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Categoria: Fátima

20 de Maio, 2010 Carlos Esperança

A história de uma visita papal

Num bairro de 44 hectares habitava um cardeal que a idade e o múnus tornaram casto. Na adolescência passou pela juventude hitleriana onde a disciplina o moldou.

Despida a farda, perdida a guerra, vestiu a sotaina onde não faltaram adereços com que a hierarquia o foi adornando. João Paulo II, papa polaco, viu nele o bispo ideal para lhe guiar a Prefeitura da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (ex-santo Ofício).

A idade canónica para a resignação (75 anos) não o removeu das funções. Com o prazo de validade excedido o Papa nomeou-o Decano do Colégio Cardinalício, quiçá grato pela preparação do Catecismo da Igreja Católica de que o havia encarregado.

Foi esse Decano que ascenderia a papa perante o desmazelo do Espírito Santo e o olhar atento do Opus Dei. Mal sonhava que a ocultação dos crimes de alguns padres lhe cairia como nódoa indelével na brancura dos paramentos e o travaria  na pressa beatificadora dos antecessores, igualmente manchados pelo encobrimento. Hoje, uma confissão bem feita já não é benzina capaz de desencardir tal nódoa, por mais sincero que seja o arrependimento e a promessa de não mais pecar.

Foi neste vendaval de vergonha, sob pressão da comunicação social de todo o mundo, que o recandidato a PR de um país ansioso por romarias e tolerâncias de ponto convidou o Papa infamado.

São duas caras que não inspiram paixões mas atraem cúmplices, não induzem simpatia mas fazem confluir interesses, não se comportam como deviam mas são reverenciados pelas funções. Foi assim que a recandidato Cavaco convidou o futuro santo e actual regedor do Vaticano.

Em Lisboa, o Papa Ratzinger elogiou o cardeal Cerejeira, cúmplice da ditadura fascista e da guerra colonial; no Porto olvidou o bispo Ferreira Gomes que, por honradez, sofreu 10 anos de exílio, mas nem o Papa nem o anfitrião alguma vez se distinguiram no amor à democracia.

O País viajou de joelhos, os ministérios pareceram sacristias, a família presidencial deu o exemplo aos mordomos das festas sacras e até os cadetes militares fizeram uma pausa na carreira das armas, transportando o andor da senhora de Fátima, para mostrarem  que a glória militar não se compara com a de carregadores de padiolas pias.

Finalmente, o PR promulgou a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, com a raiva de quem não tem alternativa e a azia de uma decisão amarga.

Esperemos que o país volte ao normal, que não é bom, depois dos dias de Papa, em que foi pior.

17 de Maio, 2010 Carlos Esperança

O TEMOR DE UM SIMPLES MORTAL ! . . .

Quinta, 13 Maio de 2010

A RTP 1 transmitia em directo as cerimónias de Fátima.

A SIC transmitia em directo as cerimónias de Fátima.

A TVI transmitia em directo as cerimónias de Fátima.

A RTP África transmitia em directo as cerimónias de Fátima.

A TSF transmitia em directo as cerimónias de Fátima.

A Rádio Renascença transmitia em directo as cerimónias de Fátima.

Tive medo de ligar a torradeira!..

(Enviado por um excelente amigo)

16 de Maio, 2010 Carlos Esperança

O milagre do Sol e outros prodígios

No tempo em que as virgens saltitavam de azinheira em azinheira chegou uma em voos curtos à Cova da Iria, no dia 13 de Maio de 1917, coberta de luz, de manto branco, para dizer a três criancinhas que era do céu e prometer-lhes que as levaria com ela, mas que o Francisco teria de rezar muitos terços. Pediu ainda a virgem que voltassem nos dias 13, sempre à mesma hora, seis meses seguidos, para lhes dizer quem era e o que queria.

São assim as virgens, caprichosas e enigmáticas, mas tendo-lhe a Lúcia perguntado por duas amigas mortas, logo lhe disse que a Maria das Neves estava no Céu e que a Amélia estaria no Purgatório até ao fim do mundo, novas de quem viaja, saber de quem conhece o país das almas e está de visita à paróquia de Ourém, sem adivinhar que o Purgatório será extinto.

As crianças obedeceram, depois de aceitarem oferecer-se a deus para suportarem todos os sofrimentos que ele quisesse enviar-lhes em acto de reparação pelos pecados com que ele, deus, era ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores.

Depois de se terem comprometido a pagar as dívidas alheias, a virgem levantou voo na vertical, não sem antes ter pedido que rezassem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra. Eram dóceis as crianças. Doutro modo podia nunca ter acabado a guerra que em 1918 se extinguiu.

