Loading

Categoria: Política

13 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

“COM A RELIGIÃO NÃO SE BRINCA”, DISSE ELE.

Texto de Onofre Varela, publicado na imprensa, em que reflete sobre uma frase que ouviu. Afinal, “com a religião não se brinca”?

Os dirigentes dos partidos políticos da Direita têm uma enorme incapacidade de perceberem a vida dos pobres que alguns deles constantemente desrespeitam.

Penso estar na memória de todos nós a infeliz frase de Assunção Cristas (enquanto presidente do CDS), proferida em época de eleições concorrendo à presidência da Câmara de Lisboa: “Calço as galochas e vou aos bairros sociais”. A sua infeliz frase demonstrou que ela não sabe que um bairro social não é uma pocilga, e pior do que isso: imagina que é!… E imaginando-o, colocou num patamar muito baixo a dignidade de quem habita os bairros, esquecendo que a dignidade daquela gente é igual à sua. Ela só tem mais dinheiro e um curso académico superior, o que não é sinónimo de ser mais digna!

Já Marcelo Rebelo de Sousa, com todas as suas demonstrações de carinho, levando ânimo a quem sofre, não pôde deixar de escorregar nas palavras e nas ideias quando sugeriu a um sem abrigo, num acto de distribuição de comida em noite de Natal, que levasse para casa o resto do pão que não comeu, porque “é muito bom para fazer torradas”… esquecendo que um sem-abrigo não tem casa, não tem torradeira, nem fogão, nem manteiga…

Quem sempre viveu numa casa aquecida e confortável, com a dispensa bem fornecida e o frigorífico cheio, não imagina o que é passar-se mal, passar fome e frio, ter os bolsos sem dinheiro, não ter cartões de débito e muito menos de crédito. Referi Cristas e Marcelo em casos concretos… mas a extrema Direita actualmente no Parlamento tem o mesmo desrespeito por quem sofre; e o discurso aparentemente contrário não é mais do que isco de anzol para ser mordido pelos incautos.

A um outro nível menos social no campo das ideias que animam (e desanimam) a nossa sociedade (e continuando a retroceder no tempo alguns anos), ouvi um alto dirigente do CDS dizer num congresso que aconteceu em Lamego, num discurso inflamado debitado para uma plateia ideologicamente igual ao palestrante, a frase “com a Religião não se brinca”, referindo-se a algo que uma dirigente do Bloco de Esquerda teria dito sobre a estátua do Cristo Rei de Almada.

Ele não sabe que a Religião não é uma estátua!… Ele não sabe que se pode (e deve) brincar com tudo… menos com a dignidade e a saúde dos cidadãos, o bem estar de todos nós e o ensino das populações, mais o pão dos trabalhadores pagos miseravelmente. 

Partidos de Direita travestidos de sociais-democrátas, defendem ordenados baixos e também defendem a ideia do “trabalhador-descartável”. Muitos dos empresários que apoiam este tipo de política, brincam com a vida das famílias que têm como único sustento a força do seu trabalho vendido ao patronato… e o sentimento religioso é usado sem pudor por partidos políticos que, efectivamente, brincam com o sentimento religioso do Povo, explorando-o também na crença. Estes discursos da Direita são falsos como Judas. Se Jesus Cristo voltasse à Terra, não permitiria a entrada na sua Igreja a muitos dos que se afirmam “tão-democratas-cristãos” e têm atitudes “tão-pouco-cristãs”. 

E também não sei se Jesus aceitaria entrar numa igreja Católica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

Imagem de Pexels por Pixabay
7 de Julho, 2023 João Monteiro

Outra vez a Eutanásia

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

A Assembleia da República tornou a emendar, discutir e aprovar a chamada Lei da Eutanásia que permite a quem pretende sair da vida poder fazê-lo com legitimidade depois de cumpridas as formalidades que descartam o crime, afirmando a vontade do próprio que agoniza em sofrimento sem quaisquer hipóteses de retrocesso do mal que o condena a um fim doloroso que recusa… até mesmo a possibilidade de ser tratado com sedativos e morfina contra a dor… o que também recusa

Como em todas as resoluções políticas, também esta tem os seus defensores e os seus detractores. 

Porém, no caso da Lei da Eutanásia, encontro na vontade dos detractores uma prepotência e arrogância contra a minha legítima vontade de sair da vida quando ela não me interessar, exactamente porque a minha vida é minha, só minha, e esta minha propriedade não é transmissível, nem discutível ou negociável. 

