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2 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Pedofilia na Igreja Ortodoxa

O abuso sexual de menores perpetrado por membros do clero parece ser uma característica comum a todos os ramos do cristianismo.

A propósito de uma notícia acerca de acusações de pedofilia num convento da Igreja Ortodoxa em Blanco, Texas, em que 4 monges são acusados de abuso sexual de um rapaz, descobri que não apenas o fundador do convento, o bispo Benedict Greene, tinha sido condenado por abuso sexual de menores em 2000 e tinha revelado ter abusado sexualmente de vários menores no convento ao longo dos anos, como os monges deste mosteiro parecem ter sido escolhidos de acordo com as perversões sexuais do fundador.

Um quinto monge, também acusado neste processo, encontra-se preso, a servir uma condenação de 10 anos por indecência com um noviço de 14 anos. Aliás, este problema parece, tal como na Igreja Católica, ser recorrente na Igreja Ortodoxa, como indica a página de acolhimento de uma organização de apoio a vítimas de abuso sexual por membros do clero ortodoxo.

O mosteiro Christ of the Hills (Cristo dos montes) , situado entre Austin e San Antonio, é uma atracção local que atrai milhares de visitantes todos os anos. O fenómeno turistíco deve-se a um suposto «milagre»: uma imagem da mítica mãe do mítico Cristo que supostamente chora lágrimas de mirra. Uma fraude, admitida pelo próprio Greene, que reconheceu serem os monges a decorar com «lágrimas» o ícone, sem as dimensões mediáticas e as capacidades «prescientes» do «sangue» seco de San Gennaro, o patrono de Nápoles, mas que é suficiente para garantir generosas doações ao mosteiro e seus monges.

Agora que os monges do Cristo dos montes contemplam uma longa estadia na cadeia, o rentável negócio será assegurado pelo padre Thomas Flower, da missão Blessed Martin de Porres em San Antonio.

1 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

A Laicidade ameaçada

Há, na Europa, uma tendência política para sobrepor a identidade étnica e religiosa à cidadania comum, o desejo de fazer penetrar o clero nas escolas, uma capitulação da laicidade face ao poder e agressividade crescentes dos parasitas de Deus.

A criminalização da blasfémia é a suprema aspiração das sotainas, aliadas conjunturais dos mullahs para quem qualquer referência desagradável ao profeta e à sua demência, ao Corão e à sua incompatibilidade com a democracia, provoca desejos assassinos.

Sendo Deus o alvo não vejo quem possa ter legitimidade, sem procuração expressa, para litigar em seu nome. Sendo improvável a sua existência torna-se absurdo punir ofensas a coisa nenhuma, mas a obsessão do clero e o oportunismo político eleitoral, podem conduzir a Europa a um passado de que se libertou com sangue.

O Estado é incompetente em matéria religiosa ainda que pudesse e devesse criminalizar as burlas cometidas por numerosos credos que disputam crentes com números de circo e falsos milagres. Certamente não vai distinguir entre deuses idiotas e deuses respeitáveis.

Considerar chefe de Estado o teocrata que no Vaticano organiza, comanda e acirra o exército de sotainas é dar importância excessiva ao comandante-chefe dos bispos, padres e monsenhores que andam pelo mundo a executar a política dos 44 hectares da teocracia sedeada num bairro de Roma mal frequentado.

1 de Agosto, 2006 Palmira Silva

O anti-semita Mel Gibson

Há dois anos o Carlos escreveu, a propósito do filme «a Paixão de Cristo» – que não vi, não sou apreciadora deste tipo de ficção fantástica xenófoba – «Mel Gibson é um fanático, reaccionário e cruel – futuro santo da ICAR – que se masturba com o sofrimento e traz de regresso o anti-semitismo que, após a segunda grande guerra, tem estado entre parêntesis».

Os recentes acontecimentos confirmam o anti-semitismo do católico conservador, cujo pai é um assumido negador do Holocausto.

De facto, Mel Gibson, foi detido na sexta-feira, na Califórnia, depois de ter sido apanhado pelas autoridades a conduzir embriagado.

