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Categoria: Fátima

25 de Outubro, 2012 Carlos Esperança

A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado e os direitos humanos

É sempre com uma ponta de comiseração que, nos meus passeios diários, pela cidade de Coimbra, observo o Carmelo onde a Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado ou, simplesmente, Irmã Lúcia, para os amigos, passou seis décadas de intensa clausura.

Saía apenas para votar na União Nacional quando as listas eram únicas, guardada por outras freiras, e, durante a democracia, de que a Virgem nunca lhe falou, para votar não se sabe onde. A estas saídas precárias acrescentou duas idas a Fátima, para ser exibida com dois Papas de turno, Paulo VI e João Paulo II, em distantes 13 de maio.

Já antes passara cerca de 25 anos enclausurada, primeiro no Porto, desde os 14 anos, por decisão do bispo de Leiria, para ser protegida de peregrinos e curiosos, no Colégio das Doroteias, antes de professar, como doroteia, em Tui, em 1928. Regressaria a Portugal em 1946 onde estagiou para carmelita, tendo professado três anos depois nessa rigorosa Ordem. Esteve ininterruptamente enclausurada quase 84 anos, tornando-se a mais antiga prisioneira do mundo.

Penso que a renúncia à liberdade é um direito da própria liberdade que, se Lúcia o fez de livre vontade, não merece qualquer reparo. Todavia, se foi coagida, houve da parte do Estado português um atentado, por omissão, não lhe garantindo direitos, liberdades e garantias que a Constituição consagra a todos os cidadãos portugueses.

O facto de estar convencida de que Salazar foi enviado pela Providência para governar Portugal, segundo confidenciou ao cardeal Cerejeira, que, por sua vez, o transmitiu ao ditador, leva à presunção de que precisaria de uma consulta médica especializada. Mais do que o prurido da sarna que a atormentou, as conversas com Cristo, em Tui, e a visita ao Inferno, posteriormente abolido sem efeitos retroativos, indiciam confusões mentais à espera de um acompanhamento médico. E o Estado não cumpriu o seu dever para com uma cidadã que já em criança via, enquanto guardava cabras, uma Virgem a saltitar de azinheira em azinheira e a pedir-lhe para rezar pela conversão da Rússia.

Dos três pastorinhos de que o clero se serviu, primeiro contra a República, e contra o comunismo, depois, a Irmã Lúcia foi a única que viu e ouviu a Senhora de Fátima, já que a Jacinta só ouvia e não via, e o Francisco não via nem ouvia. Esta singularidade merecia que o Estado a não tivesse abandonado e lhe levasse o apoio médico de que carecia. Nunca saberemos se Lúcia suportou de motu proprio o mais longo cativeiro de que há memória ou se foi vítima de cárcere privado para propaganda religiosa.

A liberdade é um bem que não pode ser deixado ao poder discricionário de quaisquer instituições privadas nem ao capricho exótico de um deus qualquer.

17 de Agosto, 2012 Carlos Esperança

O 10 de junho, o ridículo e a Senhora de Fátima

Não vou falar da Senhora de Fátima, a única personagem que tem mais heterónimos do que Fernando Pessoa. Vou referir-me aos exóticos edis da Câmara de Ourém, aos seus anseios autárquicos e à frivolidade das reuniões camarárias.

Segundo o jornal «O Mirante», a edilidade de Ourém, “quer comemorações do Dia de Portugal em Fátima”. O delírio místico, próprio da região, partiu de um edil do PSD que pretende as referidas comemorações, em 2013, na Cova da Iria, um terreno de pastorícia que as cambalhotas do Sol e as visões da Irmã Lúcia transformaram num lucrativo local do setor terciário, quer no sentido da ciência económica quer na prática litúrgica, graças à promoção do terço.

A justificação baseou-se na importância «que o santuário de Fátima tem para Portugal e para o mundo», justificação que colheu a unanimidade do executivo municipal (PS/PSD/CDS) e levou à decisão de manifestar tão pia vontade ao Presidente da República.

Com tal argumento certamente se justificariam muitos outros eventos, nomeadamente de natureza desportiva, dadas as dimensões do santuário e as infraestruturas hoteleiras.

 

O 10 de junho, há muito que perdeu o sentido republicano, com que o feriado foi criado, para se converter na lúgubre evocação da cerimónia com que o salazarismo glorificava a guerra colonial. O atual PR acedeu a ser presidente da comissão de honra da canonização de Nun’Álvares depois daquele milagre que o guerreiro medieval obrou no olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, curando-a da queimadura provocada pelos salpicos do óleo fervente de fritar peixe, mas a República, apesar da ofensa da canonização ao herói de Aljubarrota e das genuflexões do PR, continua laica.

Será que os trogloditas que formam o executivo camarário de Ourém, habituados a andar de joelhos e a rastejar, sabem o que significa a laicidade do Estado?

Hoje pede-se que as comemorações do Estado se realizem num santuário mariano, quiçá à luz das velas, com o PR a ser recebido pelo batalhão de servitas de Fátima e com uma charanga de cónegos a tocar o Avé. No futuro assistiremos à procissão do «Adeus» a sair da Assembleia da República.

19 de Maio, 2012 Carlos Esperança

O imenso logro de Fátima

A multinacional do Vaticano persiste no ramo dos milagres mas em Fátima minguam os prodígios. Foi preciso recorrer a três médicos servitas, de Leiria, pai, mãe e filha, para atestarem a cura da D. Emília dos Santos que, pouco tempo depois, morreu curada após ter servido para a beatificação do Francisco e da Jacinta com o milagre feito a meias.

