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Categoria: Medicina

23 de Novembro, 2025 Eva Monteiro

Terceira Carta a Um Crente

A primeira carta está aqui, e a segunda carta está aqui. Sem esse contexto será complicado entender o texto que se segue.

Este crente é resiliente e tem genuíno interesse no debate. São qualidades que respeito mais do que ele próprio talvez reconheça. Confesso que debater com ateus tem pouco apelo. Naquilo que me interessa debater, concordamos. Naquilo em que discordamos raramente me interessa debater. É uma espécie de desabafo, mais do que debate. Nesse sentido, a troca de ideias com um crente tem para mim mais valor intelectual do que qualquer sessão de concordância com amigos que partilham a minha visão do mundo. Tanto quanto possível, procuro estes debates e sinto que encontrei neste crente alguém que, partilhando do interesse no tema, se coloca do outro lado da mesa com profunda mas respeitosa discordância. Há quem me pergunte como tenho paciência – ao que respondo que, se pudesse, era o que fazia da vida. Não há esforço em manter esta conversa, apenas satisfação em poder fazê-lo com alguém que ainda não desistiu, quanto tantos outros nem sabem por onde começar.

Assim sendo, é com prazer que vos disponibilizo a resposta deste crente anónimo, no seguimento das anteriores já publicadas e respondidas.

Agradeço sinceramente a tua mensagem — não apenas pela forma como estruturaste os teus argumentos, mas pela honestidade intelectual que demonstras ao expor aquilo em que acreditas e aquilo que rejeitas.
Acredito que o diálogo só é verdadeiramente frutífero quando existe abertura de parte a parte. E é nesse espírito — sem pretensão de evangelizar ou converter — que te respondo, ponto a ponto.

“Tu não sabes, acreditas. É matéria de fé e não de facto.”

Começo por concordar contigo num ponto essencial: o verbo saber tem, no campo do conhecimento empírico, um significado que exige demonstração e verificabilidade. Quando alguém diz “sei” sem apresentar provas, é natural que surja ceticismo.

Mas há diferentes camadas de saber.
Há o saber científico (observável e replicável), o lógico (demonstrável pela razão) e o experiencial — aquele que nasce da vivência, da repetição de fenómenos, da coerência entre aquilo que se experiencia e aquilo que se compreende.
Quando um espírita diz “sei que o espírito sobrevive à morte”, não o diz no sentido de uma prova laboratorial, mas no de um conhecimento íntimo e acumulado pela observação reiterada de manifestações semelhantes, por mediunidades diferentes, e pelo impacto moral e intelectual que tais comunicações produzem.

Portanto, sim: é um tipo de saber vivencial e reflexivo, não empírico-laboratorial.
E é importante ser honesto sobre isso — não é ciência no sentido estrito, mas também não é crença cega. É um saber construído a partir da experiência e da razão aplicada a ela.

“Muitos dizem ‘sei’ — o muçulmano, o hindu, o cristão — e não podem ter todos razão.”

Tens razão: a multiplicidade de certezas religiosas é uma das maiores evidências de que o “saber” teológico raramente é factual.
Mas o Espiritismo não se apresenta como revelação exclusiva nem como religião que pretende ter o monopólio da verdade. Kardec partiu precisamente do princípio de convergência — ao comparar mensagens mediúnicas de diferentes locais, culturas e médiuns, procurou extrair princípios universais: a imortalidade da alma, a reencarnação, a lei de causa e efeito, o progresso moral do espírito.

Esses princípios não exigem adesão a um dogma particular ou a uma figura divina específica. São hipóteses filosóficas sobre a natureza da consciência e da moral, e são apresentadas como tal — suscetíveis de reflexão e revisão, nunca como verdades absolutas.

“As experiências subjetivas são universais e explicáveis pela neurociência.”

Também aqui o teu ponto é forte.
A ciência já demonstrou que o cérebro é capaz de produzir estados alterados de consciência, alucinações e sensações de presença. Isso é inegável.
Mas reconhecer que o cérebro pode gerar tais experiências não significa automaticamente que todas elas o sejam.
Do ponto de vista espírita, a mente usa o cérebro como instrumento — o que significa que há interações entre ambos. O que a neurociência observa é a correlação, não necessariamente a causa única.

Por isso, em vez de negar a explicação neurológica, o Espiritismo propõe ampliá-la: o fenómeno mediúnico seria uma coabitação entre planos de consciência, onde o cérebro é o tradutor físico da experiência espiritual. É uma hipótese que a ciência ainda não pode confirmar — mas também não consegue, até hoje, eliminar completamente.

“Kardec não aplicou o método científico.”

Tens toda a razão.
Kardec não realizou experiências controladas no sentido moderno — não havia grupo de controlo, protocolo replicável nem revisão por pares.
O seu método foi comparativo, baseado em observação e coerência das comunicações. Foi uma tentativa de aplicar rigor onde antes só havia superstição. Para o século XIX, foi ousado. Para os padrões científicos atuais, é insuficiente.

Reconhecer isso não é desmerecer Kardec, mas situá-lo historicamente. Ele fez o que pôde com as ferramentas intelectuais e sociais do seu tempo.
A tarefa das gerações seguintes é continuar — aproximando cada vez mais o estudo espiritual das exigências metodológicas modernas.

“O Espiritismo procura confirmar, não refutar.”

Aceito a crítica — e, em muitos casos, é justa.
Muitos grupos espíritas caíram na armadilha do verificacionismo, isto é, aceitar apenas aquilo que confirma a crença prévia e descartar o que a contradiz.
Mas o verdadeiro espírito da obra de Kardec não é esse. Ele próprio dizia: “A fé inabalável é apenas a que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade.”
Portanto, a busca por refutação deveria ser parte do movimento espírita — e, quando não é, estamos a falhar com Kardec.

