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O Deus da minha aldeia

Na aldeia onde fui criança soía as famílias agradecerem a Deus a fome que sobrava das refeições, os governantes que eram e a bondade divina pelos filhos que arribavam.

Na escola, o intervalo do almoço era cumprido com uma côdea de centeio com algumas semanas de cozedura e, no tempo próprio, amoras silvestres ou figos colhidos à socapa pelos garotos, na ausência do dono.

Apenas a fé era robusta e firme a determinação em cumprir a vontade de Deus, entidade que as catequistas louvavam e descreviam como a mais pérfida e sinistra das criaturas.

O padre era o único indivíduo motorizado nas paróquias que lhe cabiam. Usava batina preta com nódoas variadas. No cocuruto fulgia a alvura de um círculo no coiro cabeludo – a tonsura -, exibida com vaidade como marca do Vaticano.

O sino da igreja tocava para um ror de situações, desde os fogos a que urgia acudir até à fonte que era preciso despejar e lavar. Mas era quase sempre ao serviço das almas que as badaladas soavam, com som pungente a finados, estridentes nas procissões, aflitas em caso de acidente ou arrastadas à hora das trindades.

Deus estava em toda a parte, nos calos dos joelhos, nas persignações, nas ave-marias e no terço que todos os dias de Maio enchia a igreja para conversão da Rússia.

O mundo era então pior do que hoje, embora não pareça. Comunistas, judeus e maçons eram inimigos do Deus das catequistas e do Sr. padre e quem aturava o azedume divino eram as crianças, que se fartavam de rezar para lhe aplacar a ira.

A miséria, a fé e o analfabetismo eram a herança legada de geração em geração até que uma professora briosa resgatou as pessoas ao analfabetismo e o conhecimento começou, lentamente, a expulsar Deus.

Até o padre se cansou e trocou a batina e o breviário por uma paroquiana.