Loading

Ricardo Alves

17 de Março, 2005 Ricardo Alves

Mitos americanos

(1) Sempre houve tolerância religiosa nos EUA
No século XVII, os Puritanos do Massachusetts enforcaram dois «quakers» que se recusavam a deixar a província. No mesmo século, os católicos estavam proibidos de praticar a sua fé em todas as colónias com as excepções de Rhode Island e da Pensilvânia, e o Massachusetts ameaçava executar todos os padres (católicos) que passassem pela colónia mais de uma vez. Apesar disto e das perseguições às bruxas de Salem, não falta quem acredite que os EUA, mesmo antes da independência, eram um paraíso de tolerância religiosa.
(2) A separação destinava-se a proteger as igrejas do Estado
A separação entre igreja e Estado conferida pela célebre «primeira emenda» não se destinava a proteger as igrejas do Estado (conforme afirmam alguns americanófilos menos informados), mas sim a proteger as igrejas umas das outras. O risco, à data da independência, era a predominância que uma igreja pudesse vir a ter sobre as outras usando o Estado.
(3) A população dos EUA sempre foi muito religiosa
A religiosidade da população dos EUA é um fenómeno posterior à independência, que atingiu o seu máximo no século XX. Na época da independência, apenas 17% dos habitantes dos EUA pertenciam a uma igreja. Por volta de 1950, esse número tinha subido para 60%.
(Publicado originalmente no blogue «Esquerda Republicana».)
15 de Março, 2005 Ricardo Alves

«A Laicidade em Espanha» em debate

No dia 22 de Março (terça-feira), às 21 horas, haverá um debate sobre «A Laicidade em Espanha» no Centro Escolar Republicano Almirante Reis (Rua do Terreirinho nº77, na Mouraria, em Lisboa).
O debate contará com a presença de Juan Barón, da Asociación Europa Laica, e de Luis Mateus e Ricardo Alves, da Associação República e Laicidade.
Será uma ocasião única para debatermos a progressão recente da laicidade num país próximo do nosso e onde a situação (ensino da religião nas escolas, financiamento da ICAR, casamento civil) tem evoluído rapidamente.
(Marquem nas agendas e compareçam!)
14 de Março, 2005 Ricardo Alves

Juramento religioso em tomada de posse

Na Grécia, os seis deputados do Synapismus (um pequeno partido de esquerda) e dois do PASOK (socialista) ausentaram-se do parlamento durante a cerimónia de tomada de posse do novo Presidente da República, Carolos Papoulias, em protesto contra a oração que é tradicionalmente proferida nesta ocasião pelo líder da igreja grega, o arcebispo Christodoulos.
Segundo um comunicado do Synapismus, «as instituições religiosas são legitimadas pelo povo e não pelos dirigentes religiosos» e os juramentos religiosos «conduzem ao modelo teocrático de Estado».
A Igreja Ortodoxa Grega (IOR) tem estado envolvida, nos últimos meses, em vários escândalos de corrupção, que têm atenuado a tradicional complacência popular com a igreja do Estado. Num desenvolvimento indubitavelmente positivo, o PASOK aprovou recentemente, em congresso partidário, uma resolução prevendo a separação da Igreja do Estado. Em 2001, quando estava no poder, este partido rejeitara uma emenda constitucional nesse sentido.
Deve recordar-se que, com a possível excepção de Malta, a Grécia é o país mais clerical da União Europeia. A IOR é um ramo do funcionalismo público, a criação de novos locais de culto «heterodoxos» depende da autorização da IOR, e existe uma lei contra a blasfémia que ainda é usada (como notou o João Vasco). A Igreja que a Constituição considera «predominante» foi afrontada pelo poder político uma única vez, quando em 2001, sob pressão da União Europeia, os bilhetes de identidade emitidos a partir dessa data deixaram de referir a religião de origem do seu portador. Sendo estes documentos de identificação vitalícios, a esmagadora maioria da população grega ainda possui documentos de identificação oficiais referindo a religião.
Esperemos que os políticos gregos tenham a coragem de empreender a indispensável laicização do Estado grego.
7 de Março, 2005 Ricardo Alves

