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1506-2006: O massacre de Lisboa


«No mosteiro de São Domingos da dita cidade estava uma capela a que chamava de Jesus, e nela um crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que davam cor de milagre, com quanto os que na igreja se acharam julgavam ser o contrário dos quais um cristão-novo disse que lhe parecia uma candeia acesa que estava posta no lado da imagem de Jesus, o que ouvindo alguns homens baixos o tiraram pelos cabelos de arrasto para fora da igreja, e o mataram, e queimaram logo o corpo no Rossio. Ao qual alvoroço acudiu muito povo, a quem um frade fez uma pregação convocando-os contra os cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro, com um crucifixo nas mãos bradando, heresia, heresia,
(…)
tirando-os delas de arrasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres, e filhas, os lançavam de mistura vivos e mortos nas fogueiras, sem nenhuma piedade, e era tamanha a crueza que até nos meninos, e nas crianças que estavam no berço a executavam, tomando-os pelas pernas fendendo-os em pedaços, e esborrachando-os de arremesso nas paredes.»

Damião de Góis in «Chronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memória».

O Nuno Guerreiro do excelente «Rua da Judiaria» recorda numa série de posts detalhes de um massacre que muitos prefeririam não fosse recordado.

Um massacre que fez mais de 4 mil mortos – anussim, judeus portugueses, homens, mulheres e crianças, assassinados em três dias sangrentos, 19, 20 e 21 de Abril de 1506.

Eu pessoalmente respondo ao repto lançado pelo Nuno e dia 19 de Abril podem encontrar-me no Rossio a acender uma vela simbólica para recordar as vítimas da intolerância religiosa. Uma vela completamente ateísta, uma vela de defesa da memória.

Porque também considero ser imprescíndivel «mostrar – provar mesmo – a necessidade absoluta e irredutível da memória».