“É o argumento do Deus das lacunas — usar o sobrenatural onde não há explicação.”

Concordo contigo no essencial: ausência de explicação não é prova de explicação sobrenatural.
O Espiritismo, quando é fiel ao seu princípio filosófico, não usa o sobrenatural para tapar buracos, mas como hipótese para explicar certos fenómenos observáveis, como as comunicações mediúnicas e as lembranças espontâneas de vidas passadas.
Não digo que sejam provas definitivas — mas são dados interessantes que desafiam o modelo materialista estrito.

Além disso, o Espiritismo não nega a ciência. Ele apenas propõe que há dimensões da existência que o método científico ainda não consegue medir.
Não porque sejam mágicas, mas porque estão fora do alcance instrumental atual — como tantas coisas estiveram antes da física quântica ou da biologia molecular.

“Darwin usou método; Kardec não.”

Certo.
Darwin partiu da observação empírica e construiu hipóteses testáveis. Kardec partiu da observação subjetiva e construiu um sistema moral e filosófico.
São naturezas de trabalho diferentes. Darwin criou uma teoria científica. Kardec, uma filosofia espiritualista.
Seria intelectualmente desonesto colocar ambos no mesmo patamar. Mas também seria injusto desconsiderar que ambos procuraram sentido num mundo que se abria à razão.
Kardec quis tirar o espiritualismo da superstição; não o conseguiu transformar em ciência, mas deu-lhe uma lógica e uma ética.

“Não há provas de consciência fora do cérebro.”

Concordo — não há provas aceites pela comunidade científica.
Mas há casos documentados de experiências de quase morte (EQMs), percepções verídicas durante estados de inconsciência cerebral, e mediunidades estudadas sob condições controladas (como as de Leonora Piper ou Chico Xavier).
Nenhum desses casos é prova absoluta — mas são indícios que pedem estudo, não ridicularização.

Aceito, portanto, o princípio científico: afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias.
Até lá, mantenho a hipótese aberta e o espírito de investigação — porque negar o inexplorado com a mesma certeza com que se afirma o conhecido também é, em si, um dogma.

“O Espiritismo usa apelos à ignorância e wishful thinking.”

Em muitos casos, sim — e é importante admiti-lo.
Mas há espíritas que, como eu, tentam viver a fé sem abdicar da lucidez.
O Espiritismo não deve servir como anestesia da razão. Deve servir como estímulo ao questionamento, à pesquisa e à melhoria moral.
Se a fé serve para fugir da dúvida, é frágil.
Mas se a fé te leva a estudar mais, a servir melhor e a compreender o outro, então cumpre a sua função espiritual.

“Ciência e fé não se complementam; misturá-las é erro.”

Depende do que chamamos “complementar”.
Não defendo que fé e ciência expliquem o mesmo — a ciência responde ao como, e a espiritualidade ao porquê.
Uma estuda os mecanismos; a outra, o sentido.
O erro está em confundir as fronteiras: quando a fé tenta substituir a investigação, erra. Quando a ciência tenta negar o valor da experiência espiritual, erra também.
Ambas são expressões da mesma busca humana por compreensão. Só diferem nas ferramentas.

“O Espiritismo é autoritário porque tem postulados inquestionáveis.”

Infelizmente, parte da prática espírita contemporânea confirma isso.
Há grupos que transformaram princípios em dogmas e médiuns em oráculos. Mas isso não é o Espiritismo de Kardec — é o seu desvio humano.
O verdadeiro Espiritismo é livre-pensador, experimental, questionador.
O seu lema é “fora da caridade não há salvação” — não “fora do Espiritismo não há verdade”.
Se há autoritarismo, é sinal de que nos afastámos da essência.

“A fé é conforto; a verdade é desconfortável — devemos escolher a verdade.”

Concordo plenamente.
O conforto é uma consequência possível da fé, mas não deve ser o seu propósito.
Prefiro uma fé inquieta, que questiona, que aceita a dúvida como parte do caminho, do que uma fé adormecida que teme pensar.
A verdade é o objetivo — e, se um dia a ciência provar que o espírito não sobrevive, aceitarei com serenidade.
Mas até lá, as minhas experiências, os testemunhos que observei, as transformações morais que vi em pessoas através da prática espírita — tudo isso me indica que há mais para descobrir.
E enquanto essa hipótese resistir à razão e à ética, continuarei a estudá-la.

✦ Conclusão ✦

Eva, agradeço sinceramente a tua mensagem.
Sei que a tua intenção não foi ofender, mas propor um debate com rigor — e é exatamente isso que o Espiritismo genuíno deve acolher.
Não te escrevo para te convencer; escrevo para partilhar a minha forma de compreender a realidade, consciente das suas limitações e aberta à crítica.

Creio que a busca pela verdade não pertence a nenhum campo em exclusivo.
A ciência investiga o universo externo; a espiritualidade investiga o universo interno.
Quando ambas caminham com honestidade, complementam-se — não em autoridade, mas em propósito.

No fim, o que realmente importa é evoluir moralmente — aprender a amar, compreender e servir melhor.
E nisso, quer se seja ateu, espírita, cristão ou nada disso, todos estamos na mesma estrada.

