Loading

Categoria: Laicidade

5 de Abril, 2014 Carlos Esperança

A posse do embaixador do Vaticano em 2010

O discurso de apresentação das Cartas Credenciais do novo Embaixador de Portugal junto do Vaticano em 21 de outubro de 2010 foi um ato de bajulação pia, sem ética republicana e de manifesta subserviência, em nome de um país laico e democrático.

O embaixador Manuel Fernandes Pereira esqueceu-se de que representava o país e não um grupo de peregrinos e de que Portugal é um Estado laico e não um protetorado do Vaticano.

Para o Sr. Embaixador podia ter sido a maior honra pessoal e profissional da sua vida dirigir-se ao «Beatíssimo Padre», mas não o foi para todos os portugueses, sobretudo para os que lhe reprovavam o mal feito à humanidade com a teologia do látex, em países onde a SIDA dizimava populações, e nas posições em relação à contraceção, planeamento familiar, saúde reprodutiva da mulher, sexualidade e igualdade de género.

A alegada emoção do Sr. Embaixador com a canonização de D. Nuno Álvares Pereira, devida ao milagre obrado em D. Guilhermina de Jesus a quem curou o olho esquerdo, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, foi para muitos portugueses um motivo de troça e não de comoção, por ter transformado o herói em colírio.

Ao recordar que «um Predecessor de [Sua] Santidade honrou Portugal, na pessoa do seu Rei, com o título de Fidelíssimo», lembrou quanto ouro custou a Portugal, que vivia na miséria, o título obtido por D. João V, o rei que mantinha a sua amante predileta, madre Paula, no convento de Odivelas. Devia ter-se esquivado a remexer no passado devasso e perdulário de Sua Majestade Fidelíssima, um dos reis que mais dinheiro dissipou e mais filhos bastardos legou ao reino.

O Sr. Embaixador não tinha o direito de se apresentar como «o intérprete da arreigada devoção filial do Povo Português à Igreja e a [Sua] Santidade …», por respeito ao pluralismo ideológico e à liberdade religiosa do País que o diplomata representava.

O que terão pensado os ateus, agnósticos, céticos, crentes de outras religiões, e mesmo católicos, do embaixador que se permitiu terminar o seu discurso solicitando ao Papa «que paternalmente se digne abençoar Portugal, os Portugueses e os seus Governantes e, se tal ouso pedir, a Embaixada, a minha Família e eu próprio»?

O discurso ofendeu os livres-pensadores com a linguagem beata e a falta de pudor com que, em ano do Centenário da República, o embaixador humilhou todos os portugueses que recusaram a bênção papal. A prédica foi uma oração rezada de joelhos em nome de Portugal, um ato de vassalagem e uma manifestação individual de quem preferia ganhar o Paraíso a defender a honra de Portugal.

22 de Março, 2014 Carlos Esperança

Laicidade traída

José Medeiros Ferreira teve direito a um voto de pesar da Assembleia da República e a um minuto de silêncio.

O patriarca emérito de Lisboa, teve direito a um dia de luto nacional e a vários dias de ruído com o governo de joelhos e o PR em oração.

Vale mais um dia ao serviço da religião do que uma vida ao serviço do País.

4 de Março, 2014 Carlos Esperança

A QUESTÃO DO FERIADO DE CARNAVAL

Por

A. Horta Pinto

Tem-se discutido muito se a terça-feira de Carnaval deve ou não ser feriado nacional. Até aqui, tem prevalecido a tese negativa, não sei porquê. A tradição de festejar o Carnaval está profundamente arreigada no povo português, que gosta de se divertir nesses dias. Assim, não vejo razão para que o dia de Carnaval não seja feriado.

Porém, nestes tempos de “austeridade” forçada, poderia objetar-se que seria mais um dia em que não se trabalharia, o que iria prejudicar a produtividade e a competitividade da nossa economia. Mas esse problema é fácil de resolver: bastaria que ao mesmo tempo se suprimisse outro feriado de menos relevância.

Passando em revista os feriados existentes, parece-me que o mais indicado para essa troca seria o da “Imaculada Conceição”. Com efeito, porque razão é feriado o dia 8 de dezembro? Porque foi nesse dia, em 1854, que foi proclamado o dogma da “Imaculada Conceição”. A tradição católica sempre aceitou como certo que Maria era virgem quando concebeu Jesus Cristo, e virgem ficou depois do nascimento deste. Ora, talvez porque o racionalismo do século XIX começasse a pôr em causa a possibilidade de tal ter acontecido, o Papa Pio IX, 1854 anos depois da referida “conceição”, resolveu cortar cerce as pretensões racionalistas, proclamando essa virgindade vitalícia como dogma da Santa Igreja, indiscutível “urbi et orbe”.