O Reino Unido não é laico

A diferença fundamental entre a República francesa e o Reino Unido foi confirmada numa decisão judicial que reafirmou o direito de uma jovem de origem bangladeshi a usar o «jilbab», um manto que a cobre de tal forma que apenas as mãos e o rosto ficam a descoberto. De acordo com o acórdão judicial, «[o Reino Unido] não é um Estado laico (…) as escolas têm o dever de assegurar que os alunos tenham educação religiosa, e que cada aluno participe numa oração colectiva por dia, a menos que o encarregado de educação peça escusa». A não laicidade do Reino Unido e o carácter confessional das escolas britânicas são reafirmados várias vezes ao longo do acórdão judicial, com o objectivo de distanciar o ordenamento jurídico britânico daquele que vigora na Turquia, na Suíça ou na França.
Shabina Begum, hoje com 16 anos, fora excluída da sua escola em Setembro de 2002, quando após a menarca aparecera na escola não com o traje tradicional que usara até então e que cobre os cabelos (o que é aceite na sua escola) mas com um traje mais longo (o «jilbab»), que lhe permite disfarçar também as suas formas corporais. A directora da escola, sendo muçulmana numa escola de maioria (a 80%) muçulmana, temeu que o exemplo desta jovem pressionasse outras alunas a aderirem às versões mais integristas do Islão. Significativamente, o irmão de Shabina, que é um militante da organização de extrema direita «Hizb ut-Tahrir», parece ter tido um papel crucial quer na conversão de Shabina ao fundamentalismo quer no processo legal, para o qual recrutou a advogada Cherie Booth (a esposa de Tony Blair).
Conforme se torna cada vez mais claro, só a assunção clara da laicidade e do papel da escola não confessional na transmissão de valores republicanos como a igualdade de género e a mistura entre rapazes e raparigas poderá fazer frente à ofensiva dos extremistas islamistas. E, nesse aspecto, a França está melhor preparada do que o Reino Unido.
1 de Março, 2005 Ricardo Alves

Ensinar o ateísmo?

O padre António Rego defende (na Agência Ecclesia) que a religião continue a ser ensinada na escola pública, e justifica-o afirmando que «o religioso não é um elemento recôndito ou clandestino do ser humano». O editorialista da Ecclesia destaca, aparentemente como exemplares, as declarações de um ministro dinamarquês que afirmou «[preferir] uma escola multi-confessional que aceite, no mesmo grau, os símbolos muçulmanos, a uma escola que interdite as religiões» (do último caso serão exemplos, horrendamente jacobinos, as escolas da França e da Turquia). António Rego não resiste sequer a classificar como coisa de «regimes totalitários e repressivos» a ausência de ensino da religião nas escolas públicas.
Situemo-nos. Na ocidental República portuguesa, o ensino da religião católica a expensas do Estado está garantido, e mesmo salvaguardado por um tratado internacional (a Concordata) que só poderá ser alterado com o consentimento de ambas as partes. A lei dita «da liberdade religiosa» regulamenta as condições em que algumas igrejas, escolhidas a dedo, podem ensinar a sua religião na escola pública. Se alguma opção filosófica não está contemplada com uma disciplina própria no ensino que todos pagamos, é o ateísmo.
Em boa lógica, António Rego deverá concordar comigo quando acrescento que o ateísmo também não é um «elemento recôndito do ser humano». É uma opção tão legítima como a crença, católica ou outra. Defenderá portanto António Rego que o ateísmo e os seus símbolos estejam presentes nas escolas públicas portuguesas, retirando assim esta opção historicamente tão reprimida da situação em que actualmente se encontra, e que António Rego classificará sem dúvida de «clandestina»? Considerará o actual regime «totalitário» por não permitir o ensino do ateísmo?
Pessoalmente, dispenso favores do Estado para a difusão da minha opção filosófica. Prefiro uma escola laica em que a crença, ou a sua ausência, fique com o íntimo de cada um. Talvez isto seja jacobinismo, mas justamente por não vivermos num Estado totalitário é que cada um é livre de se organizar para difundir as suas ideias. Mas estas organizações deveriam ficar à porta da escola de todos.
28 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

«Deus» não é necessário para ter ética

Segundo uma sondagem em catorze países da Europa, 71% dos europeus acreditam em «Deus», embora apenas 53% acreditem na «vida depois da morte». Os números variam desde 37% de crentes na Chéquia até 97% na Polónia. No entanto, menos de metade dos europeus (43%) acreditam que a religião é necessária para «distinguir o bem do mal». A sondagem foi encomendada pelas «Selecções do Reader´s Digest» através de institutos nacionais na Alemanha, Áustria, Bélgica, Chéquia, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia e Suíça.
Fonte: Laic.info.
28 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Lei da blasfémia em debate no Reino Unido

É possível que venha a ser aprovada no Reino Unido uma lei contra o «incitamento ao ódio religioso», especificamente concebida para proteger da crítica o Islão. Existem razões fundadas para temer esta limitação à liberdade de expressão, como argumentam Salman Rushdie (que ainda sofre na pele as consequências de criticar a religião) e Timothy Garton Ash. Actualmente, ainda está em vigor no RU uma lei que protege o cristianismo contra a blasfémia. Uma proposta para revogar esta última lei foi derrotada.
28 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