Segue-se a minha resposta:

Agradecimentos à parte, porque já ambos expressamos gratidão pela disponibilidade um do outro, acho que te devo apenas dizer que as tuas respostas me dão sempre prazer em ler e igual prazer em contra-argumentar. Não nego que continuo a discordar das tuas posições e que dificilmente isso mudará (apesar de reconhecer que a possibilidade existe), como não tenho qualquer pretensão de mudar a tua. Contudo, explicar as nossas ideias a outros expõe-nos à crítica. De que outra forma posso encontrar falhas no meu pensamento? Por isso, enquanto tiveres paciência e o tema não se esgotar, eu mantenho a minha disponibilidade para continuar este debate.

Confesso que a expressão “tentar dar a volta ao texto” surge-me com alguma facilidade à medida que leio os teu comentários. Em relação ao verbo saber, usas o termo “conhecimento empírico”. Espero que não te importes que eu prefira “epistemologia”. Acho sinceramente que a distinção importa. É que a epistemologia investiga os critérios, fundamentos e limites do “saber”: o que justifica uma crença, como distinguimos verdade de erro, que métodos são fiáveis e porquê. O conhecimento empírico, por sua vez, nasce da fricção direta com a realidade, daquilo que podemos ver, medir e testar. A diferença entre ambos é simples: a epistemologia é a reflexão sobre o conhecimento; o conhecimento empírico é o próprio conteúdo observado no mundo.

É importante fazer esta distinção porque primeiro há que estabelecer o que significa “saber”, e depois então partimos para a descoberta da realidade, para os dados concretos. Partindo da epistemologia, saber é aquilo que resta depois de termos removido a fé, a superstição, o autoengano e o sentimentalismo. Ou seja, aquilo que se aguenta em pé mesmo quando alguém está ativamente a tentar derrubá-lo. Saber é o que resta do empirismo quando lhe apontas uma bazuca e tentas dar cabo de tudo o que achas que aprendeste com os dados que obtiveste. O saber é para abalar, porque só a fé pode ser inabalável.

Percebes certamente porque é que não posso aceitar a tua posição à luz da epistemologia. Não há camadas de saber, há factos e há hipóteses. Há diferentes tipos de hipóteses, no sentido em que umas são mais plausíveis e bem sustentadas que outras. Contudo, a factualidade não se presta a graus. O meu maior problema, se calhar onde vamos sempre encalhar a conversa, está aqui: “experiencial — aquele que nasce da vivência, da repetição de fenómenos, da coerência entre aquilo que se experiencia e aquilo que se compreende”. Ora, a vivência pessoal, por mais intensa, repetida ou emocionalmente marcante que seja, não é, em si, critério de verdade. A epistemologia moderna é clara neste ponto: uma crença verdadeira por acidente ou por impressão não constitui conhecimento. Centenas de pessoas podem ter visões religiosas, encontros com antepassados, presenças espirituais ou sensação de sair do próprio corpo. A repetição dessas vivências não as torna mais verdadeiras; torna-as apenas mais humanas. A subjetividade não se valida a si mesma.

A repetição de fenómenos subjetivos não tem o mesmo estatuto que a replicação experimental, pelo que não concordo que os coloques no mesmo patamar. Repetir a experiência de alguém não é repetir um fenómeno observável e controlável. Uma alucinação recorrente continua a ser uma alucinação. Uma interpretação errada que se torna rotina não deixa de ser errada. Nos vários campos da ciência, repetir significa recriar condições, controlar variáveis, medir resultados, comparar com hipóteses formuladas anteriormente e permitir que outros obtenham os mesmos resultados. Não só permitir como garantir, no sentido em que, se for avançada uma hipótese que só pode ser repetida pelo próprio, simplesmente não passa no escrutínio de pares e cai por terra com um estrondo vergonhoso. Nada disto se aplica à experiência íntima, que é, por definição, privada, não controlável e não partilhável enquanto dado bruto.

A “coerência entre o que se experiencia e o que se compreende” é um critério circular, sem valor epistemológico. Uma crença aparenta ser coerente quando encaixa nas expectativas e no sistema previamente aceite pelo próprio. Mas coerência interna não é prova de verdade. Um astrólogo encontra coerência entre os mapas astrais e as personalidades que interpreta. O conspiracionista encontra coerência entre os seus medos e os sinais que recolhe, em padrões que lhe parecem inegavelmente relacionados. O místico encontra coerência entre estados mentais e explicações espirituais. Em todos estes casos, a coerência é produto do sistema de crenças, não prova da realidade. Alguém encomenda um bruxedo para fazer mal ao Trump. Por sua vez, o presidente dos EUA, de 79 anos vividos à base de excessos e big macs parece ter a sua saúde afetada repentinamente. A bruxa convence-se que o seu feitiço resultou e nós todos aplaudimos?

Portanto, quando afirmas que o conhecimento experiencial “nasce da vivência, da repetição de fenómenos e da coerência entre experiência e compreensão”, estás, sem te aperceberes, a oferecer uma definição de crença subjetiva, não de conhecimento. O que se quer é a coerência entre conclusões e a realidade, os malditos dados que o espiritismo teima em não avançar ou deixar recolher. A tua definição ignora os pilares básicos do conhecimento: justificação adequada, possibilidade de erro identificável, correspondência com a realidade e métodos que eliminem vieses cognitivos, ilusões internas, distorções emocionais e interpretações à base do desejo, o tal do wishful thinking.

A ciência não rejeita a experiência; rejeita apenas a elevação da experiência a critério de verdade. A experiência é o ponto de partida, nunca pode ser o ponto de chegada. O rigor epistemológico exige que se pergunte: “o que é que, na minha vivência, pode ser explicado por mecanismos naturais, psicológicos, neurológicos ou culturais antes de recorrer a hipóteses sobrenaturais?” Se esta pergunta for evitada (e é apenas isso que o espiritismo faz), o resultado deixa automaticamente de ser conhecimento e passa a ser convicção sentimental(ista). O critério do espiritismo, levado a sério, destrói-se a si mesmo: se tudo pode ser “sabido” pela experiência íntima, nada pode ser verdadeiramente sabido. O verbo saber é de uma austeridade que nega qualquer subjetividade. É um binário: ou sabes ou não sabes. Se sabes, consegues demonstrar, se não sabes, bom… não sabes.

