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Onofre Varela

1 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

O mistério da água na Criação

Neste momento tenho em mãos a finalização de um projecto de livro onde abordo o Génesis bíblico sob o ponto de vista de um leitor laico da Bíblia.

Interpreto os textos bíblicos com o conhecimento do meu tempo (e apenas daquele conhecimento que detenho, ou imagino deter, porque sei que não sei tudo) sem esquecer que os autores das narrativas bíblicas não o possuíam, e só puderam registar o conhecimento que tinham no tempo e no lugar em que as escreveram há cerca de 3000 anos. Obviamente, os seus saberes (no âmbito das minhas premissas) seriam muitíssimo mais limitados do que são os de qualquer um de nós (dos interessados pelo mesmo tema), três milénios depois.

De acordo com isto, o que se narra no Génesis mereceu-me a apreciação que faço no referido projecto de livro, dando conta de que a simplicidade com que a “Criação divina” é descrita na Bíblia se assemelha a um conto infantil dos mais puros, cujas acções narradas não precisam de coerência, aparecendo do nada sem qualquer ligação com a realidade das coisas.

O infantil leitor não tem qualquer dúvida sobre a verdade do conto entendendo-o como verdade sem necessitar de o ver explicado.

Uma narrativa deste tipo não pode ser negada, porque é ficção poética… e é bonita!…

Como tal, não pede explicação nem merece contestação. Seria uma estupidez contestar um poema!

A liberdade criativa dos poetas, dos escritores e dos artistas em geral, não tem limites. A dos autores dos textos bíblicos também não… e devemos entendê-los num enquadramento temporal, geográfico, social e político, que hoje temos muita dificuldade em imaginar.

Porém, para os intrinsecamente crentes, isto não é poesia… é da melhor realidade histórica a merecer crédito imediato!

E é aí que começa a crítica que tais crentes merecem (não a poesia da Criação), por parte de quem ultrapassa as interpretações de fé, aceita a poesia, mas não permite que lha dêem como sendo notícia de um acontecimento real.

Uma narrativa deste tipo não pode ser contestada enquanto texto poético. Contestá-la seria uma atitude tão sem nexo como é afirmá-la… não se contestam brincadeiras de criança, nem lendas, nem poemas.

As lendas são para serem lidas e apreciadas nas suas poéticas, e apreendidas as lições subliminares que, eventualmente, possam conter, não sendo líquido que todas as contenham.

O Génesis nada mais é do que isso, e na sua apreciação devemos considerar as circunstâncias em que foram registadas estas ideias com a presunção de serem reais, não esquecendo que os autores do Velho Testamento as copiaram de narrativas da civilização Suméria, na pretensão (e presunção) de escreverem a história do povo judeu como sendo o “povo eleito de Deus”.

Porém, como as religiões gostam de afirmar a “realidade contida na palavra de Deus”, neste meu exercício lúdico de imaginação pura que transcrevo na hipótese de livro e que aqui comento, encaro a “veracidade da narrativa” conforme a vontade daqueles que a afirmam. Consequentemente, coloco no referido projecto de livro o rosário de dúvidas que tal “realidade” me suscita, sem pretender nada mais que não seja, simplesmente, fazer um exercício lúdico.

Vejamos: o Génesis diz-nos que Deus criou o mundo em nove etapas, ou tarefas. Quase dia sim, dia não, obrava duas delas, num total de seis criações, e as restantes três contaram com um dia para cada uma.

As tarefas do primeiro dia incluíam a criação “dos céus e da terra, da luz e da separação do dia e da noite”. No segundo dia foi criado “o firmamento”, e só no terceiro dia se procedeu “à separação da terra e do mar” (sendo o mar composto por água… é aqui que está o berbicacho!… Já volto ao assunto).

A grande obra de Deus iniciou-se com a tarefa de criar estes dois primeiros elementos: os céus e a terra. No contexto da criação do mundo entendo o termo Terra como substância constituinte do solo do planeta (Land, em inglês), e não no seu todo enquanto planeta (Earth, em inglês), porque Deus terá criado o mundo por etapas, e a terra (Land) foi uma delas. Se o termo Terra referisse o planeta (Earth) não haveria nada mais para criar depois dele, porque o planeta compreende um todo, incluindo o solo, a água, a atmosfera e todas as formas viventes, vegetais e animais que lhe são próprias, pelo que a obra ficaria completa na primeira tarefa.

É de notar que esta primeira criação foi obrada às escuras, pois a luz ainda não havia sido criada (e o termo céus, no plural, é enigmático). Portanto, após a primeira criação, não havia nada mais do que céu (não se sabendo bem o que isso seja) nas alturas, e rocha, terra e pó, no abismo.

Porém, prevalece este mistério: O início do Génesis começa por afirmar que “o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Génesis: 1;2)… que águas?!… De onde brotaram elas?!… Se foi o mesmo Deus quem as criou, os escribas esqueceram-se de registar tão importante e vital criação!

Imagem gerada por IA.

Se o Génesis não refere a criação da água, mas afirma a sua existência após a primeira criação (os céus e a terra), devemos aceitá-la como existindo prévia e independentemente da obra e da vontade de Deus?!… E em que recipiente se encontrava ela?!…

Coisa estranha… mesmo para um poema!…

29 de Novembro, 2024 Onofre Varela

Levanta-te e pensa

«Pensar é o trabalho mais difícil que existe, o que é provavelmente a razão porque tão poucos se envolvem nele»

(Henry Ford. 1863-1947)

A minha crónica de hoje é a transcrição do texto de abertura da 2ª Edição do meu livro “O Homem Criou Deus”.