Numa sociedade saudavelmente democrática ninguém é dono de ninguém e cada um tem direito à sua própria vida e à sua legítima vontade. É essa vontade que a maioria do actual Parlamento quer ver respeitada, mas parte dos deputados não respeitam. O discurso de quem não aceita a Eutanásia, não tem Humanidade… só é um discurso religioso! Diz que “a vida humana é sagrada e só Deus a dá e pode tirar”. 

É um discurso ridículo porque atribui a razão da vida a uma entidade de ficção. Deus é uma figura de estilo que não é razoável nem comprovável. O que se sabe da figura de Deus é que é uma invenção humana, à sombra da qual os crentes de um qualquer registo religioso deifico são capazes de praticar o bem, mas também o mal. Persegue-se e mata-se com intenções religiosas e políticas contra a vontade dos perseguidos e dos assassinados… e no caso da Eutanásia recusa-se o direito de sair da vida a quem o deseja e quer fazer com dignidade! 

Deus é uma falácia porque, obviamente, o Homem já existia quando lhe ocorreu a ideia de criar um deus que o criasse… sem Homem não haveria Deus!… E é com base nesta criação abstracta de um conceito configurando uma mentira, que os respeitadores de Deus desrespeitam os homens. Deus não dá, nem tira, nem quer, coisíssima nenhuma… os homens é que dão, tiram e querem, e também o fazem em nome do deus que inventaram para dele se servirem em proveito próprio. 

A minha vontade de sair da vida só a mim diz respeito e não prejudica os interesses de ninguém. Quando muito poderia chocar (e choca) a minha família mais chegada que pretende ter-me junto a si para olhar para mim, conduídamente, vendo-me sofrer e definhar até à morte… o que me parece de um egoísmo atroz esquecendo a minha dignidade e a minha vontade, em favor da sua “caridadezinha”! 

É esse sofrimento e definhamento que quem reivindica a Eutanásia não aceita… e quer sair da vida, com toda a legitimidade de Ser Humano livre e consciente, antes que tal se manifeste. 

Os cidadãos que são contra a Eutanásia, na verdade são contra a vontade alheia e pretendem impor a toda a comunidade a sua própria vontade em desrespeito pela vontade do próximo. 

A Lei da Eutanásia não os obriga a recorrerem a ela… mas querem impedir a sua concretização a quem o deseja! 

Colocar o conceito deifico no meio desta questão, é tentar fazer, hipocritamente, lei da Fé; contrariando a lei da Razão e desrespeitando a vontade e a liberdade de decisão dos outros. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Tesa Robbins por Pixabay
30 de Junho, 2023 João Monteiro

REPÚBLICA LAICA

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Fomos, durante séculos, um país dolorosamente católico vivendo os horrores da Inquisição e o atraso no ensino científico. A subserviência do Povo aos clérigos habituados a dominarem a população crente e temente, agrilhoou o pensamento popular aos interesses do culto. 

Mais de um século volvido após a separação Estado/Igreja em 1911 (com um interregno no Estado Novo de Salazar, sendo a separação reatada após a Revolução de 25 de Abril de 1974 com a promulgação da Constituição da República em 2 de Abril de 1976), uma grande parte do nosso bom Povo ainda não conseguiu libertar-se do jugo da Religião, nem a Igreja quer desalojar da sua cabeça o poder temporal que sempre exerceu desde quando coroava reis a seu contento, e era, de facto, a dona da Europa. 

A América Latina, colonizada pelo espírito católico-ibérico desde os séculos XV e XVI, é paradigmática em termos do poder opressor da Religião sobre os povos (mas também da vingança letal de interesses da extrema-Direita que mata sacerdotes defensores dos pobres e oprimidos como aconteceu ao padre Romero, de El Salvador, em 24 de Março de 1980). 

No Chile, quando o ditador Pinochet, em Setembro de 1973, derrubou, com muito sangue, o socialista Salvador Allende (que fora eleito democraticamente) estabeleceu uma sangrenta ditadura, dizendo: “Estou aqui por ordem divina”. 

Fora da latinidade, Osama bin Laden apoiava actos terroristas em nome do mesmo Deus a quem orava Pinochet e a quem reza Marcelo Rebelo de Sousa, António Guterres, Cavaco Silva, Santana Lopes, Passos Coelho, Paulo Portas e José Sócrates… mas também Bush, Trump e Joe Biden, que não são católicos nem muçulmanos. 

