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Carlos Esperança

4 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

Viva a República

Viva o 5 de Outubro
Fizeram mais pela liberdade alguns homens, num só dia, do que Deus desde sempre.
3 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

«Como podem desconhecer o Sol?» é o título da homilia desta segunda-feira com que o inefável predicante J. César das Neves (JCN) brinda os leitores, à guisa de penitência.

Ontem, domingo, conhecido no jargão beato por Dia do Senhor, JCN, bem confessado, melhor rezado, lindamente comungado e magnificamente benzido, atirou-se à prosa num ataque de proselitismo.

Começou com uma ameaça aos leitores do Diário de Notícias: «daqui a um mês, Lisboa será inundada pelo Congresso Internacional da Nova Evangelização», altura de pôr de prevenção os bombeiros da laicidade, não sejam gigantes as ondas de fé e irreparáveis os danos do maremoto.

Queixa-se depois o catecúmeno: «Hoje a Igreja é vasta, activa, bem visível e, apesar disso, ignorada». Infelizmente é verdade. Tornou-se vasta pela cumplicidade oficial, activa pelo proselitismo dos beatos, bem visível por incúria dos cidadãos e, apesar disso, ignorada, como se não constituísse perigo.

JCN é um sólido colosso da fé que faz «todas as coisas, das menores às decisivas, com os olhos no Céu». E diz que «Ela [a Igreja] é sempre aberta, acessível em qualquer lugar, missionária por vocação».

Uma vez mais JCN tem razão, pelos piores motivos. A ICAR multiplica capelas, igrejas, catedrais, nichos, cruzes, nomes de santos e da Virgem, nos seus infinitos heterónimos, a designar pontes, viadutos, ruas, becos, avenidas, largos, praças, barcos, aviões, hospitais, numa imparável onda de santidade que atinge aldeias, vilas e cidades, numa manifestação de força clerical e de provocação ao carácter laico do Estado.

O devoto termina a homilia a citar a bíblia, o que lhe atenua a culpa das tolices que debita, atónito por haver quem despreze a Igreja porque, tal como o Sol, também a ICAR devia ser conhecida.

E devia. Há quem despreze o perigo.

2 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

A vitória póstuma do bispo Marcel Lefebvre

Marcel Lefebvre
Abriu ontem, no Vaticano, o 11.º sínodo dos bispos, o primeiro do pontificado de B16. O pastor alemão abriu o evento com uma missa solene na basílica de S. Pedro, tendo a coadjuvá-lo 55 cardeais, sete patriarcas, 59 arcebispos, 123 bispos e 40 presbíteros – um espectáculo colorido, com coreografia adequada e belos efeitos visuais.

B16 advertiu, durante a homilia, que quando Deus é desterrado da vida pública para a esfera privada não há tolerância, apenas hipocrisia. Vindo de quem cultiva a hipocrisia como arte e a mentira como arma, a afirmação é um uivo ululante contra a laicidade.

Nas palavras herméticas do velho inquisidor as diatribes contra a liberdade vêm sob a forma de exigência para que Deus, e não o homem, seja o «dono do mundo», posto sob controlo do bando que o representa ? o Papa e os seus sicários.

Durante três semanas o conclave vai debruçar-se sobre o declínio da fé nas paróquias da Europa e América – 75% do mercado católico -, e a forma de recuperar as vendas onde a fogueira, a excomunhão e as perseguições são armas proibidas ou de eficácia duvidosa.

Como previsto, aqui no Diário Ateísta, B16 representa a extrema direita e procura o regresso ao passado mais obscurantista da ICAR, na esperança de recuperar o prestígio, poder e maldade que fizeram do antro do Vaticano um covil de chacais.

Bento 16 prepara-se para recuperar o latim como língua sagrada do catolicismo romano, à semelhança do que o islão faz com o árabe, regressando às missas acompanhado do canto gregoriano.

