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30 de Julho, 2012 José Moreira

A senhora ministra confessou-se…

Eu já andava desconfiado. A sério. Depois de ter proclamado a sua fé, a senhora ministra remeteu-se ao recolhimento esperando, talvez, que a chuva viesse. Porque a fé sempre há-de valer para alguma coisa, não é verdade? Mas o raio da chuva não veio e a senhora ministra resolveu mudar de tática, porque, certamente, alguém lá em cima não acreditou na fé da senhora ministra. Assim, e para que não restassem dúvidas, proclamou urbi et orbi que está na política porque é cristã.

Pois.

A mudança de tática é compreensível, não vá dar-se o caso de alguém, lá em cima, ter lido a Constituição da República Portuguesa e ter concluído – erradamente, claro – que estávamos num país laico. Ora, a assim ser, o S. Pedro, que é o que manda nestas coisas da chuva e do bom tempo, deve ter-se sentido desobrigado de molhar o país (se calhar, entendeu que não seria necessário, dado isto estar a meter água por tudo quanto é sítio, mas isto sou eu a pensar…), já que aquela declaração de fé pode ter cheirado a discurso político. E nós sabemos que os políticos, enquanto tais, são sérios candidatos a uma estada no Inferno. O que lhes vai valendo ainda são essas coisas da religião.

Mas não. A senhora ministra reiterou as suas convicções fortemente católicas, pelo que a sua situação é mais de apostolado do que de ministério. Ou então, é de ministério da Igreja, e assim já se compreende.

Por isso, S. Pedro, podes mandar água à vontade. Mas não muita, que isto já está a afundar-se…

 

Em simultâneo no “À Moda do Porto

30 de Julho, 2012 Ludwig Krippahl

Treta da semana: o que eles querem sei eu.

O Gonçalo Portocarrera de Almada escreveu que se deve promover, «com empenho, o direito à liberdade de todos os cidadãos» e que «um compromisso conjugal definitivo não só não é uma excepção a essa irrenunciável prerrogativa da condição humana, como uma sua excelente e muito meritória realização. Compete ao Estado garantir que a todos sejam dadas todas as condições necessárias para que as suas opções sejam verdadeiramente livres, mas não lhe cabe impedir aquelas escolhas que, mesmo não devendo ser exigidas a todos, podem legitimamente ser queridas por alguns. Um ordenamento jurídico que proíbe qualquer compromisso sério, como é o que pressupõe uma entrega definitiva, com o pretexto de assim salvaguardar a autonomia dos cidadãos, não é apenas uma lei paternalista, mas uma norma que não respeita a liberdade dos indivíduos e que, neste sentido, é potencialmente totalitária.» (1) Estou inteiramente de acordo. O Estado deve respeitar o direito das pessoas de assumir «um compromisso conjugal definitivo» e não deve proibir um compromisso sério a quem o quiser assumir.

É isso que o Estado português faz. Quando duas pessoas se casam, são só essas pessoas que decidem quão definitivo e sério é o seu compromisso. O Estado não as obriga a divorciar-se por estarem casadas há tempo demais nem o notário recusa oficializar um casamento só por os nubentes declararem que é para a vida toda. É como quiserem. É por isso estranho o Gonçalo afirmar que «Quando o Estado e as instituições internacionais […] não permitem a possibilidade jurídica de um matrimónio civil indissolúvel […] incorrem na mais insanável contradição porque, em nome da liberdade, combatem uma das suas mais nobres e altruístas expressões.» Lido à letra, isto não faz sentido porque proibir os contractuantes de dissolverem o contracto não lhes dá mais liberdade. Pelo contrário. Neste caso, tira-lhes a liberdade de serem, aos 40 ou 60, diferentes do que eram aos 18 ou aos 25.

Mas o Gonçalo é padre católico e não deve gostar de usar os termos com o seu significado literal. Neste caso, parece usar o termo “liberdade” no estranho sentido de “o Estado obrigar alguém a ficar casado, mesmo que já não queira, só porque assinou um papel”. Isto para um profissional da reinterpretação bíblica não é façanha nenhuma (2) mas, para leigos como eu, é confuso. Afinal, ser livre não é o mesmo que ser obrigado. Além disso, leis que obriguem a permanecer casado quem já não quer não trazem vantagens aos envolvidos e desperdiçam o dinheiro dos impostos. O único benefício é para pessoas como o Gonçalo.

