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Mitologia sim, mitomania não

Ler os comentários enraivecidos de alguns créus é um bênção para o fígado e um alívio para a tristeza. Encharcam-se em água benta e empanturram-se em partículas sagradas,depois avariam os neurónios e ensandecem. Consideram privilégio falar sob pseudónimo, com aquela coragem com que na Idade Média escreviam cartas anónimas a denunciar judeus, bruxas, hereges e outros que excitavam a esquizofrenia dos censores e estimulavam a vocação dos carrascos para o piedoso churrasco. Só na clandestinidade se atrevem a beneficiar da liberdade de expressão, benefício que gostariam de abolir para agradar ao seu Deus. De facto, pelo que dizem os crentes, Deus não é um entusiasta da liberdade de expressão nem de qualquer outra. É um ditador pusilânime moldado à imagem e semelhança dos seus criadores – beatos convencidos da bem-aventurança eterna, missionários da vulgata que lhes impingiram no berço, criaturas habituadas a benzer-se e a rastejar de joelhos.

Às vezes no intervalo da demência mística que os devora, dizem coisas certas. Dizem que somos contra as religiões, todas as religiões, o que é verdade. Mas mentem quando dizem que somos contra os crentes, todos os crentes. Somos de facto contra as drogas mas temos o maior carinho pelos drogados. Combatemos os passadores mas respeitamos os consumidores. É esta diferença que depois da ressaca poderão apreciar.

Também não é verdade que sejamos contra Deus. Ninguém pode ser contra o que não existe. Somos contra a exploração da mentira, a venda de placebos, a humilhação dos homens e das mulheres à custa de um mito. E só nos insurgimos pelo facto de haver pessoas dispostas a impor princípios e obrigações aos incautos sob a ameaça de um deus vingativo. Repudiamos, sim, o terrorismo psicológico que exercem ou os castigos que se encarregam de infligir.

Já alguém no Diário Ateísta criticou Júpiter, ridicularizou Neptuno, invectivou Mercúrio, ou escarneceu qualquer dos 12 deuses da mitologia romana, ou Zeus , Posídon e os outros da mitologia grega? Tal como Osíris, Ormusd ou Brama deixaram de ter crentes e, por isso, ninguém perde o emprego por não acreditar neles, ninguém arrisca o pescoço ou a liberdade por não obedecer às suas determinações, ninguém é preso, queimado ou lapidado pelo desprezo a que os vota. Os deuses de hoje são os mitos do futuro. Nós ateus apreciamos a mitologia, apenas combatemos a mitomania.

Por tudo isto são bem-vindos os crentes de qualquer deus que estejam dispostos a defender os crentes de um deus diferente e os que não precisam nem querem acreditar.

Até lhes perdoamos o humor lábil, a covardia do anonimato, as frequentes alterações do pseudónimo, a saudade da Inquisição, a ânsia de se tornarem cruzados, para partirem em guerra contra os infiéis, e o ressentimento contra o ateísmo.

Animem-se, nós somos o instrumento de Deus para pôr à prova a vossa fé. Têm obrigação de acreditar nesta e noutras idiotices que vos ensinam na catequese.