Em Portugal, este nosso apego à religiosidade que preenche a cabeça da maioria de nós, pode explicar o facto de termos a presidir à República Portuguesa que (consta) é Laica… um empedernido católico que escolheu para sua primeira viagem oficial a visita ao Vaticano, e se vergou perante o Papa beijando-lhe a mão!… Barack Obama também visitou o Papa. Cumprimentou-o com um aperto de mão e de cabeça erguida, numa atitude de dignidade e igualdade entre chefes de Estado, que é isso mesmo que o Papa é: Chefe do Estado do Vaticano. 

Já tivemos a governar o país gente que foi mostrada demasiadas vezes a assistir a missas. Cavaco Silva e Santana Lopes usavam nos seus discursos frases como “se Deus quiser” e “graças a Deus” também demasiadas vezes, à boa maneira muçulmana. António Guterres, enquanto primeiro-ministro, numa entrevista que deu ao jornal espanhol El País (5/7/1998), disse esta pérola de sacristia: “Cada um será julgado por Deus de acordo com a capacidade de pôr os seus valores em benefício dos outros”. E o primeiro-ministro José Sócrates, em Setembro de 2007, assistiu à inauguração de uma escola pública em S. Martinho de Mouros (Resende) e benzeu-se na missa do acto medieval de benzedura daquele equipamento laico!

Temos hospitais públicos com nomes como: Santo António, São João, S. Marcos, S. José e Santa Maria. Eu sou assistido (e bem) no posto médico da Segurança Social de Rio Tinto, com o nome de: S. Bento. E no ensino particular encontrei o “Colégio das Escravas do Sagrado Coração de Maria”!… Que tipo de pai matricula ali a sua filha?! 

Vivemos, de facto, numa República Laica muito “sui generis”… e pelos exemplos citados da América Latina, só podemos concluir que a extrema crença em Deus pode tornar-se muito perigosa!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

17 de Março, 2022 João Monteiro

Vereador de Lisboa: estando em funções, vai em procissões

Ângelo Pereira, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, abandonou o seu exercício de funções para acompanhar a Procissão do Senhor dos Passos da Graça. O próprio fez questão de o mencionar com alarde no twitter (ver fotos abaixo). Estes tweets merecem duas críticas: uma de carácter institucional e outra de carácter religioso.

A nível institucional, e tendo nós um Estado Laico, há que relembrar o dever de separação da crença individual do exercício de funções públicas, o que exige uma neutralidade confessional. Assim, Ângelo Pereira poderia estar na procissão na qualidade de cidadão enquadrado na sua crença, mas não se poderia identificar como Vereador em exercício de funções públicas como fez no tweet. Além do mais, o carácter político na procissão fica reforçado se atendermos que o mesmo contou com a presença da Embaixadora da Ucrânia e – surpresa, surpresa – do nosso Presidente da República.

A nível religioso há a apontar a oração pela paz e fim da guerra. Qual o resultado prático desta oração? Nenhum. Não são as orações que terminam as guerras – aliás, não fazem nada. O que termina as guerras são as conversações, as negociações e as intervenções políticas. Mas, uma vez mais, orações religiosas e intervenções políticas deveriam ser como água e azeite: não se misturam.

Sejamos construtivos: então qual o procedimento correto que o vereador deveria ter tido?

a) presença na procissão a título pessoal, enquanto cidadão, ou não ir de todo;

b) no final do ato religioso, convidaria a Embaixadora e o Presidente da República para um encontro de carácter político em ambiente profano.

É simples. Fica a dica para próximas ações.

19 de Outubro, 2021 João Monteiro

A Igreja é uma instituição politicamente neutra?

Texto de Onofre Varela

O semanário Alto Minho, na sua edição do dia 2 de Junho último, dedica uma página à notícia protagonizada pelo padre Tiago Rodrigues (não confundir com Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação!), pároco de Cardielos, Serreleis, Torre e Vila Mou, em Viana do Castelo.

O jornal divulga que o sacerdote não quer que “os leigos com nomeação episcopal se envolvam nas eleições autárquicas deste ano” e diz ter tomado tal posição para que “a neutralidade da Igreja seja mais visível e concreta”.

Naturalmente que a posição do padre Tiago só pode causar polémica numa sociedade democrática aberta a todas as tendências políticas e religiosas como, saudavelmente, é a nossa. Perante as primeiras críticas da população à sua atitude, o padre apressou-se a esclarecer que não pretende proibir ninguém de se envolver nas eleições. Apenas “declara que os membros da Fábrica da Igreja, Confrarias, Direcção e Conselho Fiscal do Centro Social e Paroquial” não devem integrar quaisquer listas concorrentes a eleições, sejam autárquicas ou parlamentares. Mas se “entretanto, optarem por integrar alguma corrida eleitoral, devem suspender as suas funções nos cargos paroquiais”.