Não querendo ser aborrecida, eu tenho mesmo de fincar o pé. Tanto quanto consigo entender os teus comentários, parece-me que apresentas como método aquilo que, analisado friamente, não passa de filtragem seletiva de dados. Dizes que se recolhem (suponho) largos números de comunicações e que se encontram as convergentes. Mas esse processo, se descrito com precisão epistemológica, é simplesmente isto: sistematização de testemunhos subjetivos mediante critérios arbitrários de coerência. É precisamente o oposto do método científico, cujo valor reside não na confirmação, mas no teste destrutivo, vulgo, na tentativa sistemática de refutar as próprias hipóteses.

Tenho que discordar quando dizes que não há dogmas envolvidos neste processo. Claro que há. Se questionares precisamente “a imortalidade da alma, a reencarnação, a lei de causa e efeito, o progresso moral do espírito” que resta do teu espiritismo? Não tens de acreditar em espíritos para seres espiritista? Então isso é um dogma. Parece-me, e corrige-me se estiver errada, que poderás estar a confundir dogma com pecado ou proibição. Essas crenças que partilhas com os outros espíritas e das quais depende a vossa adesão a essa doutrina (ou a uma das muitas doutrinas espíritas) não têm que informar as vossas decisões no dia a dia. Uma coisa é aquilo em que se acredita outra é aquilo que se faz com o que se acredita. Tem de ser dogmática a crença, no mínimo, em espíritos, senão até eu posso dizer que sou espírita:

– Mas Eva, acreditas na imortalidade da alma?

– Não, eu nem na alma acredito quanto mais.

– Mas então és espírita?

– Pois claro que sou, acreditar em espíritos não é um dogma do espiritismo, eu sou o que me apetecer ser, deixa-me estar cá com as minhas “verdades pessoais”.

Acho que não preciso de te dar mais exemplos do quão incoerente é dizer que não há dogma no espiritismo. Se há uma crença que é condição sine qua non para a tua identificação com o espiritismo, isso é precisamente o dogma do qual dependes para o seres.

Impõe-se-me aqui uma pergunta: em que te baseias para dizeres que “O que a neurociência observa é a correlação, não necessariamente a causa única”? A tua frase distorce o que a investigação científica realmente demonstra. A neurociência não se limita a observar paralelismos entre atividade cerebral e experiência mental. Pelo contrário, observa relações causais diretas, repetidamente testadas e manipuláveis. Qual correlação? Causalidade, se faz favor. Repara: estimular certas áreas do cérebro produz pensamentos e emoções específicos, lesões em regiões definidas eliminam funções cognitivas particulares, há fármacos que alteram neurotransmissores e que por isso modificam o humor, a personalidade e até, imagina, convicções religiosas. A anestesia geral suspende a consciência ao desligar circuitos neurais específicos. Estes factos não são apenas correlações: são provas de dependência causal. Parece-me que estás a tentar insinuar a possibilidade de uma “causa oculta” como um espírito a operar por trás do cérebro. Só que essa hipótese não produz previsões, não é necessária para explicar os dados existentes, não melhora o modelo neurobiológico e não é testável. É, portanto, uma adição metafísica ad hoc, introduzida apenas para preservar uma crença prévia, e não uma inferência razoável baseada em evidência. Lá vamos nós ao dogma.

Ao insinuares que a explicação neurobiológica pode não ser suficiente por não ser “a causa única”, confundes complexidade causal normal (genética, ambiente e história pessoal, entre outros) com a necessidade de introduzir entidades sobrenaturais não demonstradas. A alegação de que “correlação não implica causalidade” torna-se, assim, um pretexto para proteger uma hipótese espiritual, ao ignorares que a ciência, neste caso, já demonstra causalidade. Invocar causas invisíveis que não acrescentam poder explicativo e que não podem ser refutadas é um exemplo clássico do argumento da ignorância, do “espírito das lacunas” e da inversão do ónus da prova. A neurociência não pode provar o que não está lá. A hipótese neurobiológica é simples, preditiva, testável e suficiente; a hipótese espiritual não explica nada que o modelo científico não explique e só subsiste quando se abdica do rigor científico. Incomoda-me esta frase porque me parece apenas um mecanismo retórico para manter intacta uma crença metafísica.

Na ciência, a posição padrão é metodologicamente naturalista: postulam-se explicações que fazem uso de causas dentro do reino observável e testável até que surjam razões muito fortes que justifiquem o recurso a entidades não-falíveis e não-observáveis. Isso nunca aconteceu. E isto não é dogma, é a regra prática que torna possível o progresso científico.

A apreciação histórica de Kardec, que fazes é sensata num plano historiográfico: para o seu tempo, comparativo e sistemático, o método de Kardec revelou um esforço por organização intelectual de fenómenos que muitos consideravam superstição. Cabe aos historiadores das ideias reconhecer isso. No entanto, o facto de um método ter sido útil ou inovador para um contexto social passado não converte automaticamente o seu resultado em ciência moderna. Os critérios de cientificidade evoluíram: controlo experimental, cegamento quando possível, grupos de controlo, documentação replicável, análise estatística e revisão por pares são exigiências que surgiram precisamente porque reduzem o erro humano. A ausência desses elementos em investigações do século XIX não é um erro moral de Kardec, é uma limitação metodológica. Quanto a mim, isto significa que as conclusões por ele retiradas não gozam do estatuto de teorias científicas no sentido contemporâneo. Na verdade, mal se consequem qualificar para os mínimos olímpicos da hipótese.