Mel Gibson seguia na auto-estrada do Pacífico, quando foi interceptado numa operação de fiscalização, depois de ter sido detectado em «claro excesso de velocidade».

O actor, depois de uma exibição deplorável de vernáculo, lançou-se numa longa tirada anti-semita que culminou com a declaração «Os judeus são responsáveis por todas as guerras que já aconteceram no mundo» perguntando de seguida a um dos polícias, James Mee: «Você é judeu?».

Toda a intervenção foi gravada em audio por um dos polícias e pode ser ouvida aqui.

Entretanto o actor pediu desculpas pelo seu comportamento. Este pedido de desculpas, em que Mel Gibson reconhece abertamente ter proferido declarações anti-semitas, foi aceite pela Liga Contra a Difamação que tinha considerado o seu primeiro pedido insuficiente e pretendia que Gibson fosse severamente punido. «Parece que a combinação de algumas bebidas e a prisão revelou o seu verdadeiro carácter», declarou Abraham Foxman, o director da Liga Contra a Difamação, que já tinha alguns diferendos com o actor e realizador a propósito das declarações deste quando do lançamento do filme «A Paixão de Cristo».

Na altura as acusações de anti-semitismo a Gibson, nomeadamente «se ele pode dizer que há uma cabala de judeus laicos liberais que querem culpar a Igreja Católica pelo Holocausto isso é a conversa anti-semita clássica» foram repudiadas com grande indignação e fanfarras como calúnias. Parece que os recentes acontecimentos deram razão a Foxman…

Devido ao incidente a rede de televisão ABC cancelou uma mini-série sobre o Holocausto a ser produzida por Mel Gibson. De facto, um anti-semita realizar uma série sobre o Holocausto não me parece uma boa ideia. Mel Gibson já fez estragos q.b com o espectáculo sado masoquista, uma representação realista de que de facto o negócio das religiões é violência que simultaneamente deixa claro em todos os fotogramas que os judeus são o inimigo que é «A Paixão de Cristo», tão elogiada por João Paulo II.

Tanto que, pela primeira vez, a Sala de Imprensa da Santa Sé emitiu uma nota, depois de João Paulo II ter visionado o filme, assegurando que a história contada por Gibson «é uma transposição cinematográfica do facto histórico da Paixão de Jesus Cristo segundo o relato evangélico».

1 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Violência de Deus

Não é vulgar os homens odiarem com a violência de que o clero é capaz. Abre-se a TV e, perante os horrores do terrorismo, ouvem-se mullahs a dizer que Deus é grande e a clamar vingança. Crentes embrutecidos pela fé dizem que a maior alegria é terem filhos mártires e eles próprios imolarem-se na orgia de sangue que a cegueira da fé provoca.

Do outro lado, os que desejam derrubar o Muro das lamentações à cabeçada, dizem que Deus está com eles, enquanto os aliados rogam a Deus pelos soldados que enviam para os campos de batalha.

Deus é uma espécie de amuleto pouco recomendável, disposto a sacrificar inimigos dos seus amigos, um déspota parcial e violento que, a troco de orações, aumenta as mortes dos adversários e reduz as dos amigos.

Ninguém ignora os motivos económicos que motivam as guerras em curso, mas todos se dão conta da violência potenciada pela fé, da demência exacerbada pelas orações e do fanatismo induzido pelos clérigos.

As sociedades que se subjugam ao clero regridem sob o ponto de vista civilizacional e são espoliadas dos mais elementares direitos. A teocracia é a antítese da democracia e, nestas, a influência religiosa promove a intolerância, o fanatismo e a renúncia aos direitos cívicos.

1 de Agosto, 2006 Palmira Silva

O genoma Neanderthal

Reconstrução tridimensional de um crânio Neanderthal efectuada no Instituto Max Planck para a Antropologia Evolucionista em Leipzig.

O Max Planck para a Antropologia Evolucionista iniciou um projecto de colaboração com a 454 Life Sciences Corporation em Branford, USA, que pretende sequenciar o genoma do Neanderthal nos próximos dois anos. Depois da sequenciação do genoma do chimpanzé, este projecto é mais um marco no esclarecimento da evolução do homem mas igualmente de algumas controvérsias evolutivas.

