que vêem na guerra santa uma forma de criar o Inferno, receosos de que não exista.

O objectivo da nossa vigilância são as pias mentiras sobre o Crucificado, a virgindade da mãe do mesmo e os hábitos nómadas desta alcoviteira do divino e intermediária do Céu, que poisa em azinheiras e se mostra na obscuridade das grutas.

O interesse do D.A é mostrar às pessoas que não há anjos da guarda, espécie de polícias privativos que perseguem as pessoas em permanência, na intimidade ou nas procissões.

Empenhamo-nos em afirmar que a água benta é igual à outra, que o pão ázimo tem igual valor nutritivo e paladar antes e depois de consagrado.

Sabemos que bênçãos e indulgências traficadas pelo Sapatinhos Vermelhos são meros placebos que alucinam multidões mas não têm o mais leve resquício de alcalóides.

Os ateus apenas previnem os incautos de que Fátima nunca foi anjódromo (não há pista de aterragem de anjos) e de que o prazo de validade da aldrabice está a ser alargado com o artifício do anjo e com os mórbidos comícios junto ao túmulo dos pastorinhos.

29 de Maio, 2006 pfontela

ONGs religiosas

A questão das organizações religiosas sem fins lucrativos já anda a levantar dúvidas há vários anos. Desde as acusações de aproveitarem as desgraças alheias para pregar, passando pelo “simples” desvio de verbas e acabando com ajudas dependendo do credo (vulgo conversão a troco de comida) algumas dessas organizações já passaram por isso tudo – os evangélicos têm uma certa reputação de serem especialmente pródigos na última acusação, talvez sejam apenas mais óbvios nas suas intenções. Claro que eventualmente isto teria que afectar as contribuições que as pessoas fazem.

Mas além do próprio descrédito de organizações específicas as pessoas parecem estar mais hostis às próprias noções por detrás delas – a religião, nomeadamente o Cristianismo. E têm razões para serem cépticas. Num mundo cada vez mais pressionado pelo fundamentalismo as pessoas racionais sabem com quem as grandes organizações religiosas se estão a aliar (o caso de amor entre islão e catolicismo é o mais óbvio no fórum mundial que é a ONU) e sabem perfeitamente que não querem voltar a esses tempos. Também sabem que as suas esperanças devem ser depositadas no Homem e nas suas potencialidades e não no sobrenatural (ou as suas ramificações, mais ou menos, seculares) – hoje quem tem um problema olha para a ciência em vez de olhar para o altar, com resultados bastante melhores diga-se de passagem.

Esta falta de transparência quanto aos seus objectivos e às suas alianças faz os religiosos moderados recuar e os descrentes repudiar qualquer patrocínio a tais entidades. No nosso caso, como ateus, temos um problema extra, é que no fim qualquer participação que se tenha nestas organizações (por muito limitada que seja – e digo limitada já que em várias delas é necessário pertencer a certas religiões para ser membro) será completamente desvalorizada e posta ao serviço da máquina publicitária religiosa. Não é novidade que as seitas cristãs reclamem completo crédito por tais acções apesar de terem disposto de meios e pessoas que em nada se relacionam com a sua fé.

Para ganharem qualquer tipo de credibilidade estas ONGs religiosas têm que perder várias coisas:
– O seu exclusivismo;
– A sua indefinição de objectivos, é necessário perceber se são organizações de ajuda de emergência ou de evangelização;
– A dependência das suas organizações religiosas base.

O último ponto parece-me especialmente importante. Eu como ateu recuso-me terminantemente a contribuir para a campanha publicitária de organizações, como a Igreja Católica, que representam algumas das realidades e valores mais nefastos que já viram a luz do dia. Não serei cúmplice de organizações fundamentalistas ou que se aliam a pessoas dessa espécie.

29 de Maio, 2006 Ricardo Alves

Hindus conseguem censura de exposição blasfema

Muitas vezes gostamos de pensar que as religiões sem raízes judaico-cristãs sentirão um menor desconforto com as liberdades de uma civilização aberta e tolerante do que aquele que os monoteísmos indubitavelmente demonstram. No entanto, a realidade desmente este optimismo.