Eis o que me incomoda: que os espiritistas ou kardecistas (qualquer que seja a nomemclatura com que te identifiques) tenham dado a mão a Kardec no século XIX e prefiram manter o braço esticado no tempo em vez de reverem a hipótese postulada à luz de uma metodologia científica atual. Porquê?

Que aconteceria se em vez de retirar só o que lhe interessa, Kardec tivesse analisado os dados todos? Esquece Kardec, porque é que os espíritas não o fazem agora? Que vos impede de utilizar o método científico agora? Se consegues demonstrar “a imortalidade da alma, a reencarnação, a lei de causa e efeito, o progresso moral do espírito”, eu ofereço-me como tributo. Em vez dos Jogos da Fome, fazemos os Jogos do Espiritismo. Deixa-me reunir uma equipa de céticos e vamos ter contigo (e com a equipa de espíritas que quiseres reunir), de mente aberta. Desde que nos deixes estabelecer os critérios de investigação (que serão inequivocamente científicos), nada nos deixaria mais felizes. Recolhemos todos os dados que nos forem possível recolher, apresentamos as descobertas que houver a apresentar e submetemo-las ao escrutínio de pares. A mim soa-me incrível. Perdoa-me o humor mas: Nobel Prizes galore.

Continua?

9 de Julho, 2025 Onofre Varela

A guerra de Trump contra o mundo incidindo no desprezo pelas crianças

Segundo a Organização Mundial da Saúde, os casos de poliomielite que condenavam os menores à paralisia, ou mesmo à morte, retrocederam 99% desde 1988. É a segunda grande doença infecciosa que se pode extinguir, depois da erradicação da varíola em 1980. Outras doenças, como o sarampo e a difteria, também foram limitadas drasticamente à medida em que foi aumentando a imunidade colectiva graças às vacinas e aos programas de vacinação elaborados pelas entidades sanitárias em cada país. 

É milenar a luta do Ser Humano contra as doenças, especialmente aquelas que se manifestam nas crianças. Porém, contra tudo quanto a história da luta médica em favor da saúde recomenda, hoje assiste-se a um retrocesso em todo o mundo, como se a experiência não nos ensinasse nada e regredíssemos no tempo, negando a ciência médica. Pior do que isso é termos orgulho de retrocedermos nas boas práticas médicas e científicas, mesmo condenando à morte ou à invalidez centenas ou milhares de crianças em todo o mundo. 

Um estudo médico publicado na revista “The Lancet” no último mês de Junho alerta para o retrocesso das práticas médicas que permitem a sobrevivência às doenças que podem ser evitadas pela vacinação, especialmente em crianças. O estudo em causa foi elaborado com base em dados recolhidos em cerca de 200 países (praticamente todo o planeta). 

É uma péssima notícia para todos nós. E o que é mais grave, é que o problema vai acentuar-se nos próximos anos. Na base de tal gravidade está a ordem de Donald Trump para se cancelar a ajuda dos EUA ao desenvolvimento da vacinação em dezenas de países, pondo fim ao progresso conseguido até aqui, condenando à morte, ou ao sofrimento crónico, milhões de crianças. 

Gerado por IA

A cimentar tal desfecho, que contraria todo o humanismo que já conseguimos na prevenção e eliminação das doenças, está o problema (crescente em todo o mundo) da desinformação massiva acerca das vacinas, como consequência do ataque à Ciência feito através das redes sociais. É conhecido o resultado trágico dos efeitos do COVID no Brasil dirigido por Bolsonaro, e do mesmo efeito nos EUA durante o “primeiro acto” da dramática presença de Trump na Casa Branca, com os malefícios da recusa dos conselhos médicos, substituindo-os por pseudoterapia sem qualquer base científica. 

A prevenção do contágio de doenças epidemiológicas requer a participação de todos e a ajuda técnica e económica dos governos realmente interessados na saúde pública. As muitas décadas de trabalho entre as autoridades e os cidadãos, reduziram para valores mínimos as doenças infecciosas que no princípio eram letais. Recordar este avanço das ciências médicas é fundamental para todos termos a noção da necessidade de continuarmos no bom caminho da prevenção. 

O pior de tudo isto são os ouvidos surdos dos responsáveis que preferem ficar na História da Humanidade como os monstros defensores de uma economia gananciosa, quase criminosa, em desfavor da economia socialmente responsável, como se verifica no “segundo acto” do dramático desempenho da presidência de Trump.

21 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre a eutanásia

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

D. Manuel Clemente, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, afirmou, em Fátima, que a eutanásia é uma questão humanitária que não pode ficar reduzida ao campo estritamente religioso (Jornal de Notícias, 8/11/2016). Dito assim, até ficamos com a ideia de que a Igreja aceita, pacificamente, a prática da eutanásia em casos extremos de doença incurável com a morte próxima anunciada e provocando grande sofrimento ao paciente. Em tal caso a eutanásia seria um modo de libertar o doente, e a sua família, da dor inglória provocada pela irreversibilidade do mal.

Porém, logo a seguir, o clérigo disse que a eutanásia representa “uma grave ameaça para as famílias e uma violação grave e inaceitável da ética médica”… o que acaba por virar ao contrário a interpretação possível da primeira frase do seu discurso!… E continua dizendo que “em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, é legítimo a sociedade procurar induzir os médicos a violar o seu código deontológico e o seu compromisso com a vida e com os que sofrem”.