O seu título é uma adaptação do que se lê no Novo Testamento, na cura do paralítico de Cafarnaum: “Levanta-te e anda” (Mateus: 5; 6), cujo figurino é usado em comédia no programa televisivo “Levanta-te e ri”.

Tal como o exemplo desta frase que foi adaptada repetidamente e usada em diferentes situações, também a vida de cada um é uma repetição da vida de todos nós, com mais ou menos nuances que emprestam outro colorido à nossa vida, tal como as diferentes fórmulas que glosam a frase bíblica que conduziu ao título desta prosa.

Ninguém inventa a sua vida… todos a temos oferecida pelo nascimento que não pedimos (o filósofo Agostinho da Silva dizia que “nasce a gente de graça, para depois ter de ganhar a vida!)… depois, todos nós a podemos melhorar ou piorar de acordo com as acções usadas no preencher dos dias, ornamentando-a com as melhores cores que conseguimos engendrar, ou pintando-a a preto e branco… embelezando-a ou borrando-a.

A escolha é nossa… mas também pode ser condicionada pela sociedade.

Por muito má que consideremos ser a nossa vida, há sempre um momento para nos determos numa reflexão suficientemente profunda e encontrarmos algum modo de corrigirmos o rumo que, por qualquer razão, intuímos não nos conduzir para o melhor dos destinos que para nós sonhamos.

Esta reflexão filosófica é uma função positiva da Religião… talvez a principal… não será a única porque é acompanhada pelo processo do luto que menoriza o sofrimento.

Porém (há sempre um “porém” que pode fazer a diferença das nossas escolhas) devemos estar atentos à corrente do “rio religioso” que decidimos navegar!… Ela nem sempre nos dirige para a melhor foz, nem nos conduz pelo melhor leito!

A corrente pode transportar-nos para águas mansas e calmas, permitindo-nos a contemplação das margens que as guiam, ou, pelo contrário, podem desaguar em desfiladeiros tormentosos com correntes imparáveis de efeitos desconhecidos quando as margens, ao invés de guiarem a corrente da água… a comprimem e convulsam!

A escolha da rota é sempre do discernimento de quem navega o rio da Religião…

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico.

Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

OV

28 de Novembro, 2024 Onofre Varela

Sobre a Sabedoria

Fonte: Pixabay

No centro de todas as coisas está uma grande verdade que teimamos em não ver. Ela diz que todos nós somos ignorantes, por muito sabichões que nos sintamos! A presunção e a vaidade de nos imaginarmos certos, são características do Ser Humano… e a condição humana tem os seus custos.

Não se é humano impunemente, a consciência paga-se, e as consciências “religiosa e pátria” são duas das pesadas facturas que andamos a tentar liquidar desde que inventamos deuses e fronteiras… e vamos continuar a pagá-las por muitas e incontáveis gerações, enquanto consumidores de mitos adorados e afirmados como “realidades indesmentíveis”.

Julgámo-nos civilizados por vestirmos de acordo com a última moda de Londres, Roma ou Paris e usarmos o último modelo de telemóvel. Afirmámo-nos sábios só porque sabemos dizer “Ácido Desoxirribonucleico”… mas na verdade a nossa ignorância e cupidez não têm limites.

Todos nós somos ignorantes. Os próprios cientistas só estudam e investigam porque não sabem!… Se soubessem não precisavam de se dar a esse trabalho, porque já sabiam!

Os cientistas são os técnicos superiores da classe profissional cuja missão é a procura de explicações, tal como um detective investiga e procura a verdade de um crime. Lá porque tais trabalhadores se encontram afogados na preocupação de investigar, experimentar e comparar, não se pense que estão sempre a tropeçar em conclusões indesmentíveis, óptimas e certeiras. Não!… Bem pelo contrário; o erro é, talvez, a palavra mais mencionada nas investigações científicas.

O cientista esbarra mais vezes no erro, do que encontra certezas. Reconhecer o erro e seguir outro rumo, é meio caminho andado para o encontro da verdade que se procura. Sem a capacidade de se reconhecer e aceitar os erros cometidos (descartando tais hipóteses) não há avanço científico.

Ao contrário dos cientistas que procuram navegar o mar do conhecimento, no lago das águas inquinadas da Política e da Religião, o seguidismo de credos bolorentos e extremistas, mais a ignorância e a insensibilidade, têm sido as ferramentas com que se formam governos e destroem sociedades.

Uma sociedade verdadeiramente construída por gente civilizada e sábia, não tem lugar para deuses, nem para corruptos e ditadores, nem o Povo passa mal, nem o poder económico está nas mãos de meia dúzia de famílias… nem, sequer, é poder… o que quer dizer que não há sociedades com tal inteligência e sensibilidade, pois em nenhuma assenta este retrato!…

O Ser Humano é a última etapa evolutiva da vida na Terra… e ainda está verde. Somos a derradeira experiência da Natureza e toda a História da Humanidade se inscreve na ponta final desse espaço ínfimo de tempo que o Holoceno representa no bilhete de identidade do planeta, e mais precisamente no Antropoceno, o período mais moderno, em que temos provocado mudanças ambientais e trágicas.

Sendo um tempo demasiadamente curto para um apuro natural da espécie recém-nascida, já é demasiadamente longo nas inúmeras acções desestabilizadoras que promovemos no meio que nos criou.

