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Categoria: Não categorizado

16 de Novembro, 2021 Carlos Esperança

A democracia e a laicidade

Independentemente do apuramento das razões que estiveram na origem do atentado que, no dia 15, se frustrou em Liverpool, Reino Unido, e se limitou a trucidar o terrorista que seguia no táxi, enquanto o condutor lhe fechou as portas e fugiu do veículo, há fundadas suspeitas de que o alvo do facínora fosse a catedral.

Penso que a luta contra o racismo não se faz com a omissão da etnia, origem ou religião do criminoso, sobretudo se a última está na origem da crueldade de quem julga ter uma eternidade de delícias à custa da própria imolação e do sofrimento dos infiéis.

Ignorar o regresso das guerras religiosas será politicamente correto, mas é suicida. Não importa se este foi mais um caso de fanatismo religioso pois não faltam casos recentes e preocupações quotidianas com imposição de preconceitos e exigências pias que minam a civilização e a democracia.

Há pessoas para quem falar de laicismo é heresia, como se pudesse combater-se a deriva criminosa de determinada crença sem que o Estado democrático tenha a determinação de impor a separação às Igrejas e combater as crenças que apelem à violência. Não há democracia sem que os cidadãos sejam livres de ter qualquer crença, descrença ou anti-crença. É tão legítimo crer que Deus criou o Homem como ter sido este a criar aquele.

Há, aliás, um direito que os intolerantes não respeitam, o de descreditar, ridicularizar e combater, pela palavra, desenho ou gesto, qualquer religião ou o ateísmo. Preferem as bombas. Sagrada é a Declaração Universal dos Direito Humanos, e ímpia a sua recusa.

A Europa do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Francesa não pode ajoelhar-se perante crenças que, no passado, a ensanguentaram e, no presente, a põem a rastejar, com reiteradas cedências e uma atmosfera cada vez mais carregada de medo.

Temos de nos interrogar sobre a licitude da resistência ao quadro civilizacional europeu, das exigências que humilhem um dos sexos, neguem a igualdade de direitos perante a lei, a supremacia da democracia sobre o tribalismo, a liberdade sobre o comunitarismo.

As regras de higiene, as vacinas e a alfabetização não se discutem, impõem-se quando o interesse coletivo, democraticamente sufragado, as legitimam. A vontade dos deuses, há tantos, não pode sobrepor-se à dos homens.

Não podemos viver sob uma atmosfera de medo ou permitir que a pretensa lei de Deus se sobreponha às leis que a democracia liberal aperfeiçoou, depois de várias guerras, de muito sangue e demasiadas iniquidades.

O totalitarismo religioso não é mais benigno do que o laico, e é bem mais difícil de ser erradicado, mas a opinião pública não pode amolecer sob o peso de alegadas tradições e costumes tribais.

Já nos bastam os livros sacralizados das ideias dos patriarcas tribais da Idade do Bronze, e que urge desmascarar.

15 de Novembro, 2021 Carlos Esperança

E Deus criou o Mundo….

Quando Deus era um anacoreta sombrio, farto de Paraíso e da solidão, matutou em seu pensamento apanhar o barro que, em dias de chuva, se colava às botas e lhe borrava a oficina.

Recolheu a argila, amassou-a e começou a dar-lhe forma. Percorreu-a com as mãos e moldou o boneco que a água do lago lhe refletia, nas raras vezes que tomava banho.

De vez em quando regressava ao lago para recordar a face. O corpo ia-o esculpindo a olhar para o seu, embevecido como todos os narcisos. Quando acabou, tal como fazia com outras peças, pressionou o indicador sobre a estátua e fez o umbigo.

Extasiado na contemplação, continuou a aperfeiçoar o corpo, deteve-se num empenho devoto no baixo ventre e, de tanto insistir, a estátua ganhou vida.
Estava feito o homem à imagem e semelhança do oleiro.

Como ocorre com artistas em início de carreira, Deus não sabia que tinha feito a obra da sua vida embora o pressentisse pela afinidade que lhe encontrava.

Foi então que resolveu retirar algum barro e, com o que lhe sobrara, fazer outro corpo, ainda mais belo, onde refletiu a geografia do Paraíso com vales acolhedores e montes suaves. Tinha criado a mulher e, sem o saber, dado início ao Mundo.

Então o velho cenobita, arrependido, desatou aos berros, praguejou, ameaçou e proibiu. Como tinha a paranoia das metáforas disse-lhes que não se aproximassem da árvore do conhecimento, isto é, um do outro, uma ordem que a natureza rebelde das criaturas não poderia acatar.