As religiões, que não são a fé de cada um mas as instituições que a regulam, são organizações peculiares. A maioria das organizações, sejam clubes de futebol, empresas ou partidos políticos, divide os seus esforços entre os seus objectivos e os meios para os conseguir. Mas os objectivos das religiões são, literalmente, do outro mundo. Por isso, neste acabam por dedicar todos os esforços aos meios, que passam a ser os próprios fins. Dinheiro, poder e influência. É daqui que vêm as tentativas constantes de meter o bedelho na vida das pessoas. O Gonçalo lamenta o «laicismo que pretende relegar a fé cristã para a intimidade das consciências, ou os esconsos das sacristias», mas é precisamente aí que a fé pertence. Na intimidade e nas igrejas. Nunca na lei. Fazer da fé pessoal uma norma social viola o direito de ter fé, o direito de não a ter e o direito de mudar de ideias. Além disso, é um perigo. Muita gente julga que a religião é terrível no Irão, Afeganistão ou Arábia Saudita por serem muçulmanos mas que os cristãos são porreiros. Isto é um erro. Qualquer religião é tão terrível quanto puder. O cristianismo dá exemplos que baste, ao longo da história, e mesmo o catolicismo do século XXI o demonstra repetidamente com casos como a lavagem de dinheiro no Vaticano, o encobrimento da violação de crianças e a perseguição do racionalismo.

Na Índia, Sanal Edamaruku mostrou que a água milagrosa que brotava de uma estátua de Jesus não vinha de Deus mas sim de um cano entupido. Como a lei de lá pune quem “magoa sentimentos religiosos”, os bispos católicos querem mandá-lo já para a prisão enquanto aguarda julgamento (3). A diferença entre a situação na Índia e em Portugal não está no catolicismo, que é o mesmo, nem nos padres, que defendem a mesma ideologia. A diferença está na sociedade e na lei. A religião católica é menos tolerante na Índia porque pode e só é mais tolerante cá porque não tem outro remédio.

Muitos, crentes e não crentes, protestam contra o “ateísmo militante” por criticar religiões e dizer mal das crenças das pessoas. Mas é preciso. A fé é um substrato fértil para estas organizações que visam impor a todos as suas ideologias e ficções, e só uma pressão contrária constante pode manter a fé na esfera privada, onde pertence e onde só faz mal a quem quer. Por isso, e por muito repetitivo que seja, é preciso continuar a desmascarar estas demagogias. Os religiosos profissionais vão sempre lutar por mais poder, seja para obrigar uns a ficar casados, proibir outros de casar, regular a sexualidade ou o que mais conseguirem. Nunca vão reconhecer que todos temos o direito de mudar de opinião, seja no casamento, seja na fé ou religião. Se convencem a sociedade que renunciar ao direito de mudar de opinião acerca do casamento é um exercício de liberdade, é mais fácil fazerem o mesmo com a fé a tornar a apostasia num crime. Ou a blasfémia, ou tudo o que não lhes der jeito. Só param onde os pararmos.

1- Gonçalo Portocarrero de Almada, A opção por um matrimónio civil indissolúvel, via Senza
2- Por exemplo, como Deut. 21, 18-21:«Se alguém tiver um filho rebelde e incorrigível, que não obedece ao pai e à mãe e não os ouve, nem quando o corrigem, o pai e a mãe pegarão nele, levá-lo-ão aos anciãos da cidade para ser julgado. E dirão aos anciãos da cidade: “Este nosso filho é rebelde e incorrigível: não nos obedece, é devasso e beberrão”. E todos os homens da cidade o apedrejarão até que morra. Deste modo, eliminarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e ficará com medo.»
3- Slate, Jesus Wept e New Humanist, Sanal Edamaruku update: Indian Catholics demand apology over miracle debunking

Em simultâneo no Que Treta!

28 de Julho, 2012 Luís Grave Rodrigues

Adultério

26 de Julho, 2012 Carlos Esperança

Citações de um crente

Por

Stefano Barbosa

Citações do mein kampf

“agradeço aos céus que agora alguma coisa me restitua à memória daqueles tempos felizes.”
” pois a manutenção da fé na massa do povo é para o bem-estar da nação tão importante quanto a conservação da sua saúde.”
“Acredito hoje que estou agindo de acordo com o Criador Todo-Poderoso. Ao repelir os Judeus estou lutando pelo trabalho do Senhor.””

“Assim como um célebre artista não pode ser substituído e nenhum outro acerta concluir um quadro já quase pronto, o mesmo acontece com os grandes poetas e pensadores, os grandes estadistas e os grandes generais. A sua atividade não é formada mecanicamente, mas é um dom da graça de Deus.”