Esta sua atitude pode parecer inserida numa lógica de “não infectar” a Igreja com procedimentos alheios ao culto… porém, o culto que o senhor padre Tiago Rodrigues representa, está infectado desde os seus princípios, em tempos medievais, enquanto modo de prender os crentes aos interesses da instituição através do medo à punição divina.

Contrariando o padre, um político local, com toda a legitimidade de cidadão numa república laica que se rege por uma Constituição democrática moderna, acusou o sacerdote de estar “a condicionar direitos, liberdades e garantias num acto eleitoral”, e considerou a posição do sacerdote como uma “interferência brutal nunca antes vista”.

A notícia do semanário Alto Minho obriga-me a interrogar:

A Igreja Católica, enquanto instituição, é politicamente neutra?…

Eu tenho a resposta: Não!… Enquanto agente social, a Igreja faz política.

A atitude do padre Tiago Rodrigues é uma atitude política.

O Homem é, essencialmente, político… e a Igreja é feita por homens. Todas as atitudes sociais tomadas por sacerdotes são atitudes políticas, incluindo a proibição decretada pelo senhor Tiago Rodrigues.

Desde sempre a Igreja foi uma instituição política, criticando governos… e pior ainda (para mim que sou de Esquerda) quando essa crítica é dirigida a atitudes políticas de Esquerda, enaltecendo atitudes políticas de Direita, como é o caso das leis da interrupção da gravidez e da eutanásia.

A Igreja (enquanto instituição) usa o púlpito para defender ideais políticos de Direita, atacando ideais de Esquerda. E quando no seu seio algum sacerdote de índole mais humana e fraterna, atento à História política do país, assume discurso diverso do oficialmente decretado pelos mandantes do credo (o Vaticano), esse sacerdote corre o risco de expulsão, como aconteceu com o padre Mário de Oliveira, da Lixa (lixaram-no!…).

E quando no Vaticano há um papa como Francisco I, atento à sociedade, usando discursos inabituais, a Santa Sé transforma-se num ninho de víboras que esperam ver Francisco I substituído na cadeira de S. Pedro.

O que na Igreja se faz é política, e o culto é uma arma… muitas vezes letal… e se hoje já não protagoniza actos como a queima dos infiéis na fogueira… move-se nos bastidores do mundo, conseguindo impor vontades que nunca (ou raramente) são as aspirações da generalidade dos povos crentes, obedientes e tementes!…

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Opinião de Onofre Varela sobre a alegada neutralidade da Igreja.
Imagem de Peter H por Pixabay
10 de Setembro, 2021 João Monteiro

In Memoriam: Jorge Sampaio

Faleceu hoje Jorge Sampaio (1939-2021), que foi advogado, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (1989-1995) e Presidente da República Portuguesa (1996-2006). O seu percurso será lembrado como uma vida dedicada à causa pública, como opositor à ditadura e pela sua atitude Humanista, em particular através da criação de oportunidades de integração para com os refugiados. Jorge Sampaio foi um ateu assumido, sem receio que isso o afetasse politicamente.

Em 2017, a propósito de uma homenagem a José Medeiros Ferreira organizada pelo IHC – Instituto de História Contemporânea, da FCSH-UNL, disse:

“Saímos do nada e voltamos para o nada. Entre estes dois pontos estende-se o ato da vida. Todos sabemos que é assim, mas como quase nunca sabemos a cronologia dos acontecimentos, pensamos mais no dia de amanhã do que no do fim.”

Prestamos os nossos pêsames aos familiares e amigos.

Direção da Associação Ateísta Portuguesa

Jorge Sampaio (1939-2021)
3 de Novembro, 2020 João Monteiro

Oeiras: padre abençoa autocarros

Numa tentativa de fazer política bipolar, Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, inaugurou uma nova carreira de autocarros gratuitos no Concelho, o Combus, aparentemente incentivando o transporte público, ao mesmo que tem promovido o transporte individual. Para alegrar a festa, esteve presente um padre que abençoou os autocarros. Esta cerimónia religiosa num evento público é mais um exemplo de um atentado à laicidade, em que deveria haver separação entre a igreja e o Estado, aqui representado na política local.

Fonte: Facebook – Município de Oeiras

14 de Outubro, 2020 João Monteiro

Militares da GNR receberam sacramentos cristãos

Uma notícia da Agência Ecclesia deu a conhecer que 27 militares do 42º Curso de Guardas da GNR receberam sacramentos cristãos (26 crismas e 1 batismo), num evento presidido pelo Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança de Portugal, cuja missa teve lugar no Centro de Formação de Portalegre da GNR. Estes militares foram orientados pelo capelão da unidade.