Um exemplo recente é dado por uma notícia da National Secular Society, que nos informa que o Fórum Hindu da Grã-Bretanha conseguiu que uma exposição de quadros, em Londres, fosse cancelada. Porquê? Porque o artista, Maqbool Fida Husain (um indiano de origem muçulmana) se atrevera a pintar alguns quadros com deuses e deusas hindus em completa nudez. Apesar de alguns templos da Índia apresentarem divindades em actos sexuais explícitos, as organizações hindus do Reino Unido organizaram uma campanha que levou ao encerramento prematuro da exposição, mostrando uma vez mais que não são as religiões, e particularmente as mais tradicionais, que ensinam a tolerância pela liberdade de expressão alheia.

Não foram também as religiões que construíram a democracia ou que inspiraram o desenvolvimento tecnológico dos últimos duzentos anos. Convém não esquecê-lo.
29 de Maio, 2006 Palmira Silva

Deus, alma e distúrbios mentais

Já tinha referido que casos em que mães extremamente religiosas matam os filhos por inspiração «divina» são recorrentes nos Estados Unidos.

Estas mulheres, que sofrem normalmente de doença mental grave, reclamam que as suas acções têm uma justificação religiosa, seja nos casos de Andrea Yates que afirmou ter recebido uma «ordem» do Demo para afogar os seus cinco filhos, Deanna Yates a quem Deus mandou apedrejar à morte os seus três filhos ou Dena Schlosser que quis poupar os filhos às agruras da vida terrena e entregá-los a Deus.

A recorrência do tema religião nas causas subjacentes a estes assassínios de crianças pelas mães levanta a questão se haverá culpa da religião nestes, pergunta que, nuns Estados Unidos cada vez mais próximos de uma teocracia, justificou vários estudos.

As conclusões dos peritos indicam que embora a religião não provoque distúrbios mentais per se, predisposições para este tipo de disfunções podem ser agravadas em ambientes religiosos. Para além de que certas doenças mentais são muito difíceis de identificar e tratar em seguidores de religiões para as quais o Diabo é o culpado pelos comportamentos associados a estas doenças, e que acreditam mais no poder da oração que na Ciência. Isto é, para os quais estes comportamentos devem ser tratados com rezas e/ou exorcismos e não por recurso a auxílio médico.

Os peritos sugerem ainda que em ambientes religiosos os sintomas de desordem psicológica, mesmo severa, podem parecer comportamentos normais aos fiéis: a obsessão (em relação a um líder religioso, fim do mundo, etc..) pode ser interpretada como fervor religioso e manifestações esquizofrénicas como visões religiosas.

Tudo isto porque em Oakland, São Francisco, mais uma mulher está a ser julgada por ter morto os filhos alegadamente por ordem de Deus. Lashuan Harris, diagnosticada com esquizofrenia paranóica, afirmou que matou os seus filhos Trayshaun Harris, seis anos, Taronta Ray Greely Jr., de dois anos e Joshua Greely de 16 meses porque a voz de Deus ordenou o seu sacríficio. Sacríficio perfeitamente plausível para uma pessoa muito religiosa, como afirmam os familiares, que cresceu numa religião, o cristianismo, que aponta como doutrina fundamental uma aceitação submissa da vontade de Deus, Deus que nas escrituras «sagradas» ordena a Abraão para assassinar o filho.

Outra questão levantada por estes casos de distúrbios mentais responsáveis por comportamentos criminosos, que a justiça da maioria dos países considera não serem imputáveis, isto é, que o doente não é responsável pelos seus actos, tem a ver com o castigo divino aos pecadores, que pecam devido a serem naturalmente perversos e recusarem a sujeição redentora à vontade divina, alijando o fardo do livre arbítrio, a origem do Mal do Agostinho tão do agrado do actual Papa.

Mas que livre arbítrio tem um esquizofrénico ou um maníaco-depressivo não medicados? Qual é a essência do seu «eu», aquilo a que os cristãos chamam alma? O «eu» medicado ou o «eu» não medicado? Que acontecia às «almas» destes doentes antes de a ciência ter identificado os distúrbios?

Parece-me um bocado bizarro que os católicos não achem estranho que o seu Deus supostamente misericordioso tenha condenado às profundas do Inferno milhões de seres humanos que «conspurcaram» as respectivas almas devido a distúrbios biológicos. E repudiaram a «salvação» devido aos mesmos distúrbios. Ou será que há um limbo especial para estes «pecadores»?