O Homem de Neanderthal ou Homo sapiens neanderthalensis, o ramo evolutivo dos hominídeos mais próximo do homem moderno, viveu na Europa e na Ásia Ocidental há mais de 200 000 anos tendo sido extinto há cerca de 30 000 anos, aproxidamente a altura da chegada do Homo sapiens sapiens à Europa.

Durante muito tempo pensou-se que o Neanderthal foi um degrau na evolução do homem, isto é que a árvore filogenética do homem seguiu uma única linha entre o Australopithecus, Homo habilis, Homo erectus, Homo sapiens neanderthalensis e o Homo sapiens sapiens. Hoje em dia acredita-se que o Neanderthal é um ramo paralelo, sem sucesso, da evolução dos descendentes do Homo heidelbergensis, que seguiram duas linhas de evolução diferentes, determinadas pelo meio ambiente, respectivamente na Europa e em África.

Os hominídeos que viviam no Hemisfério Sul enfrentaram uma seca terrível. E os que evoluiram no norte tiveram de se adaptar a um frio glacial, com temperaturas de -30ºC. Para isso, isto é para resistir a um frio extremo, o Neanderthal desenvolveu características físicas específicas, tinha braços e pernas curtos e era mais robusto e baixo do que o homem moderno. Media cerca de 1,60m, e enquanto o Homo erectus tinha um volume craniano médio de 1000 cm3, o Neanderthal apresentava um volume de 1450 cm3 e o Sapiens de 1300 cm3. De igual forma, o pescoço, cujas dimensões aumentaram do Australopithecus ao Homo erectus, era muito curto no Neanderthal voltando a ser longo no sapiens .

Estas e outras evidências experimentais levaram os antropólogos a classificar o Neanderthal como um ramo paralelo da evolução. Com o aperfeiçoamento da datação de ossos através do carbono-14, descobriu-se que o Homo erectus (um ramo extinto do Homo Ergaster), o Homo sapiens e o homem de Neanderthal foram contemporâneos.

Ou seja, várias questões permanecem em aberto, nomeadamente se a extinção do Homo erectus e do Neanderthal foi um processo natural e se, especificamente, o Neanderthal foi exterminado pelos seus parentes próximos e se houve cruzamento genético entre ambas as espécies.

As descobertas paleontológicas no Vale Lis, nomeadamente o fóssil «menino do Lapedo», parecem indicar que houve cruzamento do Neanderthal com o sapiens. Mas nem todos os cientistas estão de acordo com Zilhão e existem muitas dúvidas sobre se o menino do Lapedo é de facto um híbrido de sapiens e Neanderthal.

O projecto do Genoma do Neanderthal pode esclarecer esta questão. Por comparação do genoma do Neanderthal com o genoma do homem poder-se-à averiguar se existiu contribuição genética do Neanderthal para o homem moderno. A comparação conjunta com o genoma do chimpanzé permitirá lançar luz sobre o que significa geneticamente ser humano.

(continua)

31 de Julho, 2006 Palmira Silva

A Bíblia do Dr. Seuss

Um momento clássico do humor canadiano pelos Kids in the Hall. As sátiras religiosas e ao «american way» são os meus sketches favoritos daqueles que são frequentemente comparados aos Monty Python. Como nota especialmente irónica, nestas sátiras o mítico Cristo é interpretado por Scott Thompson, o Kid abertamente homossexual.

Para os que não sabem, Dr. Seuss, o nome de «guerra» do cartoonista e escritor Theodor Seuss Geisel, é o autor infantil mais famoso dos Estados Unidos, especialmente pela criação do Grinch.

30 de Julho, 2006 Palmira Silva

Apocalipse Now

A crença num apocalipse seguido de um julgamento final é uma característica comum a várias mitologias, dos Maias aos Hindus, que surge normalmente em tempos de horror e opressão da respectiva cultura. Como já referi, em todas as mitologias há um messias («ungido») ou salvador, que resgata os eleitos de Deus. Esse salvador pode ser um ancestral do povo ou o mítico fundador da religião, que empreenderá uma batalha final contra as forças do mal e, após a vitória, inaugurará um novo estágio da criação, um novo céu e uma nova terra.