Este tipo de entendimento está sempre acoplado à crença… logo, também está sempre divorciado da realidade natural das coisas naturais. É neste mundo que vivemos, e não no fantasioso reino das religiões! Para os religiosos condenadores da eutanásia, ela é uma prática “criminosa” que não contempla a vida como “dádiva divina”. Não entendem que nem a eutanásia configura um crime (porque há sociedades que a legalizaram; logo, a ideia de homicídio para a prática da eutanásia, é errada), nem a vida é dádiva de um deus inexistente.

O raciocínio mais humano e fraterno, perante um caso de extremo sofrimento de alguém que vive dolorosamente os seus dias finais, aponta para que o doente usufrua de tratamento paliativo, sendo injectado com drogas suavizadoras para que a morte se cumpra sem dor. Porém, este pensamento parte, essencialmente, dos familiares e amigos que assistem à agonia do doente, e querem vê-lo ali, a respirar, para poderem demonstrar-lhe “amor e carinho”… mas quase sempre esquecem a vontade do próprio doente. Quem visita um doente terminal, manifesta a sua solidariedade nos poucos minutos que passa junto dele, e depois ausenta-se durante dias até à próxima visita caridosa. Mas o doente sente o seu sofrimento hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo… durante 24 horas por dia… e pensa, e sente, e sofre em cada momento que para ele é gigante!

Quando o doente tem a consciência do seu fim próximo; quando os médicos afirmam não haver marcha atrás no estado da doença que, inevitavelmente, o conduzirá à morte próxima e sofrida; e quando o paciente recusa drogas paliativas que lhe permitam respirar sem dor até ao momento final, e pede a prática da eutanásia… quem é que tem a última palavra sobre a sua própria vida?

A família?… A medicina?… O Estado?… A Igreja?… Ou ele próprio?

Ninguém é proprietário da minha vida. Sou eu o único proprietário de mim, e respondo pelas minhas acções, atitudes e vontades. Se, em consciência (repito: em consciência. Quando detentor de todas as minhas faculdades mentais), decido sair da vida por não me interessar vivê-la nas circunstâncias em que ela se me apresenta, ninguém tem o direito de contrariar a minha vontade, e todos têm a obrigação cívica de me respeitarem, incluindo nesse respeito aquele que é devido às minhas ideias e vontades. A vida de cada um não é passível de “privatização”, nem pela família, nem pela ciência médica, nem pelo Estado… e muito menos pela Igreja cuja ética religiosa choca com a minha ética cívica.

A crença religiosa é arrogante ao querer impor a sua vontade, esquecendo que as liberdades de pensamento, expressão e acção de cada um, são legisladas pelo Estado que é laico… e nunca pela Igreja!

Limitem-se as religiões a aconselhar os seus acólitos, e não interfiram na vida de quem dispensa as suas moralidades. A moral religiosa, se tem alguns lados positivos (assunto pouco pacífico a merecer muita discussão), acaba por se transformar em imoralidade quando defende a obrigação da entrega ao sofrimento para agradar a um deus fictício… provavelmente criado para apaziguar sentimentos… e mantido para exploração das almas. Devemos concluir que o sofrimento acaba por dar lucro à Igreja?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Tumisu por Pixabay
19 de Julho, 2018 Vítor Julião

Será que deus inspira as nossas invenções?

Eu sou provavelmente um dos poucos ateus que frequentam a igreja regularmente. Na verdade, é muito possível que eu seja um frequentador da igreja mais ativo do que muitas pessoas chamadas religiosas. O famoso ditado “esposa feliz, vida feliz” efetivamente explica porque eu participo, ela é muito religiosa e insiste em que os meus filhos sejam expostos. Estou aqui para garantir que entendi os acontecimentos atuais para explicar de maneira eficaz as alternativas para os meus filhos. A minha esposa, por sua vez, apoia os meus esforços para ampliar a compreensão científica e cultural das crianças (até agora elas tem tido cerca de 90% ou mais, nos testes em matemática e ciências). As crianças mais velhas já leram Dawkins e Hawking. O facto de terem uma ampla exposição a várias visões de mundo, leva a que surjam algumas perguntas interessantes por parte das crianças. No carro, a caminho de casa vindo da igreja, no domingo passado, meu filho (11 anos) parecia confuso com algo que ele aprendeu na escola dominical (chocante, certo?)

“Pai?” Perguntou ele do banco de trás, “O meu professor terminou a lição de hoje louvando a Deus por todas as coisas que ele nos deu: remédios, internet, aviões e outras invenções que ele disse ajudarem a espalhar a palavra de Deus, ajudando a tornar mais fácil, os missionários a chegar ao seu povo. ”

“Ok, essa é uma maneira de ver as coisas. Qual é a tua pergunta? ”, respondi eu.

“Se Deus é real e inspira inventores ou cientistas a descobrir coisas novas como a medicina ou algo assim, por que ele esperaria centenas de milhares de anos para fazer isso? Quero dizer, os humanos existem há muito tempo e poderiam ter usado os antibióticos já à 100 000 anos atrás, certo?

Mas que pergunta perfeita: por que um pai e criador benevolente e amoroso, iria esperar tanto tempo para “inspirar” a humanidade em coisas vitais para a nossa sobrevivência contínua e conforto vitalício?

Hebreus 4:13 diz: “Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas.”.

Que ideia linda. Deus, o grande criador dos céus e da terra, vê e conhece a todos. Nada é “escondido dele” como o versículo diz.