Talvez por isso a Igreja Católica esteja em franca recuperação do Diabo e tente vender esses comportamentos como possessões diabólicas e quejandos…

28 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Rätzinger na Polónia


O Papa Ratzinger foi à Polónia – a última reserva do catolicismo jurássico, na Europa -, dizer missas e apanhar um banho de multidão. Apanhou uma molha que encharcou 300 mil fiéis, quando se esperava um milhão.

A Varsóvia de hoje já não é a de 1979 nem B16 é JP2, um artista consumado na arte de encantar multidões que, nessa data, levou o público ao rubro.

Enquanto Deus zurzia os crentes e os curiosos e os fustigava com bátegas, os figurantes protegiam-se do céu com guarda?chuvas.

B16 lá pediu aos polacos que não deixassem que a prosperidade lhes corroesse a fé, sabendo como a miséria e a ignorância são aliados poderosos da crença no divino.

Na última missa, mais concorrida, no Parque Blonie de Cracóvia, ajudado por cerca de 1900 padres, dos quais 20 cardeais, 28 arcebispos e 120 bispos de um total de 16 países, afirmou que sentia «profunda comoção» ao recordar JP2.

JP2 vai ser canonizado brevemente. É do interesse da ICAR, da Polónia, e, em especial, do vice-primeiro-ministro e ministro da Educação, Jedrzej Giertych, «católico integrista, militante contra a homossexualidade e o aborto», tradicionalista radical, antiliberal e anti-europeu, como convém ao filho e neto de dois ideólogos da direita nacionalista polaca.

O passado de B16 na juventude nazi (mesmo que involuntário) criou embaraço na passagem por um campo de extermínio nazi da Polónia, um país que se distinguiu pelo anti-semitismo militante.

27 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Mais uma beata no zoo da santidade

Ora aqui está uma impossibilidade absoluta, falsificar o que não existe, deturpar o que nunca foi dito, atribuir segundo sentido ao que não tem qualquer sentido.

A palavra de Deus é uma espécie de placebo sem excipiente, o fato do rei que ia nu, um artifício de que se alimenta o clero e que explora os supersticiosos.

Enquanto o Papa Ratzinger prossegue na campanha de marketing e no esforço de fazer regredir a humanidade, a ICAR dá a conhecer a próxima beata portuguesa – Rita Amada de Jesus (1848-1913).

No próximo dia 28 de Maio terá lugar na Sé de Viseu – dia em que o fascismo celebra oitenta anos do golpe de Estado que deu origem à mais longa ditadura europeia -, uma missa presidida pelo cardeal fabricante de beatos e santos, para proclamar a nova beata.

A freira Rita Amada de Jesus (lindo nome) «desde criança, manifestou especial devoção a Jesus Sacramentado, a Nossa Senhora, e a S. José e ainda um carinho muito particular pelo Papa que, por essas alturas vivia vida atribulada, a ponto de se ver exilado e, poucos anos depois espoliado dos Estados Pontifícios».

Além disso pedia às Irmãs Beneditinas do Convento de Jesus e conseguiu delas alguns «instrumentos de mortificação», adereços preciosos de que os elementos do Opus Dei e outros sadomasoquistas não prescindem.

A propaganda da ICAR está a aproveitar mais esta beatificação para a manipulação da população rural de Viseu, para atacar a primeira República e reabilitar um Papa que foi um autêntico facínora (Pio IX).

Esta saudade do poder temporal manifesta-se na ânsia de poder do actual pontífice, nas exigências clericais ao poder político dos países democráticos e no desespero com que a ICAR combate a secularização e a laicidade.

Cuidado, eles estão de volta. São poucos mas raivosos. O clero medieval está aí de novo para impor regimes ditatoriais e regressar aos métodos de Pio IX, o «papa atribulado» que considerou a Igreja católica incompatível com a liberdade e excomungou a democracia e o livre-pensamento.

27 de Maio, 2006 Palmira Silva

Vaticano e Itália – I

O jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, criticou na terça-feira dois ministros do novo governo italiano que se manifestaram, respectivamente, em favor da pílula abortiva e da legalização das uniões civis.