Consciente ou inconscientemente somos agressores constantes da Mãe Natureza que nos permite viver. Destruímos demasiados espaços verdes, poluímos rios, mares e a atmosfera. Promovemos a extinção de espécies animais ao matá-los para comer e por desporto, e ao destruir-lhes o “habitat”.

Somos suficientemente ignorantes para não darmos conta de que, com todas essas acções, cavamos a nossa própria sepultura num suicídio colectivo e lento… mas, infelizmente, eficaz.

E quem alerta os poderes para esse trágico fim à vista, não é convenientemente ouvido, porque a destruição enriquece os destruidores que os poderes políticos e económicos protegem… o que é exemplo de primitivismo puro!…

Este primitivismo em que nos movimentamos, na convicção de sermos expoente máximo da evolução e de termos as melhores ideias da vizinhança, é o retrato de todos nós embora não o queiramos assumir, nem ver.

Assumir as nossas fraquezas e os nossos erros é um sinal de inteligência… mas a maioria esmagadora de nós (enquanto povo governado) e, provavelmente, a totalidade dos mandantes (que nos governam) está amputada dessa sensibilidade.

Em tal contexto, o mundo é, cada vez mais, um sítio perigoso para se viver… mormente quando assistimos à tomada do poder por imperadores fora do tempo dos impérios, que derramam sangue e destroem, na ânsia de exercerem um poder pacóvio, estúpido e criminoso.

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

OV

3 de Novembro, 2024 Onofre Varela

Halloween, o dia das Bruxas

As pessoas da minha idade que celebram o dia 1 de Novembro, atribuem à data duas recordações, sendo uma histórica e outra religiosa: a primeira, é o dia do terramoto que destruiu Lisboa no ano de 1755, e a outra é o “dia de todos os santos”, no qual a tradição manda lembrar os mortos da família numa romagem de saudade ao cemitério onde estão sepultados, dando uma ajuda ao negócio das flores que nesse dia triplicam ou quadruplicam o preço, de acordo com a regra económico-capitalista “da oferta e da procura”.

A estes dois eventos soma-se mais um que não era atendido na cultura portuguesa do meu meio social no tempo da minha meninice e primeira juventude, tendo sido importado de países ocidentais anglófonos. Refiro-me ao “Halloween”.

Celebrado na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, o Halloween é uma festa americana das crianças que escolhem guarda-roupa de fantasia fantasmagórica para, assim trajadas, baterem à porta de vizinhos, amigos e familiares, pedindo guloseimas (gostosuras) e fazendo travessuras se não forem atendidas.

A origem desta tradição, que pede uma decoração das casas usando abóboras-lanterna, o acender de fogueiras e o contar histórias de assombração, pode ser encontrada em rituais celtas ligados ao fim do Verão e às colheitas agrícolas, e remonta ao século XVIII nos territórios pagãos da Irlanda e da Escócia, cujos rituais foram exportados para o território norte-americano pelos colonos imigrantes que se fixaram na terra dos “peles-vermelhas” (que são os históricos, legítimos e verdadeiros donos daquelas paragens geográficas).

Imagem gerada por IA da Stockcake

Mas a história do Halloween tem uma origem mais alongada no tempo se lhe juntarmos as tradições semelhantes dos povos celtas que habitaram a Gália (França) entre os anos 600 aC e 800 dC. A par do folclore, misto de religioso e pagão, há uma história bem mais dramática ligada à data do “Dia das Bruxas”. Isto dito assim até parece comédia ligeira e faz sorrir… mas vivido no seu tempo constituiu intenso drama sentido pelas mulheres perseguidas por superstição, estupidez e vingança torpe.

Numa sociedade dirigida por homens, tradicionalmente as mulheres nunca foram consideradas na exacta medida da igualdade que naturalmente têm perante os homens. Remetidas para uma escala menor, as mulheres ainda hoje (na nossa sociedade ocidental considerada tão “avançada”), auferem vencimento inferior aos homens que executam a mesma tarefa. (“Desigualdade salarial entre homens e mulheres voltou a aumentar”. Notícia de 9 de Julho de 2024, no jornal Público).

Tempos houve em que qualquer mulher que fugisse do padrão comportamental estabelecido pelos machos da sociedade, passava a ser considerada “bruxa” e, como tal, era perseguida, insultada, presa, torturada e morta violentamente, incluindo ser queimada viva.

Para que uma mulher fosse considerada bruxa bastava que ela mostrasse ser mais inteligente do que os homens que lhe eram próximos. Mulheres que exerciam actividades sociais de relevo, como prestar ajuda a parturientes e preparar medicamentos tradicionais, como hoje se encontram nas ervanárias, podiam ser designadas como bruxas por terem conhecimentos importantes para a época… e no extremo seriam perseguidas pelo complexo de inferioridade dos homens que, na convicção de mostrarem a sua “grandeza enquanto machos”, só sublinhavam a sua extrema pequenez perante as mulheres.

A sociedade machista não tinha estereotipado tais características para as mulheres… por isso, qualquer uma que saísse do padrão subserviente e temente ao homem, estava sujeita à perseguição porque, acreditavam eles, ela “teria feito um pacto com o diabo”. A partir daí podia ser humilhada, torturada e morta.