Bernard Fellay, o líder actual da FSSPX, recebido fraternalmente por B16, tem motivos de júbilo e razão para crer que o bispo Marcel Lefebvre, oficialmente excomungado, se torne santo. Só lhe faltam dois milagres.

2 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

Padres nos hospitais e quartéis

Quando baixam as comparticipações dos medicamentos, por dificuldades orçamentais, mantém-se um dispendioso placebo comparticipado a 100% – o padre -, nos hospitais, forças armadas e de segurança, bem como nas prisões.

Os capelães militares são graduados em oficiais, com um general comandante espiritual de todos os católicos fardados – o bispo Januário Torgal -, coadjuvado por 48 capelães aptos a disparar hóstias, arremessar água benta, armadilhar missas e detonar homilias nos três ramos das FA e GNR.

Num país que assinou uma vergonhosa concordata com o último Estado totalitário da Europa – o Vaticano -, a laicidade é uma exigência constitucional subvertida pela presença dos mercenários da potência estrangeira, pagos pela nação ocupada.

Quando, por uma questão de higiene cívica e respeito pela Constituição, o Estado devia ignorar as sotainas (limitando-se a facilitar o acesso aos doentes que as solicitassem), está em curso o alargamento do privilégio a outras seitas, de acordo com o Diário de Notícias: «Ministérios revêem regimes de assistência religiosa».

A assistência religiosa é o purgante da alma por conta do erário público. Falta a avença com bruxas, quiromantes e outros espécimes que se dediquem a ofícios correlativos.

30 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Ontem, em Coimbra

Numa sessão pública na Faculdade der Economia, com os candidatos autárquicos do PS, PCP, BE e PSD/CDS/PPM, pedi a palavra «na dupla condição de membro da Associação República e Laicidade e activista da criação da Associação Ateísta Portuguesa».

Perguntei aos quatro candidatos se cabia nos seus objectivos criar um espaço condigno para as pessoas com pituitária avessa ao incenso e pele alérgica à água benta, para serem velados quando morressem, bem como da possibilidade de construir um crematório em Coimbra.

Todos manifestaram respeito pela razão que me assistia tendo o PCP sido o mais objectivo a comprometer-se a integrar no seu programa o primeiro pedido. O BE e o PS manifestaram solidariedade com a solicitação. O PSD/CDS/PPM, pela voz do candidato comum e actual presidente da Câmara, disse que estava prevista a construção de um crematório e que achava que se devia encontrar esse espaço neutro, sem símbolos religiosos, para ateus, agnósticos e crentes de religiões minoritárias localmente.

Creio que é uma luta que devemos conduzir nos vários municípios. Acrescento que um terço do auditório aplaudiu a minha solicitação e várias pessoas vieram ter comigo para se solidarizarem e manifestarem a vontade de pertencer à futura Associação Ateísta. Muitos outros não esconderam a sanha cristã que os devorava.

30 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Uma solução para cada caso

No convento das carmelitas uma jovem mulher aparecia todas as manhãs a rezar junto ao altar da Virgem Maria.

Intrigada, um dia a madre superiora perguntou-lhe o motivo da súplica, ao que a devota respondeu:

– Venho aqui rezar duas ave-marias a pedir um filho.

– E já experimentou um padre nosso? – indagou a madre.

29 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

O Papa regressou ao covil

Após dois meses de férias na residência de verão, em Castel Gandolfo, B16 acaba de regressar ao antro do Vaticano, o habitat natural destes espécimes únicos, que há cerca de mil anos começaram a usar o epíteto de Papa católico, cognome que atribuíram aos antecessores.

Tinha 30 mil devotos à espera, convencidos de que ver o Papa é meio caminho andado para o Paraíso, onde não os esperam rios de mel nem 70 virgens (para isso escolhessem o Paraíso islâmico), mas onde podem jogar à bisca de nove com Deus e brincar às escondidas com os anjos, desde que não assediem a virgem Maria. (Para as mulheres não há divertimentos, nem no Paraíso).