A ministra da Saúde italiana, Livia Turco, foi criticada por relançar a pílula RU486, proibida em Itália desde Janeiro deste ano pelo governo do grande paladino de óvulos e espermatozóides Silvio Berlusconi, pouco depois de Bento XVI ter exortado os médicos a não prescreverem este medicamento e ter afirmado que o governo italiano não deveria «introduzir medicamentos que de uma forma ou outra escondem a grave natureza do aborto».

Como esperado, o Osservatore Romano não perdeu tempo a lamentar a atitude da nova ministra da Família, Rosy Bindi, que defendeu o reconhecimento das uniões de facto.

O jornal do Vaticano classificou como «desconcertante» a pressa com que o Governo de Prodi aborda «matérias particularmente delicadas» (para o Vaticano, claro).

Para se perceber no seu real enquadramento, que nem remotamente tem a ver com uma suposta «ortodoxia» (i)moral, este início das hostilidades entre o Vaticano e o governo de Romano Prodi, que com as suas primeiras medidas já mostrou não ser tão permeável aos «conselhos» do Vaticano como o seu antecessor, e porque estes ataques ir-se-ão certamente intensificar se Prodi ousar defrontar abertamente o ditador do Vaticano como o fez Zapatero, é necessário compreender o que está subjacente a esta guerra: poder político que por sua vez é necessário para manter os benefícios financeiros, nomeadamente total isenção de impostos, do Vaticano.

E a influência política da ICAR em Itália, como demonstrado pelas últimas eleições, já não é o que era. O Vaticano precisa com urgência de mostrar ao governo que não perdeu o ascendente político no país e nada melhor para isso que acirrar as guerras das ditas «questões fracturantes»! Caso contrário, o primeiro-ministro italiano, a braços com uma grave crise económica e a maior dívida da zona euro, pode ter ideias peregrinas para resolver de uma assentada a crise, como revogar a isenção de impostos aos negócios, completamente sem nada a ver com religião, do Vaticano.

Isto é, passarem a pagar impostos os muitos negócios e investimentos que o Vaticano detém em Itália, como a maior imobiliária italiana, a Società Generale Immobiliare, para não falar nas participações em multinacionais como a Morgan Guaranty, Credit Suisse, Chase Manhattan ou a Continental Illinois. Esta absurda isenção total de impostos foi concedida por Mussolini e nunca foi revogada, embora Aldo Moro tenha tentado. Mas foi assassinado, supostamente pelas Brigadas Vermelhas, antes de o conseguir

27 de Maio, 2006 Palmira Silva

Aviso aos fundamentalistas católicos

«Tolerância ilimitada leva necessariamente ao desaparecimento da tolerância. Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes, e não defendermos a sociedade tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados e com eles a tolerância. Assim, devemos reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. »
Karl Popper The Open Society and Its Enemies (1945)

Quando o Diário Ateísta, então Diário de uns Ateus, iniciou a sua experiência na blogosfera nacional pretendia fazer do espaço de comentários uma espaço completamente aberto, livre e democrático, onde crentes e ateístas pudessem debater no espírito que pretendemos seja a sociedade nacional: tolerante, plural e civilizada. Já contávamos com inevitáveis ataques, críticas e insultos dos crentes mais exaltados mas nunca pensámos que o fanatismo religioso tivesse atingido cá no burgo a virulência que alguns comentadores demonstram.

De facto, à medida que o DA foi ganhando mais leitores e alguma notoriedade, foi ganhando igualmente comentadores que baixam o nível do debate a extremos em que este é impossível. Os fundamentalistas católicos que entretanto pousaram no DA obrigaram-nos a meditar seriamente no paradoxo da tolerância de Karl Popper.

Mesmo após a panóplia de insultos pessoais, ameaças à integridade física e até uma ameaça de morte, com que temos sido mimoseados por estes fanáticos, optámos por não impôr qualquer restrição aos comentários. Todos nós, como ateístas assumidos há muitos anos, sabemos como reajem os católicos mais devotos à mera existência de quem se atreve a descrever a sua crença por aquilo que é: mais uma mitologia. Não nos esquivamos ao debate nem nos fazemos de virgens ofendidas e muito menos enfermamos da característica indissociável do cristianismo, a mania da vitimização e perseguição.