Na verdade o que acontecia tinha uma razão mais evidente e igualmente triste: a sociedade machista via nessas mulheres uma “ameaça à dominação masculina”, cujo sentimento de prepotência remonta à tradição judaico-cristã de o homem dominar a mulher, não permitindo que ela tenha vida própria para além daquilo que ele estipula “ser legal” para ela, tal como ainda hoje se observa na tradição religiosa de países islâmicos extremistas… e também em algumas famílias portuguesas… já agora!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

20 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Humanidade e lei religiosa

Cada país rege-se pelas leis aprovadas no seu parlamento, formado pelo voto popular, ou impostas por um ditador. Retirando a segunda hipótese que as pessoas bem formadas rejeitam, é comum (por respeito à liberdade) não nos imiscuirmos na política interna dos outros países, tal como não ditamos leis na casa dos nossos vizinhos. Mas as leis não caem do céu como as folhas outonais caem das árvores… há uma “História das Leis” ligada ao desenvolvimento da Civilização. 

No Egipto Antigo, há 5.000 anos, já havia uma lei escrita para governar o país, baseada na tradição e na igualdade social, e há 3.800 anos o Código Hamurabi regia a lei na Babilónia.

O Antigo Testamento tem mais de 3.300 anos e assume a forma de imperativos morais (alguns deles duvidosos hoje, mas todos aceites naquele tempo, naquele lugar e por aquela gente) como recomendações para uma boa sociedade.

Há cerca de 2.900 anos, Atenas foi a primeira sociedade a basear-se na ampla inclusão dos seus cidadãos, mas excluindo mulheres e escravos. A lei romana foi influenciada pela filosofia grega e impôs-se na Europa Medieval após a queda do Império Romano, tendo sido retocada com preceitos religiosos. Depois surgiu a necessidade de redigir leis internacionais para regular o comércio em toda a Europa e no mundo.

Toda esta retórica me serviu para dizer que embora cada país tenha a autoridade legal e inalienável de ditar leis aos seus povos, é igualmente verdade que a liberdade de cada pessoa em qualquer parte do mundo é, também, inalienável à luz do Humanismo e do conceito da igualdade e do respeito pelo próximo. Nesse sentido há leis de governos que, pela sua desumanidade, merecem o repúdio de todos nós.

Podemos dizer que cada Povo tem a sua sensibilidade, e que esta será a base das leis que o rege. Porém, o Humanismo não está presente nas leis de alguns países… e o Ser Humano é igual em qualquer parte do mundo. Cada um de nós tem o mesmo sistema nervoso que permite sentir alegria e tristeza na mesma experiência de vida, independentemente do ponto cardeal em que se nasça ou viva, e não precisamos de estudar Direito nem tradições sociais, para sentirmos o que é justo e o que é injusto.

As tradições sociais e religiosas de um país ou de uma sociedade não legalizam a maldade. Numa aldeia transmontana era tradição prender um gato no cimo de um poste, ao qual se ateava fogo!… Numa outra localidade espanhola era tradição lançar uma cabra viva das ameias de um castelo para um penhasco!… Se eram “tradições culturais” comunitárias… eram, também, acções desumanas e cruéis que a lei de um país moderno não pode outorgar; por isso foram anuladas. As leis não podem ser desligadas do respeito devido a qualquer ser humano ou animal, seja aqui ou nos antípodas (por cá, espero que as touradas desapareçam brevemente).

No Irão pratica-se uma lei que não é modelo de respeito em lugar nenhum do mundo… começando por não o ser no próprio Irão. Notícia recente (JN, 15/10/2024) dá conta da publicação de nova lei sobre o uso do “hijab” (lenço de cabeça) que castiga com cinco anos de cadeia as mulheres que não o usem. Num comunicado da organização “Human Rights Watch” (HRW) – “Observatório dos Direitos Humanos”, uma organização não governamental – faz-se saber que a nova lei, intitulada “Proteção da família através da promoção da cultura do hijab e da castidade”, foi aprovada pelo Conselho dos Guardiões, o órgão religioso que faz a aprovação final das leis do país.

Tal lei afirma medidas que já vigoravam, e adiciona sanções mais severas, com multas e penas de prisão mais longas, bem como restrições ao emprego e às oportunidades de educação para os infractores.

Jina Mahsa Amini.
ZUMA Press, Inc./Alamy Live News/Alamy

A morte da jovem Mahsa Amini às mãos da polícia em Setembro de 2022, por não usar o hijab conforme a lei manda, desencadeou uma onda de protestos durante meses, com motins nas ruas e a polícia a matar e a prender manifestantes. O governo, em vez de responder ao movimento “Mulher, Vida, Liberdade” com as reformas fundamentais reivindicadas, decidiu “silenciar as mulheres com leis de vestuário ainda mais repressivas, que só podem gerar uma resistência e um desafio feroz entre as mulheres dentro e fora do Irão”, disse a responsável da HRW no Irão.

A nova lei castiga com penas de até cinco anos de prisão a falta de uso do véu e reforça o controle sobre a vida das mulheres e das instituições que não aplicam estas medidas.

Pelo que se vê, o Irão ainda não saiu da medievalidade do pensamento… no pior que a Idade Média continha!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

14 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Sobre a Espiritualidade

Quando se fala em Espiritualidade é comum ouvirmos referi-la sob o ponto de vista religioso, aliando-a a uma fé, de acordo com a definição de dicionário que aponta, como sinónimo, a palavra “misticismo” (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª Edição, 1998). No mesmo dicionário, misticismo é “atitude caracterizada pela crença na possibilidade de comunicação directa com o divino ou a divindade”.