Usando essa lógica (como a professora da escola dominical fez), pode-se supor que, em 1546, quando Girolamo Fracastoro propôs, pela primeira vez, as ideias fundamentais que acabariam se tornando na Teoria Microbiana da Doença, Deus o abençoou com esse conhecimento. As pessoas que pensam dessa maneira, devem assumir que Deus já sabia sobre os microorganismos, porque os criou. Vírus e bactérias de todos os tipos, são os frutos de seus trabalhos criativos divinos, certo? Se tu fosses um crente, terias que responder “sim”. Mesmo os poucos fundamentalistas que afirmam que Satanás criou todas as coisas negativas na Terra, teriam que reconhecer que um Deus todo-poderoso, todo sabedoria, compreende a menor das complexidades desses organismos “malignos”.
No entanto, ele esperou até hoje…

Marcos 1:34 diz de Jesus: “e Jesus curou muitos que sofriam de várias doenças. Também expulsou muitos demónios; não permitia, porém, que estes falassem, porque sabiam quem ele era.”.

Outra ideia linda. Aqui nós temos Jesus (Deus em forma humana para a maioria dos cristãos) curando os enfermos. Eu gosto de imaginá-lo colocando as suas mãos sobre as suas cabeças perturbadas, dizendo alguma oração, e “voilá”… curado.

É dito que este verso aconteceu cerca de 1 500 anos antes que as primeiras ideias, que mais tarde se formaram na Teoria Microbiana da Doença, fossem “inspiradas”. Isso significa que, se esta fosse uma história verdadeira, Jesus sentou-se no chão, cara a cara com dezenas de pessoas doentes ou perturbadas, curando-as com palavras mágicas, sabendo o tempo todo que as suas doenças não tinham nada a ver com demónios. Ele, se quisermos acreditar na sua divindade, deveria saber que a “Criança Doente A” tinha paralisia cerebral e não um “demónio” no corpo, e que a “Mulher Doente B” estava a morrer de gripe e não sendo afligida “por uma maldade”. No entanto, esse nosso “salvador” preferiu não nos dizer nada disso, e, pelo contrário, ele continuou a sua magia como se também tivesse assumido que o diabo, ou alguma outra força mitológica, era o culpado.

O atual Presidente e Profeta da Igreja SUD (Mórmon) gosta de contar uma história da sua antiga carreira como cirurgião cardíaco. Em meados da década de 1960, ele foi questionado várias vezes por um homem de Utah, por um pedido de ajuda com um problema cardíaco que a medicina ainda não tinha encontrado uma solução para tratar. Esse homem disse ao Nelson que Deus o havia orientado a procurar a ajuda dele e que, com fé, Nelson saberia o que fazer. Então o jovem médico concordou em realizar uma cirurgia exploratória de coração aberto. Depois de cortar o homem, Nelson relembra: “Então, na minha mente, havia linhas pontilhadas mostradas neste anel que contém aquela válvula tricúspide: ‘Faça uma dobra aqui, uma dobra ali.’ Não foi perfeito, mas o paciente desfrutou dum ótimo resultado”. Esse procedimento tornou-se posteriormente o padrão internacional para esse tipo de problema.

Outras formas de cirurgia de coração aberto, foram realizadas desde 1801. Foram 160 anos antes da cirurgia “Jesus Take the Wheel” de Nelson. Estima-se que mais de um milhão de pessoas no mundo desenvolvido, morreram de problemas cardíacos semelhantes durante esses anos. Mais de um milhão de mortes antes que Deus decidisse inspirar um cirurgião, um cirurgião entre milhares de outras pessoas que devemos supor serem igualmente “dignas” desse conhecimento.
No entanto, ele esperou até hoje…

Aceitar a proposição de que a invenção e a inovação de qualquer coisa útil, são simplesmente inspirações de Deus em seres humanos dignos, é ignorar as tremendas quantidades de mortes e sofrimento mergulhadas em camadas como rochas sedimentares sob essas descobertas. Todas as vidas salvas pela penicilina, estão no cimo de milhões de outras pessoas ao longo da história humana, deixadas por “Deus” para morrer de morte dolorosa e evitável. Que tipo de criador sociopata e instável reteria propositadamente informações vitais aos seus “filhos”?

Provavelmente um que, na verdade, não existe.

Traduzido de Adam Harrison

6 de Maio, 2015 Administrador

Inquérito

A AAP foi contacta por duas alunas do 1.º ano do curso de Psicologia, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa no sentido de as ajudarmos a divulgar o seu inquérito Opiniões e Atitudes em Relação à Homossexualidade.

Pedimos aos nossos leitores que as ajudem a conseguir uma boa nota à cadeira de Grandes Teorias das Ciências Sociais.

Para responder, clicar aqui.

 

27 de Julho, 2013 Carlos Esperança

Para onde vai o S.N.S.?

A crescente transferência dos serviços sociais para domínios do chamado sector social – Misericórdias e IPSSs – ocupados pela Igreja católica, revela a irreprimível tendência de substituir a solidariedade pela caridade e de reduzir direitos humanos à vontade divina, discricionariamente administrada pelos bispos católicos.

O desmantelamento do Estado social leva ao regresso do poder clerical e ao retorno do status quo salazarista. À medida que a salvação da alma se torna cada vez mais uma não preocupação, as necessidades do corpo são progressivamente confiadas aos prosélitos da fé.

Não admira a ovação dispensada aos governantes que gravitam em torno de Cavaco, e a este, quando foram, em bando, prestar vassalagem ao novo patriarca de Lisboa.

Os portugueses perdem um módico de segurança e dignidade, que era função do Estado assegurar, e são entregues como mercadoria pia ao arbítrio das sacristias e a instituições privilegiadas pelos detentores do poder político.

A religião católica deixou de ser um assunto particular que cabe ao Estado respeitar, tal como todas as outras associações legais, e passa a parte integrante, sem se saber onde começa o poder das sotainas e termina o dos agentes do Estado.