Ora, temos de convir que esta matéria é um tanto ou quanto obscena. Imagine-se que uma criança de seis ou sete anos perguntava ao pai: “Papá, o que é a Imaculada Conceição?” De certeza que o pai ficaria seriamente embaraçado para responder a tal pergunta. Trata-se pois de um feriado no mínimo inconveniente.

Por outro lado, se o dia da “Imaculada Conceição” não fosse feriado, pouca gente se importaria e ninguém faltaria ao trabalho para comemorar tal dogma. Pelo contrário, todos os anos há protestos por o dia de Carnaval não ser feriado, e muitos trabalhadores arranjam os mais variados pretextos para não irem trabalhar. E os que não conseguem escapar-se ficam frustrados, pelo que trabalham pouco e mal, tudo em prejuízo das tais produtividade e competitividade. Isto é: até o tão decantado “ajustamento” beneficiaria com a troca!

23 de Fevereiro, 2014 Carlos Esperança

João Paulo II (JP2) – o santo encomendado

A devota adulação e o indulgente esquecimento dos defeitos de JP2 facilitaram a Bento XVI a reabilitação que a Comunhão e Libertação, os Legionários de Cristo e o Opus Dei desejavam. Estas seitas pouco estimáveis lembram – não sei porquê –, a PIDE, a Legião e a Mocidade Portuguesa, na defesa do salazarismo e da sinistra figura inspiradora.

O funeral de JP2, a instigar a rápida canonização, “santo súbito”, foi encenado por um padre polaco e outros membros da igreja do seu país natal, que distribuíram os cartazes e orquestraram os slogans.

JP2 viu em Pinochet e na dedicada esposa um «casal cristão exemplar», ministrou-lhes, embevecido, a eucaristia e apresentou-se à varanda do Palácio La Moneda com o frio torcionário, para ser ovacionado pelos devotos, sem se lembrar de que, naquele palácio, se tinha suicidado Salvador Allende, presidente eleito, deposto pelo seu amigo golpista.

JP2 intercedeu pela libertação de Pinochet quando foi detido em Londres, por crimes contra a humanidade, por ordem do juiz Baltasar Garzon, usando argumentos jurídicos. Pediu a sua libertação, alegando que os crimes foram cometidos quando gozava da imunidade de Chefe de Estado, mas nunca censurou a sentença islâmica que condenou à morte Salmon Rushdie ou intercedeu por este.

JP2 não se limitou a proteger as ditaduras fascistas sul-americanas, apoiou o derrube de governos democráticos de esquerda numa cegueira insana de quem confundiu ditaduras estalinistas com o socialismo resultante de eleições e sujeito à alternância democrática.

Em 23 de Fevereiro de 1981, quando o grotesco tenente-coronel Tejero Molina tentou restabelecer a ditadura, deu-se a coincidência de estar reunida a Conferência Episcopal Espanhola. Nem o Papa, nem os bispos, nem o seu núncio apostólico, condenaram a tentativa de golpe de Estado, limitando-se a recomendar piedosamente, aos espanhóis, a oração, irrelevante para o fracasso do golpe.

Em relação à SIDA o defunto Papa portou-se como troglodita. Não se limitou a alvitrar a castidade, foi cúmplice da mentira que atribuía ao preservativo «minúsculos orifícios» permeáveis ao vírus e promoveu a difamação sobre a eficácia em países africanos onde o flagelo estava descontrolado. O arcebispo de Nairobi foi mais longe, atribuindo aos preservativos responsabilidade pela SIDA, sem ter sido desautorizado pelo Papa, apesar do ruído mediático feito à volta da estulta declaração.

Muitas violações de crianças se teriam evitado se em vez do silêncio cúmplice, exigindo discrição à ICAR sobre os casos de pedofilia de padres americanos, apesar das repetidas denúncias que lhe foram feitas, tivesse mandado comunicar os casos às autoridades dos EUA, evitando a recente censura, dura e inédita, feita pela ONU ao Vaticano.

João Paulo II era fã de Josemaria Escrivá, admirador do genocida Francisco Franco, que mandou fuzilar centenas de milhares de adversários, sem nunca ter faltado à missa ou à eucaristia. Não admira a pressa com que JP2 elevou a santo o indefetível franquista. É justo lembrar os factos no dia de hoje, 23 de fevereiro, 33 anos após a tentativa de golpe fascista em Espanha.

Papa-pomba

17 de Fevereiro, 2014 David Ferreira

Portugal. Um estado laico?

Fonte: DN de 17fev14.

Perante a impossibilidade legal de o Governo pagar um salário ao bispo das Forças Armadas – que já tem ao seu dispor gabinete, automóvel, motorista e secretária -, a solução encontrada foi a nomeação de D. Manuel Linda, que está reformado com 1429 euros, também para capelão-chefe da Igreja Católica. O titular do cargo passa a auferir 3518 euros e a decisão final cabe à ministra das Finanças.