O Sol, condenado à imobilidade por Galileu, revoltou-se contra a ciência, reconciliou-se com os preceitos bíblicos e um dia fez piruetas na Cova da Iria para reabilitar o deus de Abraão, estupefazer as criancinhas e deslumbrar os mirones que acorriam ao local.

Exultaram os padres que teceram o milagre para excitarem as hostes contra a República, benzeram-se os crentes que agitavam terços e renderam-se os incréus do costume para atestarem a verosimilhança do prodígio pio.

Que sorte não existirem então as medidas de segurança que ora soem. Se a virgem que vinha mensalmente cavaquear com os pastorinhos e o anjo que ali desceu, convencido de que era seguro o anjódromo, tivessem apanhado com um decreto que interditasse o corredor aéreo, certamente que a GNR teria aberto fogo com as escopetas e teríamos o anjo de asas quebradas, a voar baixinho, e uma virgem derrubada da azinheira a esvair-se sem pensar na guerra, nos terços e nos pecados.

Valeu ao negócio da fé o carácter artesanal com que então se defendia o espaço aéreo.

15 de Maio, 2010 Carlos Esperança

Dúvidas de um leitor (2)

Tenho notícias do Porto: como seria de esperar a Avenida dos Aliados esteve cheia, mas com as vias de circulação automóvel livres, o que dá cerca de 60.000 a 80.000 pessoas.

Pude testemunhar no local que não havia um número muito reduzido de pessoas nas ruas laterais (menos do que as que caberiam nas vias de circulação livre da avenida), estamos a falar de cerca de 10 a 15 metros no máximo em cada rua.

Exemplo desta pouca ocupação dos espaços secundários foi a situação da Praça D. João I (do Teatro Rivoli a poucos metros da avenida) onde as pessoas estava SENTADAS NO CHÃO durante a missa…

Posto isto voltamos à situação do costume: números como 150.000 apresentados na televisão são completamente irrealistas (para usar uma expressão suave).

14 de Maio, 2010 Carlos Esperança

A multidão de Fátima – Dúvidas de um leitor

Uma questão que me deixou surpreendido… numa medição rápida no Google Earth a Avenida dos Aliados tem pouco mais de 20.000 m2… algumas notícias falam de 200’000 pessoas a ver a missa no Porto o que é, obviamente, impossível.

O mesmo se passa em Lisboa… a Praça do Comércio tem cerca de 30.000 m2, mesmo incluindo áreas circundantes (como a Praça do Município) ficamos com menos de 50.000 m2… onde muito dificilmente se conseguem “empacotar” as 100.000 pessoas que são referidas nas notícias…

Parece-me que há muita confusão na comunicação social entre as pessoas que vão realmente ver as missas do papa e as, potencialmente muitas mais, que o vão ver passar nas ruas…

9 de Maio, 2010 Carlos Esperança

Foi decretado o recolhimento obrigatório

A vinda do Professor Ratzinger, por alcunha Bento XVI, dignitário católico para quem a Santidade é profissão e estado civil, obrigou o País ao recolhimento obrigatório, por decreto pio e falta de pudor de quem o decidiu.

Receber com honras quem é reconhecido como chefe de Estado, é um dever do Estado de direito que somos, mas transformar o protocolo num acto de subserviência é abdicar da soberania e reduzir a dignidade do Estado português à categoria de protectorado da última teocracia europeia.

A função do Governo não é fazer com que todos creiam, é tentar resolver o problemas dos cidadãos. Nenhuma democracia tem competência para atestar o milagre que levou dois pastorinhos com muitas décadas de defunção aos altares, nem o direito de ajudar o proselitismo romano em detrimento de outras crenças.

O que se exige ao Estado é a defesa do direito às crenças, a todos as crenças, bem como às descrenças e anti-crenças que os cidadãos perfilhem.

A insólita atitude de conceder um dia de tolerância de ponto é um abuso que contraria a laicidade a que o Estado está constitucionalmente obrigado, uma discriminação injusta e gratuita para com outras crenças e um convite à participação na maratona de ave-marias e salve-rainhas que a concentração pia promove a pretexto da visita papal.

O encerramento das escolas públicas devido à chegada do papa católico é uma dolorosa metáfora do antagonismo da religião e da cultura num país onde as escolas particulares, a maior parte confessionais e católicas, continuam a ensinar.

Foi declarado o estado de recolhimento obrigatório. Só faltou coragem para impor as orações como sucedia durante a ditadura salazarista.

Quando o Estado se ajoelha é o País que fica de rastos.