Se seguirmos estas definições encontramo-nos no terreno da crença religiosa que é sementeira de ideias transcendentes relacionadas com as figuras deificas inexistentes no mundo físico que nos fez e acolhe, indo para lá de tudo quanto é natural, na procura de uma outra origem que transgride a Natureza, vogando no espaço imaginativo da crença.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Círculo de Leitores, 2003) navega nas mesmas águas definindo a espiritualidade como “característica ou qualidade do que tem ou revela intensa actividade religiosa ou mística”… quer dizer que seguindo por esta via, pretensamente explicativa, não aprendemos nada que seja real e concreto, e nos distancie do termo enquanto “filosofia de fé”.

Foto de Marc-Olivier Jodoin na Unsplash

O mesmo Houaiss, para a palavra “espírito” aponta, no mínimo, dezoito definições… até o bom vinho o possui! Também lá está a palavra “alma” como sinónimo de “espírito”… mas o termo “alma” tem a sorte de ser bafejado por quatro dezenas de definições, começando pelo “princípio da vida no homem ou nos animais”, passando por pensamento, afectividade, sensibilidade e “conjunto das actividades vitais”. Quer dizer: vida.

Alma é vida. É movimento. A “anima” que possui o significado de “fôlego vital”, respiração ou “sopro da vida”, de onde provém, etimologicamente, a palavra “animal” (ser que tem alma, animação) diferenciando-o dos vegetais, os quais, embora tenham vida, não se auto-locomovem (por não terem animação autónoma) como fazem os animais.

Agora podemos ir mais além nos conceitos que as palavras podem representar, e definirmos “espírito” como “modo de ser”. Há quem, pelas suas palavras, aspecto ou presença, transmita “paz de espírito”; e há quem possua um “espírito irrequieto ou belicoso”. Uma pessoa bondosa e pacífica é definida como sendo “uma paz de alma”.

A espiritualidade é, portanto, característica de seres animados e detentores de um cérebro capaz de um entendimento universalista de si, dos outros e do meio em que se movimentam, para se poderem manifestar sensitivamente: portanto, só o Ser Humano a possui.

Embora quase sempre ligada à esfera do “religioso deifico e transcendental”, a espiritualidade existe em todos nós, quer sejamos crentes, descrentes, assim-assim, nem por isso… ou ateus.

André Comte-Sponville, filósofo francês (1952) fala de “uma espiritualidade sem Deus”, no sentido de termos, todos nós, uma abertura (de espírito, de entendimento) para o ilimitado, no conhecimento de sermos seres relativos e abertos para o “absoluto”.

Nesse sentido, a espiritualidade do ateu caminha ao lado da espiritualidade do religioso, mas dispensando a figura do deus que alimenta a espiritualidade do companheiro da caminhada que ambos encetamos pela estrada da vida.

O alimento do ateu (para além do pantagruélico, que é sempre bem-vindo numa mesa rodeada de familiares e amigos) também passa pela sua espiritualidade, pelo seu lado sensível perante a beleza de uma pintura, de uma estátua, de uma paisagem, de um pôr do Sol, ou de um poema (assisti a um cântico gregoriano na catedral de Santiago de Compostela… e adorei! Nunca experimentei maior prazer auditivo).

A espiritualidade é estudada cientificamente pela “Neuroteologia” (também designada por “Bioteologia”), “Neurociência da Religião” e “Neurociência espiritual”, que investigam crenças, experiências e práticas religiosas ou espirituais. Há uma pesquisa na tentativa de se explicar a base neurológica de experiências religiosas, incluindo a dimensão da espiritualidade e as alterações dos estados de consciência.

O sentido religioso não passa de uma actividade do nosso cérebro. Qualquer ligação que queiramos fazer das coisas e de nós, a um deus, não passa de uma manifestação dos nossos sentimentos mais básicos que nos fazem crer num deus real (para além da guarida que os religiosos dão ao conceito dentro das suas cabeças)… mas que, naturalmente, não desagua em bom mar… até porque o leito onde deveria correr o rio da fé onde navegaria Deus… sempre esteve seco!…

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

6 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Papa Francisco “tropeça” no seu discurso!…

Considero o Papa Francisco I (F1) um elemento renovador da Igreja Católica (IC) pelas atitudes humanistas que tem tomado, de entre as quais se conta a condenação dos abusos sexuais perpetrados no seio da sua igreja por sacerdotes defensores do amor e que tão mal fazem a jovens, abusando-os sexualmente. Jovens que, mercê da violação, têm uma vida de adultos limitada e consumida pela recordação de uma infância destruída por quem os devia proteger.

Qualquer homem, por muito defensor da Justiça, pode incorrer em erro. A prová-lo está o facto de haver juízes com a sua actividade suspensa pela má prática enquanto juristas. Mas quando esse homem é sacerdote, o erro será mais grave porque é (ou pode ser) motivado por uma educação seminarista que molda “agentes religiosos” (em vez de “homens íntegros”), na auto-consideração de serem exemplos morais.

CNN Chile

Motivado pela sua própria educação seminarista, F1 não pode fugir ao fundamentalismo religioso que o moldou e, mercê disso, pode, em alguns momentos, ofuscar o seu discurso que eu elogio.

Desta vez F1 disse algo que merece a reprovação da Associação Ateísta Portuguesa (AAP) da qual sou vice-presidente.

