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O Papa e a bênção

No domingo, o Vaticano submeteu o Papa a uma ignóbil e sádica tortura. Exibiram-no à janela dos seus aposentos, após um diácono o ter anunciado, para dar a bênção e o perdão a todos os que se encontravam no local ou viam a cerimónia pela televisão. Não se duvida da ânsia com que a clientela aguardava a bênção e, muito menos, da necessidade que tinham de perdão. Cada um sabe o peso da sua consciência.

O que a Cúria devia saber é que não se submete um moribundo a trabalhos forçados, não se exibe o sofrimento como os mendigos profissionais que alugam deficientes para comoverem os transeuntes e aumentarem o óbolo, não se explora a dor para gáudio de uma multidão ensandecida pelo martírio do seu Deus. A bênção Urbi et Orbi, de grande efeito mediático e enorme regozijo para os créus, ficou por dar e as palavras por dizer.

Os cardeais que exploram o negócio dizem que JP2 continua a dirigir a ICAR e que mantém intactas as faculdades intelectuais. Só quem crê na virgindade de Maria, na ressurreição e nos dogmas é que acredita na impostura e não vê a crueldade a que sujeitam o ancião.

A ICAR diz que é uma forma de afirmar ao mundo que respeita a velhice e a dignidade dos enfermos. Não é a hipocrisia que mais choca, é a insensibilidade e a barbárie que ferem. Todos vêem que não é o velho autocrata que decide, são os sinistros dignitários da Cúria romana que escrevem o guião de uma tragédia humana cujo objectivo é transmitirem a morte em directo.

Que gente, que bando de tartufos se esconde sob as vestes talares, que pessoas sem coração se prestam a escrever as cenas do último capítulo de uma vida que se esvai em inaudito sofrimento! Forçar as aparições públicas de JP2 não é uma prova de respeito, é uma requintada manifestação de malvadez.