Os mitos da destruição escatológica, abundantes e associados normalmente a ciclos de destruição-criação em outras religiões, manifestaram-se tardiamente na literatura apocalíptica judaico-cristã, que floresceu entre os séculos II a.C. e II d.C., com zénite nos delírios do livro do Apocalipse. Como confirmação da natureza bem humana, determinada pela conjuntura da época, dos textos que alguns acreditam serem «revelações», recordo que o livro de Daniel, que descreve as primeiras visões apocalípticas na Bíblia, foi escrito durante a revolta contra o domínio grego.

O próprio cristianismo foi inventado durante a ocupação romana da Judeia. A ideia de que uma força maior efectivará a vingança das provações dos «justos», que aqueles que vemos como os nossos opressores sofrerão horrores inimagináveis, nem que seja no fim dos tempos, tem um apelo evidente para muitos e explica em parte o sucesso das religiões.

Considerando os tempos conturbados em que vivemos não é assim de espantar que alguns cristãos mais alienados considerem próximo o fim do mundo, e, consequentemente, a volta do Messias que julgará os vivos e os mortos. Na realidade, este alguns são muitos milhões apenas nos Estados Unidos e, segundo uma reportagem de 2002 da revista Época, cifrava-se à data num milhão o número de cristãos brasileiros seguidores de seitas cuja mensagem principal é a iminência do Juízo Final. Mesmo em Portugal, há pelo menos um católico, o autor do livro «Os 3 segredos de Fátima», que se entretem a transcrever para uma página na internet os seus delírios apocalíptícos.

tinha mencionado há uns meses o sucesso da série «Left Behind» assim como o sucesso anunciado do novo jogo cristão «Left Behind: Eternal Forces» baseado na dita série. O jogo é simultaneamente uma missão religiosa e uma missão militar que consiste em converter ou matar católicos, judeus, muçulmanos, budistas, homossexuais, todos os que advoguem a separação do estado e da Igreja, especialmente cristãos moderados «de café».

O jogo já dera uma indicação da estrutura mental dos dominionistas cristãos mas hoje, ao ler a página da Harper, deparei com uma notícia que espelha bem a completa insensibilidade, falta de qualquer sentimento de compaixão e virtude moral destes fanáticos cristãos, que rejubilam com o sofrimento alheio.

De facto, o presente conflito entre Israel e o Hezbollah deixou completamente frenéticos os desvairados cristãos que frequentam os fora do Rapture Ready (Prontos para o Arrebatamento). Estes fundamentalistas cristãos, a base de apoio do cristão renascido com uma missão «divina», G. W. Bush, dão mostras efusivas da sua alegria pela morte de milhares de inocentes, especialmente vítimas do recente conflito no Líbano e em Israel mas também em todo o Médio Oriente, que consideram um sinal inequívoco da 2ª vinda do seu mito.

Transcrevo apenas uma mensagem elucidativa, entre muitas, deixada por um devoto e eufórico cristão no forum «Fim dos tempos» em relação à tragédia que se desenrola no Médio Oriente:

«Louvado seja Deus! Nós fomos escolhidos para viver nestes tempos e também observar e espalhar a palavra. Algo dentro de mim está prestes a explodir e não sei o que é. É no género de querer fazer pinos rodados pela vizinhança».

Noutra linha, os piedosos cristãos discutem a necessidade de Damasco ser destruída antes da vinda do «Messias», de acordo com Isaías 17.

Como seria de esperar, a demência fanática, a total insensibilidade dos posts foi divulgada pela blogosfera americana e assim, hoje, os administradores do site pediram um pouco de contenção aos seus participantes e apagaram pelo menos uma das linhas. Mas podemos apreciar o que só posso considerar demência induzida pela religião nesta caricatura de um devoto cristão dominionista.