“A destruição da existência da cultura humana pelo aniquilamento de seus detentores é, porém, aos olhos de uma concepção racista do mundo, o mais abominável dos crimes. Quem ousa pôr as mãos sobre a mais elevada semelhança de Deus ofende a essa maravilha do Criador e coopera para a sua expulsão do paraíso.”

” Com essa missão, o Estado, pela primeira vez, assume a sua verdadeira finalidade. Em vez do palavreado irrisório sobre a segurança da paz e da ordem, por meios pacíficos, a missão da conservação e do progresso de uma raça superior escolhida por Deus é que deve ser vista como a mais elevada.”

“O primeiro dever de um Estado nacionalista é evitar que o casamento continue a ser uma constante vergonha para a raça e consagrá-lo como uma instituição destinada a reproduzir a imagem de Deus e não criaturas monstruosas, meio homens meio macacos.”

“Graças a Deus, a nós alemães, nunca faltou educação científica; em compensação era geral a deficiência em força de vontade e poder de decisão.”

“Justamente o homem de sentimentos nacionalistas devia ter a sagrada obrigação, cada um dentro do seu próprio credo, de cuidar, não só de falar sempre da vontade de Deus, mas também de cumpri-la, não permitindo que a obra de Deus seja desonrada. A vontade de Deus foi que deu aos homens sua forma exterior, sua natureza e suas faculdades. Aquele que destruir a obra de Deus está desta forma combatendo a obra divina, a vontade divina. ”
“Devemos nos convencer de que não conseguiremos a recuperação do territórios perdidos por meio de invocações solenes ao bom Deus ou por esperanças vãs com uma Liga das Nações, mas unicamente pelo poder das armas.”

25 de Julho, 2012 Abraão Loureiro

24 de Julho, 2012 Luís Grave Rodrigues

Vedor

23 de Julho, 2012 Ludwig Krippahl

A batata de Deus.

A propósito da velha questão filosófica “porque é que há algo em vez de nada?”, o Alfredo Dinis propôs que crentes e ateus estão «com a mesma batata quente na mão. Um tem que explicar como Deus surgiu do nada, o outro como o universo surgiu do nada.»(1) Discordo. São batatas muito diferentes. Logo à partida, o Alfredo não tem de explicar só como Deus surgiu do nada. Tem de explicar também como é que Deus criou o universo a partir do nada, porque dizer apenas “Deus criou” ou “por milagre” não explica coisa nenhuma. Parece difícil que o Alfredo consiga explicar isto, e este é um dos menores problemas da sua tese criacionista.

Esta questão filosófica surge da ideia de que um vazio absoluto, eterno e imutável, não carece de explicação. É a hipótese nula. Só a existência de algo é que exige explicação. Daí o tal conceito filosófico de nada no qual o Alfredo insiste, acusando físicos como Lawrence Krauss de fazerem batota por considerarem como hipótese nula um nada quântico e instável. No entanto, o Alfredo também faz batota por incluir nesse “nada absoluto” um deus capaz de criar todo o universo*. Além disso, a física moderna põe em causa a premissa implícita dos filósofos antigos de que ser absoluto, estável e imutável são atributos que o nada tem de borla e que não é preciso explicar. Isto é implausível porque só há uma forma de ser absoluto e imutável mas há infinitas formas de ser instável. O nada instável e caótico da mecânica quântica é muito melhor candidato para a tal hipótese nula que dispensa explicação.

Se o nada da hipótese nula é instável – e não há razão para assumir o contrário – então não temos apenas uma explicação para a existência de algo sem precisar de deuses milagreiros. Podemos também extrapolar do que sabemos sobre este universo para ter uma ideia do processo pelo qual universos podem surgir espontaneamente. O Sofrologista Católico critica esta abordagem como «altamente metafísica e pouco fundamentada»(1), mas é a mais fundamentada que temos. Ao contrário de Deus e do vazio absoluto, o vácuo quântico instável de onde universos podem surgir encaixa bem nas teorias da física moderna, as teorias com o fundamento empírico mais sólido que alguma vez a inteligência humana concebeu.