E, assim, de mau humor, enquanto expulsava Adão e Eva para a Terra, ficou a ruminar castigos, a congeminar torturas e medos para aterrorizar a humanidade. Demorou quatro mil anos – Deus é lento a refletir -, e mandou-lhes três religiões.
Moisés, Jesus e Maomé são os enviados de Deus que assustam a humanidade e o ganha-pão de parasitas que dividem o tempo a dar Graças, a ameaçar pecadores e a vender bilhetes para o Paraíso.

25 de Outubro, 2021 Carlos Esperança

POEMA

Dois amigos do peito e da hóstia

Neste mundo de labuta

A um chamam-lhe santo

Ao outro… não.

2 de Setembro, 2021 João Monteiro

Ainda os abusos sexuais exercidos por religiosos

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta Paços de Ferreira.

Já aqui divulguei que o jornal espanhol El País tem um departamento que se dedica a investigar casos de pedofilia protagonizados por sacerdotes, ou outros profissionais, em estabelecimentos de ensino administrados pela Igreja Católica. Tal departamento recebe depoimentos de ex-alunos (que dizem terem sido abusados sexualmente enquanto crianças ou jovens) e depois investiga.

(Bem sei que o abuso sexual não é exclusivo de agentes religiosos da fé católica com, ou sem, responsabilidades no ensino. Mas, dado o conceito de “amor” tão difundido pela Igreja, bastaria um único caso de crime sexual dentro da sua organização, para que o seu propalado amor fosse considerado uma farsa a merecer crítica severa).

Na sua edição de 24 de Julho último, o El País conta haver uma investigação criminal à instituição religiosa católica designada por Maristas, sediada em León. A investigação chegou a 20 colégios em todo o território espanhol e abarca casos de pedofilia cometidos entre as décadas de 1950 e 1990. Só na Galiza contam-se denúncias de 13 religiosos, e nas investigações já encetadas em 16 centros contam-se 18 vítimas. Em León há cinco acusados num só colégio.

As investigações espalham-se por instituições situadas em Madrid, Barcelona, Valência, Granada, Bilbao, Erandio (Biscaia), Artzeniega (Álava), Pamplona, Toledo, Badajoz, Málaga, Múrcia e Elche. Os abusos são relatados como sendo cometidos em salas de aula vazias e em dormitórios, por treinadores de basquetebol, pelo enfermeiro e pelo próprio tutor… todos eles professores com fama reconhecida.

A seu tempo houve várias denúncias de pais e alunos que não serviram de nada. Hoje, os queixosos são antigos alunos com idades que ultrapassam os 70 anos, contando-se entre eles profissionais como professores, médicos e empresários, que guardaram segredo por toda a vida, não revelando os abusos de que foram vítimas, nem às suas famílias nem às autoridades. A maioria dos sacerdotes acusados pelos ex-alunos mais idosos, já faleceram.

Nos últimos anos foram acusados 36 Maristas, maioritariamente em colégios catalães, onde a ordem religiosa chegou a acordo com a Justiça e as vítimas, pagando indemnizações no valor de 400.000€ a 25 famílias.

Os actuais responsáveis pela instituição Marista pedem perdão a todas as vítimas por terem falhado, reconhecendo que não foram capazes de proteger e cuidar dos seus alunos como era sua obrigação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Onofre Varela

Texto de opinião de Onofre Varela, sobre os abusos sexuais na Igreja.
Imagem de Zoltan Suga por Pixabay
21 de Julho, 2021 João Monteiro

Kurt Westergaard (1935-2021)

Kurt Westergaard foi um cartoonista dinamarquês que ficou reconhecido por ter retratado Maomé com um turbante em forma de bomba. Esta imagem originou manifestações na Dinamarca contra o jornal que publicou o cartoon – o Jyllands Posten – e levou a pedidos de legislação contra a blasfémia, por parte de muçulmanos. Em 2008 Kurt foi considerado pela polícia como uma pessoa em perigo e, em 2010, viu a sua casa ser invadida por um muçulmano somali armado, passando a viver escoltado até decidir habitar numa casa fortificada.

O cartoon da autoria de Westergaard que gerou polémica.

Este caso lembra-nos que também na Europa ateus ou críticos da religião podem sentir-se ameaçados – curiosamente nunca pelos supostos deuses todo-poderosos, mas pelos fanáticos que têm de atuar em nome do seu deus vingativo mas incapaz, mesmo que em causa esteja uma religião de paz (como supostamente são o judaísmo, cristianismo ou o islão).

Kurt via o seu trabalho, e as consequências do mesmo, como uma forma de colocar as pessoas, principalmente os crentes, a discutirem abertamente sobre religião.

Kurt Westergaard faleceu após doença prolongada a 14 de Julho de 2021.