Recordamos que Portugal é um Estado Laico, pelo que a Igreja não deveria envolver-se em assuntos do Estado, como são as forças de segurança, assim como não se devia privilegiar uma religião face às demais.

Sobre as palavras do clero durante a cerimónia, concordo com a crítica que fazem ao isolamento e ao individualismo, pois trata-se de algo que tem tanto de generalista como de sensato.

No entanto, terei de manifestar o meu desagrado perante a afirmação de que os militares se encontram aptos a “desempenhar a (…) missão de Guardas na força do sentido de Deus”, porque a função das forças de segurança é alheia a qualquer manifestação religiosa.

Não se pode deixar de notar que a Igreja se está a tentar imiscuir numa esfera do Estado e, sub-repticiamente, a infiltrar e a recrutar nas suas estruturas. É algo inaceitável e que merece o nosso repúdio.

Fonte: Agência Ecclesia

5 de Outubro, 2020 João Monteiro

O ateísmo e a República

Mensagem do Presidente da Associação Ateísta Portuguesa, a propósito do 110º aniversário da Implantação da República.

Sendo o ateísmo a ausência de crença em deus, então pressupõe-se que, em teoria, o ateísmo seja uma postura filosófica independente do regime político. Quero com isto dizer que uma pessoa pode ser ateísta independentemente de ser republicana ou monárquica, de esquerda ou de direita política.

Contudo, sabemos que, na prática, por motivos históricos, sociais e fenómenos de grupo, em Portugal, a direita e a monarquia encontram-se mais próximas da religião cristã. Por a crença, ou a ausência da mesma, ser uma postura individual, há exceções ao que mencionei (como ateus de direita e comunistas cristãos, por exemplo).

Olhado para a história do nosso país, e estando nós a celebrar hoje, a 5 de Outubro, os 110 anos da Implantação da República, gostaria de recordar brevemente a importância do movimento republicano para a discussão religiosa.

Um dos argumentos que justificava o elevado nível de crendice no final do século XIX, durante a monarquia liberal, era atribuído à elevada taxa de analfabetismo do povo e ao controlo social pelo clero nos meios rurais. Por isso, os republicanos insistiam na instrução popular, com a criação de escolas, recorrendo à propaganda ou até mesmo à criação de associações para esse fim. Recordamos por exemplo o papel da Liga de Instrução Popular ou da Sociedade Promotora de Escolas – detentora da Escola-Oficina Nº1, em Lisboa.

Mas não bastava aprender, pretendia-se que as pessoas deixassem de ser súbditos e passassem a ser vistos como cidadãos, com liberdade de pensar e agir por si mesmos, sem condicionalismos externos. A este respeito, relembro a importância da Associação para o Livre Pensamento.

Para combater o poder e contrariar o discurso do clero na sociedade, foram várias as vozes que se levantaram e várias mãos que escreveram denunciando o poder e as incongruências da Igreja enquanto instituição, a maioria deles republicanos apelidados de anticlericais.

110 anos depois da Implantação da República, constatamos que somos hoje herdeiros deste espírito republicano, defendendo ainda hoje a instrução, criticando o que está mal nas religiões, defendendo a laicidade e o livre-pensamento e sem esquecer os valores republicanos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que esperamos que orientem a sociedade em direção a um mundo mais justo e solidário.

5 de Setembro, 2020 João Monteiro

Entidades Públicas e celebrações religiosas

Ontem partilhei aqui a notícia de que o bispo do Funchal, durante uma festividade em Agosto, atribuía a ausência de óbitos na Madeira à Nossa Senhora do Monte, padroeira da região, e apontei as várias falácias utilizadas pelo clérigo. Acontece que o evento em que o bispo interveio merece ser criticado por outra razão: a presença de Entidades Públicas numa celebração de cariz religioso.

Segundo a notícia do Observador, o evento “teve a presença do representante da República, Ireneu Barreto, do presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, José Manuel Rodrigues, do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, e do presidente da Câmara Municipal do Funchal, Miguel Gouveia entre outras entidades civis e militares”.

Vivemos num Estado laico, em que há separação da Igreja e Estado. Assim, não deveriam ter estado presentes estas entidades públicas em representação oficial numa iniciativa religiosa. Em eventos deste tipo, podem estar presentes forças de segurança apenas no exercício da sua função, ou os detentores de cargos públicos a título individual e não oficial. E mais uma vez, apenas uma religião é beneficiada com estas representações.

Imagem de lininha_bs por Pixabay