Após visitar a Bélgica, país onde o aborto continua a ser uma questão política, com mais de 500 pessoas a sofreram abusos sexuais por parte de membros da IC, F1 não usou o seu “critério humanista” que eu aprecio. Em vez disso deitou mão à sua “formação seminarista” e debitou um discurso – que eu também reprovo – chamando assassinos (com todo o peso negativo que a palavra contém) aos médicos que cumprem a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, que a AAP critica numa declaração enviada aos órgãos de comunicação social, com o título: “Associação Ateísta Portuguesa considera perigosas as palavras do Papa relativamente ao aborto”, e que é do seguinte teor:

«A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) considera negligentes e ignóbeis as palavras do Papa Francisco sobre o aborto, proferidas recentemente no regresso de uma visita à Bélgica, uma vez que apelidou os médicos que procedem à interrupção voluntária de gravidez (IVG) de assassinos. Mais concretamente, e citando a Euronews, o Papa disse: “Permitam-me o termo: assassinos. São assassinos. E isto é indiscutível. Estão a matar uma vida humana”. Se a posição da Igreja Católica sobre o aborto não espanta ninguém, por não ser uma novidade, as palavras agora proferidas são de uma enorme gravidade não só porque têm o potencial de colocar os crentes cristãos contra os médicos, como ainda são uma interferência de um chefe religioso nas decisões políticas de um outro país. Sabendo que as palavras geram ações, apelidar os médicos de assassinos pode mesmo levar a que fundamentalistas cristãos da Bélgica se sintam legitimados a atacar os profissionais que realizam esses actos médicos, ou instalações clínicas, como aliás acontece nalguns países. Esta posição de Francisco pode também ter consequências para Portugal, uma vez que, segundo as notícias, são muitos os médicos que se recusam a proceder à prática da IVG alegando objeção de consciência, podendo estar em causa uma motivação religiosa. Lembramos que Francisco tem direito a exprimir a sua opinião, mas não lhe é reconhecida qualquer autoridade para influenciar a política ou a legislação de outros países soberanos. A AAP esclarece que as leis de interrupção voluntária da gravidez protegem a saúde das mulheres, por criarem condições seguras em ambiente médico, e porque contribuem na realidade para uma diminuição do número de situações de aborto. Além disso, a IVG tem lugar durante um período temporal em que o feto ainda não é considerado uma vida humana».

Este discurso recente de F1 tem outras nuances que me parecem negativas: concretamente, oPapa foi questionado por jornalistas sobre as próximas eleições nos EUA, e respondeu que “entre dois males” os americanos deveriam votar no “mal menor” quando forem escolher entre o candidato que quer deportar migrantes (Donald Trump) e aquele que apoia o direito ao aborto (Kamala Harris). Assim, para o Papa, tem mais valor a deportação de migrantes e todas as mentiras políticas de Trump (que, a ser eleito, tornará o mundo num lugar bem mais perigoso para se viver) do que as propostas mais honestas, pacíficas e humanistas, de Kamala!…

Esta atitude papal é baseada na falsa defesa de uma vida que ainda não o é!…A prática da IVG acontece quando o ser humano a ser gerado por aquela gravidez ainda não passa de um projecto. Tal como um projecto arquitectónico não é um edifício, uma pasta de sangue num ovário também não é um ser humano (prova-o o facto de nunca se ter realizado o funeral de um aborto!).

Com todos os males que possam caracterizar F1 enquanto agente da IC, continuo a considerá-lo o melhor Papa que a História recente regista… o que não impede Mário Bergoglio de tropeçar no seu discurso e se estatelar ao comprido… mostrando que o seu lado humanista pode ser distorcido pelas posições tradicionais da Igreja que representa e que estão implantadas bem fundo no seu cérebro como “chip” difícil de retirar.

29 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Muçulmanos, Judeus e Cristãos

O conflito do Médio Oriente diz-nos que depois de um grupo muçulmano extremista ter matado e raptado israelitas, o governo de Israel – que é composto por uma extrema-direita religiosa judaica que sempre desrespeitou os palestinos – transformou aquele acto terrorista de uma organização que promove a Jihad (luta armada em nome de Deus) numa guerra sem respeitar regras internacionais que defendem as populações inocentes em ambiente de conflito armado.

A guerra que Israel faz na Palestina destruiu um país e matou (continua a destruir e a matar, com potentes bombas fornecidas pelos EUA) jovens, velhos, mulheres, crianças e doentes hospitalizados, com a intenção de eliminar dirigentes da organização terrorista que combatem, esquecendo que com tal atitude são igualmente terroristas e invasores de países vizinhos. Este comportamento dos judeus demonstra serem odiosos; idênticos a Hitler que perseguiu judeus, ciganos e homossexuais na Segunda Guerra Mundial.

Quando falamos da prática religiosa muçulmana temos a tendência de a encararmos como criminosa pelos actos terroristas que os islamitas radicais protagonizam… e nós, tão “puríssimos cristãos” esquecemos as práticas de tortura e assassínio que a Igreja Católica da Inquisição, chamada Santa, já exerceu contra judeus e críticos da fé católica.

O judaísmo não tem profeta. Nos círculos religiosos bíblicos consta que (há mais de 2500 anos) Abraão foi chamado por Deus para que levasse o seu povo em direcção a Canaã, a terra prometida, que hoje é o território Palestino tomado pelos judeus.

Os outros dois grandes grupos religiosos (cristãos e muçulmanos) são mais idênticos do que se possa imaginar. Na prática, um muçulmano acredita na existência de um deus singular, omnipotente, omnipresente e misericordioso. Obedece ao princípio básico de que Deus não é inteligível em termos humanos, e segue um só profeta: Maomé. Até aqui um muçulmano não se diferencia de um cristão. Este, diz o mesmo que o outro, apenas com a substituição do nome de Maomé pelo de Jesus Cristo que, historicamente, antecedeu Maomé em seis séculos.