Mas estes fundamentalistas católicos foram usurpando o espaço de discussão, agredindo e insultando todos os comentadores ateístas, despejando lixo nas caixas de comentários a tal ponto que muitos dos frequentadores habituais deste espaço, que relembro se intitula Diário Ateísta, se queixam que é impossível ou pelo menos penoso comentar. De facto, os fundamentalistas, na falta de argumentos, resolveram recorrer às tácticas terroristas que caracterizam todos os fundamentalismos, neste caso sabotagem pura e dura: desde ataques constantes ao nosso server, passando pelos insultos mais vernáculos, multiplicação de nicks por uma mesma pessoa e pela utilização da assinatura de outros comentadores e de colaboradores do DA em comentários de nível abaixo de cano de esgoto.

Assim sendo, dizemos basta aos intolerantes! Reivindicamos, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Pelo menos neste espaço, obrigá-los-emos a respeitar as regras da sociedade tolerante, civilizada e democrática que é a nossa: é permitida a total liberdade de opinião, todos são bem-vindos a discordar do que escrevemos e a fundamentar como quiserem essa discórdia.

Não são permitidos insultos pessoais, ameaças à integridade física ou a utilização de nicks ou nomes de outrem. Os comentários que não obedeçam a estas regras simples serão apagados. Assim como serão substítuidos pelos links apropriados (à Opus Dei, Comunhão e Libertação, etc.) todos os muitos e extensos comentários copy&paste com que habitualmente nos mimoseiam.

Os nossos leitores, crentes e ateus, têm o direito a comentar neste espaço. Direito que lhes estava a ser sonegado por uns poucos fanáticos totalitários, inimigos da nossa sociedade aberta e tolerante.

26 de Maio, 2006 jvasco

Parábolas simples, distorções complexas

Os textos do evangelho são simples. Jesus falou aos discípulos numa linguagem simples, precisamente para que a sua palavra estivesse ao alcance de todos.

Mas a mensagem evangélica, se bem que fosse o ideal para se espalhar entre os escravos e oprimidos do faustoso império romano, não era muito adequada para uma instituição poderosa com relações mais ou menos promíscuas com um poder político de uma potência económica dominante.

É que a mensagem evangélica, entre outras coisas, é socialista. Diz claramente que os ricos não chegarão ao céu – que estes não se devem ficar pela caridade, mas sim dar tudo o que têm aos pobres.

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) encontrou uma forma engenhosa de conciliar a mensagem evangélica com as suas diversas directrizes que ao longo da história têm estado, segundo a própria assume, em directa contradição com o evangelho (Cruzadas, Inquisição, etc..).

Tentou dificultar o acesso generalizado ao evangelho, e criou um mito segundo o qual a interpretação do evangelho era uma verdadeira ciência, tão profunda que estaria apenas ao alcance dos seus teólogos, que a ela dedicam toda uma vida. Dessa forma, tornou-se fácil conseguir defender tudo o que quisesse: desde a condenação de Galileu, até à santificação de S. Escrivá.

Foram os protestantes quem primeiro começou a imprimir e a traduzir as Bíblias, e a primeira reacção da ICAR foi de oposição. E hoje os evangélicos e protestantes conhecem muito melhor a Bíblia que os católicos. É toda uma tradição de a esconder dos crentes…

O que eu acho curioso é que quando qualquer um pode identificar os erros dos inspirados teólogos católicos ao longo da história (em cuja humanidade a ICAR não deixa de se justificar) ninguém pode pôr em causa os teólogos actuais.

Se alguém com uma tese de mestrado associada ao estudo da história e cultura da Estremadura em finais do sec XIX, e uma tese de doutoramento acerca d’ «A problemática do “realismo niilista” na literatura portuguesa» me vier dizer que eu interpreto Os Maias demasiado literalmente, e que a Maria Eduarda é o Pedro disfarçado, que voltou da 9ª dimensão para tentar matar Afonso, vou precisar de muito bons argumentos para aceitar tamanho dislate… Não basta falar na enorme importância de conhecer o contexto sócio-cultural d’Os Maias para os poder interpretar convenientemente.
Se acredita que o conhecimento profundo do contexto pode justificar tal interpretação, então ainda bem que o conhece, pois pode expor com clareza os pontos em que baseia a sua interpretação.