Créditos: Wikipedia

Fontes:

Diário de Notícias
BBC
The New York Times

26 de Junho, 2021 João Monteiro

De regresso ao Diário

Este “Diário de uns Ateus” tem andado pouco diário. Mas isso está prestes a alterar-se: com a mudança de estação iremos regressar à publicação de textos. E nada melhor do que regressar com a partilha dos textos de opinião do nosso associado Onofre Varela. Amanhã de manhã publicaremos o primeiro de vários textos. Até breve.

13 de Maio, 2021 João Monteiro

Aparições em Fátima?

Chega a esta altura e não há como fugir ao tema. 13 de Maio marca o início das alegadas aparições da “Nossa Senhora” aos três pastorinhos. Estas crianças viriam a ser visitadas todos os meses, sempre no dia 13, até Outubro, quando se terá dado o suposto “milagre” do sol.

Embora tenha crescido num ambiente culturalmente católico, havia histórias e tradições que não conseguia aceitar. Esta é uma delas e por várias incoerências na descrição da situação: a mulher aparece apenas a três crianças e não adultos; uma das crianças vê, ouve e fala, a segunda só ouve e vê e a terceira só vê a mulher; se pretende trazer uma mensagem porque é que a leva só a alguns, pois se tem capacidade de aparecer e vontade de disseminar uma mensagem deveria aparecer a mais pessoas (isto é comum a diversas aparições religiosas); as contradições entre as versões das crianças; a perseguição da própria igreja numa fase inicial e a apropriação e aproveitamento da situação por parte da mesma entidade numa fase posterior; o contexto familiar e social da época que ajuda a compreender a obsessão das crianças com este tema; entre outros fatores. Já para não falar da improbabilidade de todo o fenómeno “milagroso” do 13 de Outubro. Mas isto será tema para outro texto futuro.

Custa-me a compreender que no século XXI, com a quantidade de informação disponível e com a quantidade de plataformas digitais que permitem o livre debate e troca de ideias, haja milhares de pessoas (talvez milhões, se considerarmos um contexto internacional) que ainda acreditam nesta história. Que as pessoas acreditem em Deus, eu ainda aceito a questão da Fé como resposta, mas neste caso trata-se de uma questão de bom senso e de implausibilidade. E quanto mais se lê sobre o assunto (inclusive fontes favoráveis e apologistas das aparições), mais dúvidas surgem sobre a possibilidade de tal relato ter mesmo acontecido.

Tenho esperança que, com o tempo, as pessoas se vão apercebendo da fragilidade dos argumentos desta história e que percebam que, atualmente, o fenómeno de Fátima mais não é do que uma máquina de fazer dinheiro – apenas e só – à custa dos que crêem. É este tipo de aproveitamento de pessoas que foram educadas a acreditar e de pessoas que peregrinam por estarem fragilizadas ou em desespero, que condeno.

Por estas razões, para mim, esta não é uma data de celebração.

7 de Maio, 2021 Abraão Loureiro

19 de Abril, 2021 Carlos Esperança

Massacre de Lisboa de 1506

Há 515 anos, em 19 de abril, em Lisboa, uma multidão perseguiu, torturou e matou mais de 4000 judeus. O Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, nove anos depois da conversão forçada dos judeus em Portugal, resultou da acusação de serem a causa da seca, fome e peste que assolavam o país.

Em 1506 os judeus eram os suspeitos do costume e aos cristãos-novos nem a conversão forçada lhes trazia a paz. A sua perseguição era uma tradição que a intensa devoção dos católicos exigia e os padres estimulavam.

Depois viria a Inquisição, para dar cobertura legal às fogueiras purificadoras, e reunir hereges, bruxas, sacrílegos, apóstatas e outros inimigos da fé na incineração dedicada.

Os livres-pensadores duvidam do mau-olhado, da feitiçaria e outros truques, e defendem a laicidade com a mesma tenacidade com que os devotos queimavam hereges. Perdeu-se a tradição ibérica que os reis de Espanha, Fernando e Isabel, cultivaram e impuseram a D. Manuel I. Ficaram na História, conhecidos por Reis Católicos, muito devotos à Igreja e alérgicos ao banho, que abominavam.

Hoje, apesar dos milagres que já obraram e do desejo de franquistas em canonizá-los, os papas têm resistido em reconhecer-lhes os milagres e em elevá-los à santidade.

Já não há devoções como antigamente, e a chaga da laicidade anda aí para perdição das almas e azedume dos católicos integristas, talibãs de Cristo-Rei, que gostam de levar as missas e orações aos hospitais, presídios, universidades, escolas e repartições públicas.

As Cruzadas foram a apoteose da fé, a Evangelização um momento alto do proselitismo e a Santa Inquisição um tribunal cujos métodos revelaram o desvelo dos inquisidores e a força da fé.

Razão tinha a Santa Sé em não aceitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, essa criação de ateus, livres-pensadores e outros malfeitores que impõem a igualdade de direitos para homens e mulheres, ao arrepio dos livros sagrados.