D. Manuel Linda, nomeado bispo das Forças Armadas e de Segurança pelo Papa Francisco em outubro passado, reformou-se no mesmo mês e só poderá ser remunerado com autorização expressa das Finanças.

O prelado reformou-se como professor com uma pensão de 1429 euros. A sua situação de aposentado foi publicada a 9 de dezembro no Diário da República.

D. Manuel Linda admitiu existir um problema de legalidade quanto ao novo estatuto do bispo das Forças Armadas e de Segurança e a sua respetiva remuneração: “O problema económico também se põe, mas é muito secundário, porque a grande questão é legal: como ser reconhecido” pelo Estado e estar “autorizado a aceder às suas instalações”.

D. Manuel Linda, que entregou os papéis da reforma em dezembro de 2012, referiu que a Concordata entre o Estado e a Santa Sé é, em termos legislativos, de ordem superior à do decreto-lei que regulamenta o Serviço de Assistência Religiosa, pelo que a figura do bispo católico afeto às Forças Armadas deveria ter tido um reconhecimento que o Governo de então, socialista, não fez, adiantou.

Interrogado sobre a questão do limite de idade para aceder às fileiras (inferior aos 57 anos que tem) ou ser capelão militar (menor do que a permitida para chegar a bispo), D. Manuel Linda reconheceu em entrevista ao DN que “a omissão” legal que impede a sua remuneração como bispo das FA e de Segurança será ultrapassada com a nomeação para capelão-chefe, observando que “É um posto que está vago e deve existir, segundo a legislação” em vigor.

30 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Os tribunais plenários e a impunidade – Não Apaguem a Memória

Acabada a guerra que destruiu as ambições de Hitler e Mussolini, entenderam os aliados que as ditaduras fascistas da Península Ibérica podiam continuar como reserva ecológica dos sistemas totalitários. A Inglaterra garantira acabar com ditaduras mas a necessidade de reconstrução esqueceu a promessa.

A Península Ibérica manteve um dos maiores genocidas da História, Francisco Franco, apoiado pelo clero com a bênção do Vaticano, até morrer bem ungido e comungado. Em Portugal, a tirania não atingiu a dimensão espanhola mas teve todos os ingredientes e os mesmos apoios. A tortura, o assassinato, a denúncia, o degredo, a violação da correspondência, a prisão sem culpa formada, a censura dos livros e jornais, a invasão domiciliar, a demissão dos opositores, tudo isso se praticou, mas em menor escala.

Para fingir legalidade a Pide tinha uma secção denominada Tribunais Plenários onde os pides julgadores eram juízes de carreira e de cujas sentenças havia recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que só apreciava «questões de Direito» e onde, não raro, os cinco juízes escolhidos pelo ministro da Justiça, agravaram penas, a ponto de fazerem desistir os advogados dos presos políticos.

Os Tribunais Plenários não se destinavam a julgar, eram meros antros de canalhas que se limitavam a homologar decisões policiais promovidas à categoria de sentenças. Ser advogado de um preso político era um ato de coragem, praticado pro bono, e promotor de cadastro nas alfurjas da Pide.

Ontem foram homenageados os 162 advogados que ao longo de 48 anos defenderam os resistentes da ditadura. Muitos deles pagaram ainda as custas dos processos em que participavam gratuitamente, com pouco êxito, enorme empenho e alguns riscos.

Conheci alguns desses advogados, soube por eles que os presos que denunciavam as torturas de que tinham sido vítimas, em plena sala de audiências, eram agredidos pelos pides, enquanto o juiz fingia consultar os processos para desviar o olhar.

Ontem fez-se justiça aos advogados que foram exemplo de cidadania, muitos anónimos, todos irmanados na defesa dos direitos, na coragem e na abnegação, enfim, na luta pela democracia.

O movimento Não Apaguem a Memória fez justiça aos advogados que combateram pela liberdade, na defesa dos que dela foram privados.

Para quando o julgamento dos juízes crapulosos que se prestaram à farsa das audiências onde o simulacro da justiça precedia as sentenças que devolviam ao cárcere e às sevícias os combatentes antifascistas, tantas vezes com medidas de segurança indefinidamente prorrogáveis que podiam transformar em perpétua a prisão?

É preciso saber o nome de todos os defuntos Florindos dos Tribunais Plenário, de todos os serventuários de toga e de quem os protegeu de um julgamento com as garantias que eles negaram. As famílias das vítimas merecem saber os nomes dos carrascos.

Não Apaguem a Memória. Tudo aconteceu no fascismo que a Igreja católica apoiou.