Além da estabilidade do nada, os filósofos de antigamente também assumiam, por lhes parecer regra universal, que tudo tinha uma causa. Portanto, para algo surgir do nada teria de haver uma primeira causa. Deus. Mas a física moderna também rejeita esta premissa. Por um lado, porque muitos acontecimentos a nível quântico não têm causa. Não se trata de ignorar as causas. É mesmo saber que não têm causa por serem indeterminados. Por exemplo, não se pode saber, ao mesmo tempo, a velocidade e a posição exactas do electrão porque o electrão não tem velocidade e posição exactas em simultâneo (2). O resultado da medição de um destes atributos é uma variável aleatória e não o efeito de uma causa escondida. Por outro lado, sabemos também que o tempo faz parte deste universo e que não há antes do universo. “Antes do universo” é como “abaixo do centro da Terra” ou “a sul do Polo Sul”. Não faz sentido. Como uma causa tem de ocorrer antes do efeito, isto implica que o universo não pode ter causa. É claro que os crentes podem alegar que esta foi uma causa especial que não precisa de tempo mas, nesse caso, deitam fora todo o fundamento do argumento por invocarem um tipo ad hoc de causa nunca observado em lado algum. Mais uma coisa que deixam por explicar.

Em suma, as duas batatas não são nada parecidas. A cosmologia moderna é composta por hipóteses extrapoladas das teorias mais bem fundamentadas que temos. Esta extrapolação indica que o tal nada da hipótese nula é caótico e instável e que esta bolha de espaço-tempo a que chamamos universo surgiu espontaneamente, sem ter nem poder ter qualquer causa. O criacionismo medieval da teologia católica é uma caldeirada de premissas sem fundamento. Jesus é uma de três pessoas que partilham a mesma substância, outra das quais terá criado o universo por milagre a partir de um nada inexplicavelmente absoluto e imutável e agora, treze mil milhões de anos depois, estas duas pessoas e mais um espírito passam o tempo preocupadas com a contracepção, a desfrutar os louvores e a veneração que os seus seguidores lhes dirigem e a orientar, para que sejam infalíveis, as proclamações doutrinais de um senhor de batina. Eu diria que o Alfredo tem muito mais coisas para explicar, e mais difíceis de justificar. Começando pela explicação de como é que ele sabe isto tudo.

* Já para não falar de transubstanciar hóstias, condenar pecadores, engravidar virgens, omnisaber, omniestar e omnifazer trinta por uma linha.

1- Comentários em Confrangedor
2- Ver, por exemplo, na Wikipedia Quantum indeterminacy

Em simultâneo no Que Treta!

19 de Julho, 2012 Luís Grave Rodrigues

Génesis

19 de Julho, 2012 Ludwig Krippahl

Confrangedor.

Escreve o Alfredo Dinis que o panorama dos blogs ateístas em português é «confrangedor [porque] os crentes são considerados pouco ou mesmo nada inteligentes, ignorantes, incapazes de pensarem pela sua própria cabeça, sem qualquer espírito crítico, dispostos a acreditar no quer que seja, hipócritas, exigindo que todos respeitem as suas crenças e práticas», o que «não pode estar mais longe da verdade»(1). Eu não descarto os crentes como meros agregados de defeitos mas, por outro lado, também não diria que a descrição está assim tão longe da verdade. Nem que são só os ateus a pensar isto dos crentes. A situação é mais complexa e multifacetada do que aquilo que o Alfredo sugere.

Se o Alfredo não restringir a definição de “crente” a algo como “teólogo católico doutorado em filosofia” e aceitar como crentes todos os que veneram um ou mais deuses, certamente verá muita ignorância e falta de espírito crítico nesse grupo, com criacionistas evangélicos, fundamentalistas muçulmanos, praticantes de vudu, candomblé e xamanismo, e afins. Um grupo, em média, menos tolerante do que os ateus. Há terrorismo religioso, países com penas de prisão ou de morte por apostasia e até a Igreja Católica persegue quem se atreve a desmascarar milagres da treta (2), manda censurar revistas (3) e cancelar campanhas publicitárias (4) por “falta de respeito”. Por cá, temos benefícios legais para as religiões sem nada equivalente para os ateus. Quanto à hipocrisia, também não me surpreende a acusação.

Por exemplo, apesar de, em Julho, o Alfredo considerar confrangedor chamar os outros ignorantes ou pouco inteligentes, em Maio escreveu de Dawkins que «a sua leitura da Bíblia – literalista e descontextualizada – não é a única possível, nem a mais informada e inteligente»(5). Em rigor, o Alfredo chama de ignorante e pouco inteligente à posição de Dawkins e não ao Dawkins em si. É uma distinção importante. Mas é a mesma que muitos ateus fazem. Eu não diria que pessoas como o Alfredo são pouco inteligentes, mas considero uma parvoíce a crença de que o criador do universo encarnou no filho do carpinteiro para morrer por nós. Se esta alegação é confrangedora e a do Alfredo não, então o critério dele é inconsistente.