Até o milagre da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com óleo fervente de fritar peixe, foi feito numa casa de Ourém onde a miraculada tinha à mão uma imagem de D. Nuno que a ICAR desonrou com o milagre que lhe atribuiu. No entanto foi este prodígio que transformou o herói em colírio e o guerreiro em santo.

Fátima nasceu para combater a República e acabou na propaganda contra o comunismo mas nunca foi terreno fértil em milagres. São mais os peregrinos que morrem na estrada do que os doentes que se curam e não há memória de uma só ressurreição ou de uma perna que cresça a um amputado.

No entanto, a Cova da Iria é uma das sucursais da ICAR com maior rentabilidade. Dispõe da maior área coberta para orações e o que já foi um anjódromo, e o destino da Virgem que saltitava de azinheira em azinheira, é hoje o local de recolha de óbolos que aumentam na razão direta da pobreza a que vai sendo reduzido o povo. Já não surgem, talvez por pudor, barras de ouro fundidas com a cruz suástica, mas persistem as joias de quem sofre.

A coreografia deste ano foi abrilhantada por um cardeal, 22 bispos e 265 padres na missa que encerrou a peregrinação de maio. Bastam as sotainas de tanta criatura pia para dar aos crentes a ilusão de que se encontram numa paragem do Paraíso. Já nem é preciso pôr o Sol às cambalhotas. E ainda há quem diga que a Igreja procura a verdade, estranho eufemismo para designar as ofertas dos crédulos.

14 de Maio, 2012 Carlos Esperança

FÁTIMA, FUTEBOL E FADO


Amália Rodrigues é o rosto do fado recuperado.

Por

Onofre Varela

A trilogia “Fátima, Futebol e Fado” que marcava a sociedade portuguesa no Estado Novo de António Oliveira Salazar, continua actual e o povo acata-a com fervor religioso.

Dos três efes, o Fado consegue saldo positivo. Reconhecido como Património Imaterial da Humanidade, tem nas vozes de Mariza, Carminho, e do meu amigo Filomeno, as mais belas interpretações da arte de Amália e do sentimento do povo português.

Os outros dois efes continuam na senda da miserável conspurcação da mente da maioria de nós. O Futebol (dito profissional) é cada vez mais um coio de interesses que pouco têm a ver com o Desporto; e Fátima já não tem salvação possível. A única parte em que se lhe pode encontrar algo de “benéfico” para os religiosos, é a anestesia da fé que, como placebo que é, permite esquecer as amarguras da vida e alimenta a esperança de que ocorra um milagre. Milagre que, definitivamente, não acontecerá se o crente se mantiver passivo e nada fizer, social e politicamente, para construir essa mudança.

Apenas rezas e meditações… não fazem caminho. Os dois, e cada um por si, arrebanham mais gente do que a que foi possível juntar nas praças das cidades portuguesas nos últimos 25 de Abril e Primeiro de Maio em luta por melhores salários e políticas sociais. A maioria dos portugueses espera mais dos dirigentes desportivos e dos milagres marianos, do que dos políticos que nos fazem cada vez mais miseráveis e que pretendem convencer-nos de que o desemprego e a fome são óptimas oportunidades de vida (!?!).

Relativamente a Fátima, deixo aqui as palavras de Lúcia em testemunho das aparições de 1917, que colhi de um livro insuspeito, escrito por António Augusto Borelli Machado, editado pelo Centro Cultural Reconquista, uma organização católica, com “Nihil Obstate” do P. Fernando Leite e “Imprimatur” do Con. Dr. Eduardo de Melo Peixoto, Vigário-Geral. Teve a primeira tiragem em 1967 e já alcançou mais de 120 edições, em dez línguas.

Nesse livro, a “sexta e última aparição”, registada a 13 de Outubro de 1917, é descrita assim, com base nos depoimentos de Lúcia:
“Chovera durante toda a aparição. Ao encerrar-se o colóquio de Nossa Senhora com Lúcia, no momento em que a Santíssima Virgem se eleva e que Lúcia grita: Olhem Para o Sol; as nuvens entreabriam-se, deixando ver o sol como um imenso disco de prata. Brilhava com intensidade jamais vista, mas não cegava. Isto durou apenas um instante. A imensa bola começou a bailar. Qual gigantesca roda de fogo, o sol girava rapidamente. Parou por certo tempo, para recomeçar, em seguida, a girar sobre si mesmo, vertiginosamente. Depois os seus bordos tornaram-se escarlates e deslizou no céu, como um redemoinho, espargindo chamas vermelhas de fogo. Essa luz reflectia-se no solo, nas árvores, nos arbustos, nas próprias faces das pessoas e nas roupas, tomando tonalidades brilhantes e diferentes cores. Animado três vezes por um movimento louco, o globo de fogo pareceu tremer, sacudir-se e precipitar-se em ziguezague sobre a multidão aterrorizada. Durou tudo uns dez minutos. Finalmente, o sol voltou em ziguezague para o ponto de onde se tinha precipitado e ficou novamente tranquilo e brilhante, com o mesmo fulgor de todos os dias”.

Como facilmente se compreende, aquilo que Lúcia viu (se acaso viu) foi tudo menos o sol… porque o sol não se movimenta assim, em estilo yó-yó! Se, em vez de no ano de 1917, este fenómeno tivesse sido testemunhado 60 anos depois, na década de 70, era arquivado numa pasta com a etiqueta “Observação de OVNI no lugar da Cova de Iria”. Os três pastorinhos eram esquecidos, os cépticos riam-se muito, e a Igreja não lhes atribuía qualquer  importância. Em consequência, hoje não havia basílica, e a Igreja Católica não possuía a choruda fonte de receitas em que Fátima se transformou!

Onofre Varela
Jornalista
(Carteira profissional nº 1971)