30 de Julho, 2006 Carlos Esperança

A procissão do Senhor

Os mordomos aprimoram-se a afiar os espinhos, a polir a coroa e a empurrá-la até ao lugar dos miolos do Senhor, com aquela fé dos néscios e a sanha dos crentes.

Ataviam-no com o vestido roxo, lavadinho e engomado por catequistas que proferem piadas brejeiras enquanto lhe retorcem o cordão da cintura.

A cruz há muito que o acompanha como prótese, mesmo nos períodos de ócio em que o desmontam da padiola que nas procissões se denomina andor por causa do movimento que lhe imprime o dorso dos devotos que se queixam do peso e da tradição.

As chagas são avivadas na cor depois de lhe passarem a escova de arame pelos sítios do martírio para melhor aderir a tinta, o verniz e a compaixão dos crentes.

Atrás, noutra padiola de tamanho menor, viaja a mãe, reduzida à condição de mulher, com ar infeliz de virgem, mãe e empregada doméstica.

Em lugar de destaque viaja o padre com a custódia sob o palio cujas varas têm cada vez menos voluntários. Só os foguetes, os bombeiros e os cavalos da Guarda Republicana dão a ilusão de festa na cerimónia gasta pelo tempo, repetitiva e fastidiosa, com música e itinerário inalterados, arrastando as pessoas que ainda vão porque sempre foram.

A procissão é um acto litúrgico destinado a arejar andores, a retirar o bolor dos guiões e estandartes, a reunir crentes e fazer a colecta para o padre. Os anjinhos da praxe vão-se reduzindo com o planeamento familiar e a devoção que esmorece.

As pessoas começam a sentir-se ridículas e com vergonha. Deus, por muito exótico que seja, não se diverte com o espectáculo. Se, ao menos, levassem sacos de cimento para as obras em vez do pesado andor, era mais útil o esforço e menos caricata a viagem.

30 de Julho, 2006 Palmira Silva

Execução de uma adolescente: a barbárie islâmica


No passado dia 27 a BBC2 passou um documentário chocante que relatava os detalhes de uma execução especialmente bárbara já que a vítima tinha apenas 16 anos!

Em 15 de Agosto de 2004, a jovem Atefah Sahaaleh, de apenas 16 anos, foi enforcada na praça pública de Neka, uma pequena cidade iraniana no Mar Cáspio, pelo mullah Haji Reza’i. A sentença de morte da adolescente indicava que esta foi executada por «crimes contra a castidade». Na realidade, o «crime» de Atefah foi ter sido violada repetidamente por membros da «polícia moral» e um ex-guarda revolucionário de 51 anos, Ali Daroubi! Os mesmos «polícias morais» que assinaram a petição na base da sua detenção em que a descreviam como «fonte de imoralidade» e «uma influência terrível nas raparigas locais».

O Irão assinou um tratado internacional que o obriga a não sentenciar à morte ou executar menores de 18 anos. Mas os tratados internacionais assim como os direitos humanos não têm qualquer valor quando quem governa os destinos de uma nação são dementes por uma mitologia, seja ela Deus, Allah ou outro figmento da imaginação humana. E a mentira em nome dessa mitologia sempre foi o recurso predilecto dos fanáticos de qualquer religião. Assim, o jornal estatal que noticiou o caso acusava a adolescente de adultério e afirmava que ela tinha 22 anos. De facto, Atefah tinha apenas 16 anos e não era casada.

De qualquer forma, de acordo com a Constituição do Irão, que coloca a Sharia acima de qualquer lei «humana», um juiz dos tribunais da Sharia tem rédea livre. E sob a lei da Sharia a idade de responsabilidade criminal é de 9 (nove!) anos pra as raparigas e 15 para os rapazes. Ou seja, no Irão e nos tribunais da Sharia uma criança do sexo feminino de 9 anos pode ser julgada e condenada à morte por «ofensas» aos decretos «divinos»!

