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A fé e a tolerância

Acabado de regressar de uma aldeia da Beira Alta, publiquei no Diário uma crónica escrita há algum tempo, antes de ler os comentários aos artigos.

Lá estão os insultos bolçados com piedosa devoção, o ódio destilado em doses beatas e as habituais manifestações de fé num Deus que sabem morto e em textos sagrados que a mais rebuscada exegese não consegue tornar recomendáveis.

Enquanto alguns crentes perplexos se esforçam por compreender o mundo e tolerar os outros, há sempre alguns Torquemadas que odeiam a liberdade e sonham autos de fé. Não lhes basta a combustão das almas dos hereges e as perpétuas penas que o seu Deus pusilânime e vingativo lhes reserva depois da morte, querem a punição dos réprobos, em vida, através do braço secular. E, como todos os prosélitos, anseiam por condenar ao silêncio os heterodoxos.

Como é bela a fé! Queimem-se bibliotecas, ardam os heréticos, abaixo a liberdade, guerra ao livre-pensamento! Depois, Deus, distribuído ao domicilio, servido em doses industriais nas igrejas, mesquitas e sinagogas, reabilitado o prestígio antigo, julgará os vivos e os mortos na certeza de que não consentirá mais vida para além das orações, dos jejuns, da abstinência, da castidade e da mortificação.

Os saprófitas de um Deus assim estão igualmente mortos.