Vamos por mau caminho. Querem impor-nos o Céu fazendo-nos descer ao Inferno.

23 de Janeiro, 2012 João Vasco Gama

Curas pela Fé

Alguns charlatães enriquecem à custa da Fé das pessoas, e usam entre outras ferramentas de persuasão as «curas pela Fé».

James Randi desmascara o célebre Peter Popoff:

E aqui Derren Brown explica alguns dos truques que são utilizados:

19 de Outubro, 2011 Raul Pereira

O conselho do pastor

Conselho do Pastor



Só por mera curiosidade, alguém no Brasil me pode dizer se já conhecia este conselho pertinaz? E o pastor em causa, será este? É que, a avaliar pela amostra, não me admiraria nada…

14 de Outubro, 2011 Raul Pereira

O bug de Steve Jobs…

…chamava-se Budismo temperado com pitadas de balelas new-age. Na opinião de Ramzi Amri, cirurgião oncológico da Harvard Medical School, que tem estudado formas do cancro que afectou o ex-patrão da Apple, a recusa em receber tratamentos pela medicina cientificamente comprovada poderá ter sido a causa da sua morte prematura, como explica o cientista no Quora.

Devo alertar primeiro que este não é um artigo contra Jobs, mas uma breve reflexão sobre o que parecem ter sido as suas opções de tratamento. Aqui não é o lugar para discutir a importância de Jobs neste início de século, nem se os Mac são melhores do que os PC, ou se o Android é superior ao iOS; até porque, embora adore computadores, considero que ainda estamos na infância da informática e continuo a achar que são todos um grande monte de esterco adorável, sem excepção: nem uma mísera cópia-de-segurança do nosso cérebro podemos fazer ainda, por exemplo! Como bosta magnífica que são, não tomo partido por nenhum, o debate é infrutífero. E longe de mim cometer o erro de atacar imediatamente quem adora os produtos Apple ao ponto de ficar dias numa fila, pois estas questões são exactamente como a religião: cada um segue o culto que quer (ou não segue nenhum) e ninguém tem nada a ver com isso… Sim, pronto, foi uma tentativa de piada. Nunca desistir do sentido de humor. Adiante.

A questão aqui é tentar perceber como é que um homem com a formação de Jobs preferiu confiar nas «medicinas» alternativas em detrimento da Medicina. E é muito difícil encontrar uma resposta quando falamos de um homem que profere um discurso como este [vídeo com legendas em Português] e não nos concentrarmos na sua espiritualidade e na época em que a adquiriu — viagem à Índia incluída. É que, ainda por cima, e de acordo com Ramzi Amri, o cancro que afectou Jobs nem era particularmente mortal, nem tampouco era o demolidor cancro pancreático que os meios-de-comunicação social (sempre rigorosos nestas coisas) divulgaram exaustivamente, mas uma forma de carcinoma que, apesar de ter tido origem no pâncreas, faz parte de um grupo restrito de tumores neuro-endocrinais que têm um prognóstico de tratamento bastante favorável, bastando para isso removê-los. Sim, simplesmente, sem beber urina diluída milhentas vezes em água, ou engolir uma pastilha de Gingko-biloba concentrado com ameixa de Elvas. Leva-nos até a questionar se teria sido o mesmo Jobs que disse, naquele discurso: «Don’t be trapped by dogma — which is living with the results of other people’s thinking». Recordámo-nos de súbito que sim, pois uns minutos antes tinha dito que caminhava 11 quilómetros para ir comer ao templo de Krishna, aos domingos… Ele afirma também, nessa mesma comunicação, que tinha sido submetido a cirurgia e havia retirado o tumor. Pois, mas passados anos a tentar mezinhas e apenas em último recurso, quando já era tarde demais, levando-o, até, a ter que remover o fígado e ao célebre transplante que se seguiu.

Claro que, para ele, que passou pela doce juventude nos anos 70 e, por essa razão, tal como tantos outros homens e mulheres na sua faixa etária no mundo ocidental, não lhe foi fácil pôr de lado as idiotices orientais que os ácidos ajudavam a cimentar nas sinapses. Mas, claramente (e ressalvando o facto de que Ramzi Amri fala sempre do ponto de vista hipotético), isto é o que pode acontecer quando se deixa passar a Ciência para segundo plano e o «veneno» da irracionalidade, como lhe chamou Hitchens, continua a corroer por dentro, mesmo em mentes brilhantes.

Steve Jobs nos anos 70

Steve Jobs nos anos 70

 

Steve Jobs, infelizmente, não era nenhum cientista. Ele geria, na sua forma peculiar, a criação de objectos tecnológicos e, como grande gestor que era e com a sua visão ousada e conhecimento único do seu cliente-alvo, tornou a Apple numa das empresas mais poderosas do mundo, o que já não foi pouco e é louvável a todos os níveis. Da Ciência, lamentavelmente, ele só mantinha a confiança nos componentes que lhe serviam para fabricar os seus produtos, pois para o que realmente importava, preferiu ignorá-la.

Para quem enaltece o Budismo e as paranóias new-age quando em comparação com outros cultos, este caso devia dar que pensar. Conheço até ateus que nutrem simpatia pela religião do obeso e pachorrento filósofo oriental. Amigos, tenho uma novidade para vocês: a religião é religião, é religião, é religião, é religião, e sempre esteve podre tanto a ocidente como a oriente, por toda a face do orbe terrestre.

Há uma frase que Jobs proferiu em Stanford que, apesar de completamente retirada do contexto, resume tudo: «It was awful tasting medicine, but I guess the patient needed it.»