Pior ainda é a diferença entre o que padres como o Alfredo dizem aos ateus e a doutrina que transmitem ao seu rebanho. Se compararmos uns milhares de pessoas doentes que vão a Fátima pedir curas, com outras, em situação análoga, que não pedem nada a Deus, qualquer diferença significativa a favor dos crentes será favorável à hipótese de Deus. Mas, dirá o Alfredo aos ateus, esta é uma forma incorrecta, e ignorante, de conceber Deus porque Deus não intervém nestas coisas e a sua existência não pode ser testada empiricamente. O problema é que isto classifica de ignorantes as multidões de crentes que vão a Fátima convencidos de que Deus vai intervir para bem deles. Ou seja, fazem o mesmo que o Alfredo diz ser confrangedor nos ateus e ainda encorajam os crentes, recebendo, com satisfação, as oferendas dos ignorantes que lá vão ao engano. Não é estranho que alguns vejam nisto hipocrisia.

Até o diálogo com o Alfredo levanta este problema. Por exemplo, o Alfredo continua a insistir que o universo não pode ter surgido do nada porque o conceito filosófico de nada proíbe que alguma coisa de lá surja (5). Mas, como já expliquei (6), o conceito não importa porque desses inventamos quantos quisermos. Também podemos conceber a combustão como um processo que produz flogisto ou a Terra como estando no centro do universo. O que importa é saber quais conceitos correspondem à realidade, e esse conceito filosófico de nada não corresponde. Por muito filosoficamente que se conceptualize, não há flogisto, o universo não tem centro e o nada não é como o Alfredo julga. É um estado instável no qual surgem partículas espontaneamente. Infelizmente, só vejo três explicações para esta teimosia do Alfredo. Ou não tem capacidade para compreender o assunto, ou lhe falta conhecimentos para perceber a física, ou então percebe bem o problema mas finge o contrário. Conhecendo pessoalmente o Alfredo, não posso aceitar as duas primeiras, mas também me custa aceitar a última. Fico assim de decisão suspensa só para evitar pensar mal do Alfredo. Mas nem todos terão a mesma relutância em formar uma opinião.

Finalmente, há uma recusa sistemática em reconhecer o problema fundamental. Citando um amigo, o Alfredo escreve que «há coisas que não vale a pena explicar. Ou porque são evidentes, e não é necessário explicar. Ou porque não são evidentes e não adianta explicar.» Isto é um disparate. O que não é evidente tem de ser explicado – e bem explicado – para que se perceba. E o que parece evidente tem também de ser explicado porque muitas vezes é falso. Só pela explicação é que percebemos que, ao contrário do que parecia, a Terra afinal não é plana nem a chuva vem dos deuses. Quer para o conhecimento quer para o diálogo, é preciso justificar adequadamente o que alegamos ser verdade. Os crentes também exigem isto dos seus interlocutores, mas isentam-se muitas vezes deste dever. A parábola que o Alfredo publicou a seguir ilustra bem isto (7). Dois fetos conversam na barriga da mãe. Um acredita que vai haver vida depois do nascimento. Que vai haver luz, que vão andar com os pés, comer com a boca, conhecer a mãe e assim por diante. O outro, do contra, diz que não. A mensagem parece ser que o crente acerta em tudo só por crer. Por pura sorte. Acredita e, hocus pocus, é verdade. Se é esta a atitude com que entram num diálogo não se devem admirar da má impressão que causam. Se, a quem nunca tivesse ouvido falar do catolicismo, eu alegasse saber pela fé que o criador de tudo é três pessoas numa só substância, pai, filho e espírito santo, o mais certo seria julgarem que eu não estava bom da cabeça, ou não fazia ideia do que dizia ou estava a aldrabar alguém.

1- Alfredo Dinis, ateísmo (em) português (1)
2- What’s up Finland, Sanal Edamaruku and the Catholic church
3- Spiegel, Pope Takes German Satire Magazine to Court
4- Huffington post, Benetton Ad Withdrawn Same Day As Release
5- Em Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo e insistindo novamente no Prós e contras.
6- Equívocos, parte 14. Filosoficamente nada.
7- Alfredo Dinis, citando um comentador, a vida depois da vida

Em simultâneo no Que Treta!

19 de Julho, 2012 Luís Grave Rodrigues

Casamento