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Da ICAR e da polis, IV: laicidade

O século XIX foi um século marcante para a laicidade. Com grande luta dos sucessivos papas. No início do século XIX surge em Itália o Risorgimento, isto é, o processo que conduziu à reunificação da Itália e que culminou com a perda dos estados papais, apesar de todos os esforços envidados por Pio IX na manutenção dos territórios pontifícios sob autoridade papal.

Pio IX fugiu de Roma para Nápoles levando como conselheiro político Marcantonio Pacelli, avô do Pio XII de má memória. De Nápoles invectivou a «ultrajante traição da democracia» ameaçando de excomunhão todos os italianos que se atrevessem a votar.

O Santo Pio publicou a encíclica Quanta Cura afirmando que os princípios de filosofia, ciência moral e as leis civis podem e devem ser feitos para se curvarem às autoridades divinas e eclesiásticas, seguida pouco depois do Syllabus errorum, no qual condenou os erros do modernismo, mais concretamente 80 erros monstruosos das «ideias modernas», condenando a democracia como um «princípio absurdo», a liberdade de opinião como «loucura e erro» e condenando especialmente o laicismo, terminando com o último erro atroz a que se arrogavam os laicistas: de que «o sumo pontífice podia e devia reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna».

O acesso de Leão XIII ao papado em 1878 moderou um pouco o tom da guerra aberta entre o Vaticano e as democracias emergentes mas este também descreveu qualquer noção de separação de Igreja-Estado como erro fatal. No contexto italiano, era especialmente condenatório dos Maçãos e das ideias liberais destes. Descreveu-os como parte do reinado do Mafarrico, em luta contra a Igreja e a Cristandade. Uma conspiração em andamento que perigava a própria fábrica da civilização cristã. Expresso na encíclica Immortale Dei de 1885.

As primeiras décadas do século XX foram um tempo de grande ansiedade entre os líderes católicos na Alemanha, França, Polónia, especialmente apreensivos de que o modelo liberal da República de Weimar, associado com judeus e hereges ateus, iria causar o colapso total da noção cristã da ordem social e política. Apreensão essa partilhada por muitos líderes protestantes. O Papa Pio XI expressou a esperança de que o colapso do mercado e a experiência da brutalidade da Revolução Russa afastassem as pessoas na Europa dos laicos liberalismo, democracia e socialismo na direcção da visão tomista dos regimes «bons».

Os dois papas da era do Holocausto, Pio XI e Pio XII, actuaram no âmbito de uma cruzada contra o laicismo. Não eram exactamente grande fãs do nazismo (especialmente Pio XI) mas… quer o fascismo quer o nazismo eram opções de longe preferidas para proteger os interesses institucionais católicos. Com os quais colaboraram entusiasticamente.