O tema da audiência concedida aos 30 mil peregrinos, escolhido pelo antigo inquisidor, foi «o amor divino», o único que o múnus e a idade ainda lhe consentem. Mas o que será isso de amor divino? O Papa Ratzinguer explica: «Deus não abandona o seu povo, mas intervém continuamente na história, manifestando nela a omnipotência».

Apesar do esoterismo das palavras é fácil pensar nas vítimas dos maremotos, dos tufões e na parafernália de instrumentos bélicos com que os devotos de um Deus assassinam os devotos do Deus concorrente. Com a indiscutível omnipotência do Deus de B16, não há dúvida do sadismo com que mata, fere e deixa sem casa, medicamentos, comida e água potável milhões de inocentes.

Com um Deus assim, só admira a clientela que resiste.

28 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Os paramentos do clero

Os que me conhecem mal pensam que sou anti-clerical mas quem me conhece bem tem a certeza. Divirto-me a observar as vestes eclesiásticas, alvos bibes, negras sotainas, os adereços brilhantes e os sapatinhos coloridos dos bispos.

Os paramentos dos machos castrados do divino têm enorme propensão para imitar os atavios femininos. Sob a aparência assexuada a que o múnus os obriga é a ilusão hermafrodita que os persegue.

Na mórbida execração do sexo é apenas a preservação do poder que une o clero.

Passar a juventude a reprimir desejos, a conter com gelo os calores do corpo, a acumular traumas com a virgem nua dos sonhos púberes ou com a tanga solta do Cristo que jaz na parede fria da camarata do seminário, é um sacrifício sem Paraíso que compense.

Aos padres está vedada a sexualidade, apenas lhes recomendam a castidade. Em vez de palavras ternas e beijos húmidos em lábios que se unem e corpos que se estremecem, debitam reles orações e beijam medalhas frias de ícones de fancaria.

Os olhos semicerrados do oficiante, à elevação da hóstia, é o esgar involuntário da frustração do orgasmo por haver. O hissope com que aspergem é a evocação ritual do pecado solitário e a eucaristia a degustação de um cadáver servido em rodelas de pão ázimo ou liquefeito com sabor a vinho.

27 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

A visão de quem é cego

João César das Neves (JCN), pregador inveterado, prosélito genuflectido à vontade dos padres, é um créu que, à mais leve falta, vem em socorro da ICAR para penitência dos pecados que só ele e o seu confessor conhecem.

Em vez de pagar em orações, passar horas a rezar padre-nossos e ave-marias, JCN é o moço de recados do clero mais retrógrado. A defesa da criminalização do aborto é a penitência que lhe dão quando não se obriga a defender milagres.

Na homilia desta segunda-feira, que o Diário Ateísta leu no DN, por devoção e humor, JCN fala várias vezes de democracia como se a sua Igreja alguma vez tivesse estado a seu lado.

Não queremos privar os leitores do sermão «a cegueira de quem não quer ver». Por isso apenas dois reparos:

1 – «Os defensores da legalização, naturalmente, negam identidade humana ao embrião. Tal como os esclavagistas faziam com os negros ou os nazis com os judeus.» – escreve JCN. Onde escreveu «esclavagistas» podia ter escrito «Igreja católica» pois não se poupou ao comércio de escravos nem à vanguarda do anti-semitismo».

2 – Referindo-se aos que pretendem a alteração da lei que arrasta mulheres a tribunal, devassa a intimidade, humilha e condena à prisão, o plumitivo escreve: «Mas quantas mulheres querem salvar deste destino? Zero. Não há nenhuma! É um esforço intenso para libertar exactamente ninguém».

Então que malvadez o leva a defender uma lei que os juizes se coíbem de aplicar, a opinião pública despreza e a saúde pública condena, a menos que um imenso ódio às mulheres o leve a mantê-las sob a ameaça que as assusta e envergonha?

JCN acaba a homilia a citar a Bíblia, livro pouco lido e cada vez menos recomendável.

Nota: Por motivos imprevistos não foi possível colocar ontem este post.