No Islamismo, tal como no Judaísmo e no Cristianismo, Deus (Alláh: palavra formada pelo artigo definido Al, e ilah, que significa “a divindade”), também é macho. Deus é referido como Pai, e nunca como Mãe. O que é compreensível pelo facto de a figura do “deus único” ser um conceito criado por homens numa sociedade patriarcal e machista. Em tal contexto, Deus teria de ser macho e redutor da condição feminina como ainda hoje se observa (por exemplo) no Irão e no Afeganistão.

Foto de أخٌ‌في‌الله na Unsplash

Este paralelismo entre as duas crenças continua na convicção de que Ele (Deus, seja Jeová ou Alá) criou o universo, mantém-no e sustenta-o. Relativamente a nós, homens fracos e mortais, Ele (sempre grafado com maiúscula porque a subserviência ao poder é lei), seja o deus dos judeus, dos cristãos ou dos muçulmanos, é amoroso, generoso e benevolente (*). Só nos pede que o amemos e nos comportemos de acordo com os seus mandamentos, que são sempre dirigidos pelo respeito e amor ao próximo.

Porém, há uma importante nota a considerar: Ele deve ser amado antes de nós amarmos os outros… (os outros são próximos… mas não tanto!…) este procedimento indicia vaidade, prepotência e ciúme… o que, para um deus, não me parece lá muito bonito!… (É claro que tudo isto é invenção humana com intenção de amarrar os povos ao poder dos sacerdotes que, ao tempo, tinham também o poder máximo: social, político e económico. E Deus, por inexistente, sai absolvido).

Depois de morrermos, Deus premeia-nos ou castiga-nos (dizem os crentes), conforme as nossas acções em vida tenham sido boas ou más, as quais deverão obedecer às suas leis divinas que foram divulgadas através de Moisés, Jesus ou Maomé, por acção directa ou com a intermediação do Anjo Gabriel, para uns, e do Espírito Santo, para outros. A palavra Islão tem sentido duplo: significa Paz, mas também Submissão. Isto é: paz encontrada na submissão a Deus. 

Até aqui, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, em nada diferem.

Se as religiões fossem fontes de bondade e concórdia, como todas elas se auto-consideram, os seus respectivos aderentes viveriam em paz e harmonia no cumprimento da excelente fraternidade por todos eles apregoada, e as esquadras de polícia, mais os tribunais, encerravam por falta de clientela… mas as suas premissas são tão falsas como falso é o propagandista-vigarista que apregoa a milagrosa banha-de-cobra e a taluda da Lotaria numa cautela sem prémio, ou um governo que promete não aumentar impostos, e a Igreja que vende o céu ao crente depois deste “esticar o pernil”.

A Religião, sendo produto do pensamento e da acção dos homens, não é diferente da Política… cria grupos facciosos e fundamentalistas; e o fundamentalismo é o beco sem saída por onde enveredam os mais belicosos adeptos das seitas (religiosas ou políticas), estragando as relações humanas que podiam (e deviam) ser afectuosas.

No fundamentalismo, os “outros” são sempre os “inimigos” que só existem para serem derrotados… isto é, abatidos… como se “nós” (o contrário de “outros”) fossemos a fina-flor da Humanidade!… Há lá coisa mais vil, desumana e estúpida?!…

(*) – Embora na Bíblia se registe que Deus provocou a morte a imensa gente, como é exemplo o episódio bíblico das pragas do Egipto (entre outros), onde o tão amoroso deus dos judeus e dos cristãos é apresentado como um “serial Killer”: matou todas as crianças… só para atingir o filho do Faraó! Hoje, os “serial Killer” estão presos. E em alguns estados dos EUA são executados.

23 de Setembro, 2024 Onofre Varela

“A verdade liberta. A mentira prende”

Em 2007 a Editorial Caminho editou o meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um ateu”, obra que me ocupou cinco anos de escrita e, ao que julgava saber, a edição estaria esgotada… porém, dois amigos, num espaço de tempo curto e em livrarias diferentes, conseguiram o livro! Combinamos um jantar para dar à língua, recordar tempos passados e poder dedicar-lhes os dois exemplares do Peter Pan. Por essa razão peguei no exemplar que me resta em arquivo, abri-o ao calhas e, do que li, decidi fazer esta crónica.

Ao primeiro capítulo dei o título “A verdade tornar-vos-á livres. A mentira tornar-vos-á crentes”, frase que fui buscar ao Evangelho de S. João (8:32), para referir “crença e conhecimento”. A certo passo, digo assim: “Quem pensa que existe um ser supremo criador e dominador das vontades, não pode ser considerado menos, nem mais, inteligente do que aquele que não acredita em tal existência. Crença e conhecimento são matérias diferentes, antagónicas, mas que podem coabitar pacificamente no mesmo cérebro. O pensamento e a sabedoria são duas matérias primas da Filosofia e podem funcionar como terapia do espírito. Ambos «curam» ou aliviam algumas das nossas maleitas. Os nossos maiores males, quando não são de ordem natural, provêm de imposições alheias que resultam em aflições sociais e económicas, ditadas pelo meio onde nos inserimos e que nos faz sofrer. Deste sofrimento não podemos sair unicamente por nossa livre vontade (não é o mesmo que sair do autocarro). Somos vulneráveis e, por isso, também buscadores constantes da satisfação e do consolo que cada um pode encontrar em lugares distintos. O apuro dessa satisfação e desse consolo passa, inevitavelmente, pela qualidade do nosso pensamento e da nossa sabedoria. O apuro dessa qualidade, não se conseguindo no ensino oficial, terá de ser procurado por cada um, vendo, ouvindo, lendo e pensando. Quem assim não procede sujeita-se à educação padronizada que modela a sociedade em que o indivíduo se insere e que é, por mor de outros interesses que não os seus, nivelada pela matriz dos valores sociais estabelecidos – isto é: invariavelmente, por baixo – tornando-nos massificados, transformando cada um de nós num modelo estereotipado como alvo à mercê de quem vive da exploração dos nossos sentimentos programados”.