A Comissão Europeia prefere a Cientologia aos Humanistas

No dia 16 de Novembro, a Comissão Europeia reuniu com representantes de várias igrejas, desde a Igreja Católica Apostólica Romana até à Igreja da Cientologia. Não foi convidado qualquer representante das organizações laicas, humanistas ou ateístas. Respondendo a perguntas de deputados ao Parlamento Europeu, José Barroso afirmou há poucos dias que este tipo de reunião pode ser encarada efectivamente como um prenúncio do «diálogo aberto, transparente e regular» previsto no artigo I-52 do projecto de Tratado da União Europeia, e não foi claro quanto à inclusão futura de organizações não confessionais neste tipo de diálogo.
(Informações da Federação Humanista Europeia).
25 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Laicidade em debate

CICLO DE CONFERÊNCIAS/DEBATE
(no norte do país)
LAICIDADE: UM BOM PRINCÍPIO PARA O SÉCULO XXI

Terão lugar as seguintes sessões:
PORTO
ATENEU COMERCIAL (Sala da Biblioteca), Rua Passos Manuel (junto a Santa Catarina, perto da FNAC) – a 25 de Fevereiro (sexta-feira), pelas 21:30 horas.
GUIMARÃES
C.A.R.- CÍRCULO DE ARTE E RECREIO, a 26 de Fevereiro (sábado), pelas 21:30 horas.

AVEIRO

Livraria O NAVIO DE ESPELHOS, a 27 de Fevereiro (domingo), pelas 21:30 horas – Rua 31 de Janeiro nº10, 3810-192 Aveiro (ao lado do Teatro Aveirense e da Câmara Municipal de Aveiro, no centro da cidade).

BRAGA

BIBLIOTECA LÚCIO CRAVEIRO DA SILVA (a nova biblioteca de leitura pública) – Largo Paulo Orósio, no centro da cidade, a 1 de Março (terça-feira), pelas 21:15 horas.
(Divulguem e apareçam!)
21 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

O que é uma seita?

Ninguém declara espontaneamente que o seu grupo religioso é uma seita. Seitas, para qualquer crente, são sempre outras religiões (ou algumas das outras), necessariamente condenáveis. O problema é que aquilo que se condena existe muitas vezes na religião de quem condena. Ser seita ou religião depende do ponto de vista.
Se não, vejamos: a palavra «seita» é usada habitualmente, por crentes ou ateus, em duas acepções.
Numa primeira acepção, mais abrangente, uma seita é qualquer grupo que disside da religião maioritária num dado local e momento histórico, geralmente seguindo um líder carismático. Nesse sentido, quase todas as religiões são seitas, embora umas tenham tido um sucesso maior do que outras. O cristianismo, por exemplo, será uma seita que dissidiu da religião judaica seguindo JC (na versão eclesial e mítica) ou Paulo de Tarso (na versão céptica, e dado que não existem provas históricas da existência de JC). Recorde-se que o islão foi tratado de «seita maometana» pelos cristãos pelo menos até ao século 16, e que as «seitas protestantes» (que seguiam Lutero,Calvino, etc.), dado o seu sucesso, passaram rapidamente a ser referenciadas como religiões. No entanto, dada a carga pejorativa associada ao termo, o seu uso deixa de ser corrente quando o número de seguidores e a continuidade histórica de um grupo religioso lhe conferem «respeitabilidade». Todavia, embora seja pouco comum, é estritamente correcto afirmar que o catolicismo é uma seita (de sucesso) e não é impossível que a IURD ou a Igreja Maná deixem de ser referidas como «seitas» num futuro mais ou menos próximo.
Numa segunda acepção, mais restrita, uma seita é um grupo religioso que exerce um controlo apertado sobre os seus seguidores. Esta definição é mais vaga do que parece, pois quase todas as religiões exercem, de alguma forma, controlo sobre os seus membros, estando as diferenças no grau de controlo. O catolicismo tem uma vasta gama de preceitos para os seus seguidores, e através (por exemplo…) da confissão, verifica se os seguem. No entanto, sente-se actualmente a necessidade de usar um termo (e em português tem sido «seita») para grupos mais fechados, que controlam mais aspectos da vida dos indivíduos e dos quais, portanto, não se sai facilmente. Ao contrário do que se pensa, estes grupos, incluindo os que conseguem levar alguns dos seus membros ao suicídio (Templo do Sol, Porta do Céu, Al-Qaeda) não são, historicamente, uma novidade. Existe muita discussão sobre se se deve ou não controlar as actividades destes grupos. Alguns países elaboram relatórios oficiais que pretendem alertar os seus cidadãos para o «perigo» destes grupos que efectuam «lavagens cerebrais» e que exigem aos seus membros a ruptura dos laços sociais (familiares ou profissionais). E no entanto, quase todas as religiões apelam a um «renascer» que pode ser olhado como «formatação mental», e quase todas exigem alterações na vida dos seus seguidores. As diferenças são de grau ou de modo.

Uma seita pode ser, portanto, qualquer grupo religioso que induza os seus membros a fazer algo que eu não aprovo. O que dá para tudo.