Da mesma forma, não aceito de ânimo leve que o Jesus dos evangelhos não deixasse de condenar a riqueza. Leiam estas passagens:

«Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e mesmo quem tem mantimentos faça o mesmo» Lc 3:11

«Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuires, dá o dinheiro aos pobres» Mt 19:21

«Em verdade vos digo que dificilmente entrará um rico no reino dos céus. Repito-vos: é mais fácil passar um camelo na ponta de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus» Mt 19:23,24

«Mas ai de vós ricos que recebestes a vossa consolação» Lc 6:24

Como ateu, não reconheço qualquer valor de ciência económica ao que está escrito nestes fragmentos do folclore mitológico dessa zona conflituosa onde hoje estão a Palestina e Israel. Mas quem acredita que os evangelhos são a palavra de Jesus tem de entender que a doutrina da ICAR continua, na boa tradição do seu passado, a ser incoerente com os evangelhos que reconheceu.

Se a ICAR não reconhece como evidência que, à luz do evangelho que declara sagrado, ser rico é pecaminoso, que credibilidade tem para quaisquer outras interpretações que questione da parte daqueles que fazem uma leitura crítica?

26 de Maio, 2006 Palmira Silva

Relativismo moral – I

Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte
Tomás de Aquino, Suma Teológica II/II 11, 3c

Desde o início do seu pontificado como Papa, o discurso de Ratzinger tem sido pautado pela denúncia daquilo a que chama «ditadura do relativismo», ou seja, supremacia da tolerância, da razão e ciência em detrimento do obscurantismo e totalitarismo da fé. Ratzinger que se lamentava não ser «bom sinal que muitos ambientes cristãos se caracterizem hoje não pela fé na Trindade, mas na fé de uma tríade repetida como mágica: ‘Paz, justiça, respeito pela natureza’» e que praticamente declarou guerra à modernidade, liberalismo (entendido como a democracia moderna) e liberdade de pensamento e consciência na homilia que deu início ao conclave que o elegeu.

O discurso do Papa é ecoado por algumas das suas mais beatas correias de transmissão, que com um ar de pseudo-superioridade moral rematam qualquer discussão para a qual não têm argumentos com a estafada e falsa afirmação de que «sim, tudo isso é muito bonito mas eu tenho valores, absolutos e universais, assentes na verdade revelada por nosso senhor. Tu não passas de uma relativista moral sem nada em que apoiares as tuas posições». Lembro-me por exemplo de um momento na Sic Notícias em que Maria José Nogueira Pinto disparou esta afirmação contra o seu oponente num debate sobre o aborto.

Na realidade, muitos dos apregoados «valores morais e verdades absolutas» da ICAR são-no muito recentemente. Algumas verdades absolutas do passado da ICAR foram desmistificadas (com grande oposição e muitas fogueiras inquisitoriais pelo meio) pela ciência, como o geocentrismo ou o criacionismo bíblico, mas também alguns «valores morais universais e absolutos» foram, com grande resistência, abandonados pela Igreja de Roma.

O anti-semitismo, a defesa da escravatura, a perseguição e assassínio de bruxos, hereges e apóstatas, a defesa do uso de tortura, a legitimidade das guerras «santas», a negação dos direitos dos homens, a defesa de regimes de «direito divino» e a condenação da democracia, a condenação da liberdade de expressão, a luta contra a emancipação da mulher, enfim, uma série de «erros» morais por alguns dos quais, difíceis de apagar dos livros de História, João Paulo II fez me(i)a-culpa.

Mas todas estas ex-verdades absolutas católicas só são reconhecidas hoje como abominações morais após muita resistência da Igreja, muitos discursos e encíclicas condenando os erros da modernidade, em tudo menos no assunto idênticas às prelecções contra a «ditadura do relativismo» do actual Papa. Que autoridade e credibilidade para falar em «valores morais universais e absolutos» tem uma Igreja que tantas vezes impôs «valores morais universais e absolutos» que hoje repudiamos? Que perseguiu, torturou e muitas vezes queimou como hereges os que se atreveram a questioná-los?

Que (i)moralidade existe então nas posições actuais da Igreja?