A melhor escolha na vida é cada um informar-se e ilustrar-se para poder pensar pela sua própria cabeça, não se deixando anestesiar por discursos de quem nos quer convencer, sejam agentes religiosos ou políticos. Tais agentes estão, continuamente, em “modo pré-eleitoral” tentando pescar adeptos para os seus grupos. Ao ouvirmos o palavreado que debitam nos vários púlpitos… temos de os peneirar criteriosamente… para (como se diz no meu meio) não sermos “comidos por lorpas”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

15 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Ciência, Religião,Ética e Moral

Hubert Reeves, especialista em astrofísica e autor do livro “Um Pouco Mais de Azul”, distingue o domínio da Ciência de quaisquer outros domínios de entre os que regem as sociedades que os homens já construíram.

A Ciência explica como as coisas são ou funcionam, e não se imiscui nos valores sociais. O domínio desses valores pertence a outros campos, como a Política e a Economia. Depois, há a Filosofia, a Religião, e mais um ramo filosófico denominado Ética (tendo acoplada a Moral), transversal a todos os outros campos, limitando poderes e moralizando atitudes.

Na Economia e na Política… parece que a Ética é uma espécie de “figura de estilo” que se encontra apenas nos discursos dos profissionais desses dois ramos para “parecer bem”, mas não nas suas acções e atitudes… pelo menos que nos apercebamos dela no dia-a-dia!…

A Filosofia é um tratado de manuais de Ética estudando os valores que regem os relacionamentos entre as pessoas, a harmonia do convívio na significação do bom e do mau, do mal e do bem, e a sua própria definição aponta para “aquilo que pertence ao carácter”.

Sobre a Religião talvez possamos dizer que é “o modo popular” que as populações têm de entender a Filosofia e procurar a harmonia social nos seus conceitos.

Filosofias há muitas… tal como chapéus (como disse o nosso actor Vasco Santana)… e carácteres também os temos por aí às mancheias, aos lotes e aos pontapés. Os carácteres são tão velhos quanto o raciocínio. O “Carácter” conta a nossa História feita de guerras, de crenças e de negócios sem pinga de Ética. Nas guerras encontram-se “carácteres” que são rastilhos patrióticos, causas religiosas e políticas apresentadas por quem as faz como “exemplos de positividade”… mas sempre em prejuízo do mesmo alvo sofredor: o Povo.

Vasco Santana – Arquivo da RTP

O Povo é sempre o personagem que se encontra na cena das acções de guerra e morre crente na divindade apregoada pelos seus líderes religiosos que fazem a guerra, mas também crente nas razões políticas dos líderes que armam exércitos e destroem cidades, matam velhos e, principalmente, crianças que ainda não tiveram tempo de experimentar o paladar da vida.

Se a maioria dos líderes religiosos (que tanto apregoam a divindade e matam gritando que “Alá é grande”), dos políticos e dos generais que, por crença na divindade e no patriotismo serôdio, fazem a guerra, tivessem vergonha e raciocínio Humanista… terminariam as guerras, as invasões, as destruições de equipamentos e cidades… e não haveria mais morte violenta.

De entre homens de Religião destaco Baruch Espinoza (1632-1677), filósofo holandês de origem portuguesa, autor do livro “Ética”, e que foi acusado de ser ateu… mesmo tendo definido Deus como “o ente absolutamente infinito, isto é, a substância que consta de infinitos atributos”… o que talvez queira dizer que Ética e Religião podem conflituar (e conflituam!) entre si!

A Ética tem, no Cristianismo, o seu expoente máximo na célebre frase “Amarás o próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:39), que é cópia do Velho Testamento (Levítico 19:18). É uma frase que traduz um conceito universalista, ultrapassando a Moral Católica que defende a vida uterina quando ainda não há ser humano formado e por isso condena o aborto; mas também condena o divórcio, a eutanásia e as relações homossexuais, que a Ética Laica defende como liberdades individuais lícitas.

A Ética religiosa difere de religião para religião. No Islamismo extremado, por exemplo, defende-se a condenação à morte da mulher que se apaixona por um homem que professe outra religião que não seja aquela que é seguida pela família dela!…

É comum misturar-se Ética com Moral. Não são a mesma coisa. Se a Ética estuda valores morais que orientam o comportamento humano, a Moral é constituída pelos costumes, pelas regras e pelos tabus das convenções instituídas por cada sociedade.

Logo, a Ética é mais universalista, enquanto que a Moral (os apelidados “bons-costumes”) é uma herança emocional e colectiva transmitida por cada sociedade aos seus membros… (e muitas vezes não é lá grande coisa!…)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)