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As relíquias da santa

Os restos mortais são na nossa cultura objecto de respeito mas não de idolatria. Ninguém guarda um pêlo púbico da defunta consorte, o parafuso do colo do fémur da inefável sogra, o osso de um progenitor ou a cartilagem de um irmão. Nem, de um parente chegado, a unha com que procedia à higiene auricular.

Só a ICAR, na mórbida contemplação da morte, é capaz de forrar uma capela com ossos humanos, como acontece em Évora, sem sabermos se todos eram de cadáveres. Só a macabra paranóia eclesiástica é capaz de passear um dedo de Francisco Xavier pelas paróquias da Beira Alta, como eu vi na adolescência, sem certificado de garantia nem autorização do Delegado de Saúde.

Em Itália vários santos prepúcios, atribuídos a Cristo, disputaram a autenticidade até que os padres decidiram que JC não podia ter abandonado o sepulcro e emigrado para o Céu sem uma parte do corpo, passando a excomunhão a ser aplicada a quem tivesse o arrojo de falar desse pedaço de pele que os judeus amputam ritualmente.

Não sei que partes do cadáver ou peças do vestuário recôndito da Teresinha de Ávila, uma santa a quem os delírios hormonais exacerbaram os místicos, vai o clero expor à concupiscência e veneração dos fiéis portugueses nos próximos dias 7 a 9 de Dezembro na Guarda, Covilhã e Seia.

Há neste delírio esquizofrénico da Igreja católica, nesta obsessão mórbida por relíquias, uma estranha forma de proselitismo do clero a roçar a necrofilia.