A mentira sobre a idade da vítima veiculada pelos orgãos oficiais iranianos, destinada a não chocar a opinião pública iraniana, e a ameaça dos mullhahs locais a todos os familiares e conhecidos da jovem para não falarem à imprensa não foi suficiente para travar a disseminação da verdade dos factos. Aquando do caso, a jornalista Aiseh Amini ouviu rumores de que Atefah era apenas uma adolescente e resolveu investigar o caso.

«Quando encontrei a família, eles mostraram-me a certidão de nascimento e de óbito. Ambos diziam que ela havia nascido em 1988. Isso legitimou-me para investigar o caso», disse Amini.

Neste excelente artigo no Guardian, a produtora do documentário, Monica Garnsey, relata passo a passo a sua odisseia no Irão para esclarecer o que de facto se passou. E os detalhes que descobriu são um retrato muito fiel da impunidade conferida pela religião aos prevaricadores em nome de Deus às próprias leis que impõem aos restantes!

Atefah teve uma infância conturbada que a transformou numa adolescente rebelde e depressiva. A sua mãe morreu quando ela tinha quatro anos, o irmão morreu afogado pouco depois e o pai rapidamente se tornou viciado em heroína. Numa cidade como Neka, sob controle das autoridades religiosas, Atefah -que sempre andava sózinha e era chamada a «cigana de Neka» – desde muito cedo chamou a atenção da «polícia moral», um braço da Guarda Revolucionária Islâmica, cujo trabalho é reforçar os «valores» do código islâmico nas ruas do Irão. A sua primeira detenção por «crimes contra a castidade» aconteceu quando tinha 13 anos, tendo sido na altura condenada a 100 chicotadas – e ao abuso sexual por parte dos defensores da «moral e bons costumes» enquanto na prisão.

A investigação conduzida por Monica Garnsey na cidade de Neka permitiu-lhe concluir que a opinião geral da população local é que Atefah foi assassinada para encobrir os repetidos abusos sexuais que sofreu às mãos dos «polícias morais». A sua violação brutal por Ali Daroubi foi a desculpa encontrada pelos perpetradores dos abusos para se verem livres de uma testemunha incómoda, que podia a qualquer momento revelar o lado menos «moral» dos fanáticos em nome de Allah.

Dois meses depois da execução de Atefah a situação tornou-se incomportável e impossível de esconder: foram presos os organizadores de uma rede de pedofilia nos quais se incluiam dois dos polícias «morais» que assinaram a petição que a condenou.

29 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Fátima – palco da pantomina

Santuário promove iniciativas para assinalar 90 anos das aparições de Fátima

A vida está difícil para quem vive da fé. As pessoas trocam o santuário pelo restaurante, a eucaristia pela merenda e a procissão das velas por um arraial minhoto. Mas há crentes que resistem e se julgam em dívida com Deus.

O santuário de Fátima começou a promoção do 90.º aniversário das aparições. Sabe-se que a única aparição foi a mina do ouro que os crentes tiram do pescoço e das orelhas, pepitas de dor arremessadas com lágrimas à caixa de esmolas da ganância eclesiástica.

A ICAR lembra o aparecimento de um anjo e, se for preciso, arranja penas para provar a passagem do exótico personagem da fauna divina por aquelas terras áridas onde apenas germina a superstição.

A consideração pelas pessoas devia levar a Igreja católica a respeitar a gente simples e a ter pudor. Esbulhar pobres do cordão de ouro que esteve na família várias gerações, das arrecadas que foram da avó, do anel que um padrinho brasileiro ofereceu pelo crisma a um tio-avô, não é um acto de piedade, é um assalto com ave-marias e padres-nossos.

Explorar o sofrimento e a angústia, tirar aos que não têm para dar aos que não precisam, é o negócio que há quase 90 anos floresce em Fátima, aberto para combater a República e atacar o comunismo.

Esquecido o objectivo inicial, ficou a galinha dos ovos de oiro que as viagens papais alimentam e o clero aduba com procissões, terços e bênçãos. A virgem voadora que poisava nas azinheiras e ficava à conversa com a Lúcia, regressou ao Céu para fazer o serviço doméstico enquanto os padres exploram a fantasia do voo do anjo, da aparição da virgem e das cambalhotas do Sol.