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Treta da semana: Mexe? Nah…

No dia 6 de Novembro vai haver uma conferência interessante no Indiana, EUA. É a “Primeira Conferência Católica sobre o Geocentrismo” (1). Segundo o cartaz, Galileu estava enganado e a Igreja Católica é que tinha razão. O programa promete. O “Dr.” Robert Sungenis, mestre em teologia pelo Seminário Teológico de Westminster, começa com a sua palestra “Geocentrismo: eles sabem mas estão a escondê-lo”. Os maganos… isso não se faz.

Segue-se uma introdução à mecânica do geocentrismo, e depois vem o Dr. Robert Bennett com experiências científicas que demonstram que a Terra está parada no espaço. Estas experiências devem ser fascinantes. Há também evidências bíblicas do geocentrismo – nestas coisas “evidência” inclui as fantasias de tribos antigas – e, como não podia faltar, o Carbono 14 para demonstrar que a Terra é um planeta jovem. A idade da Terra não tem nada que ver com o geocentrismo mas, treta por treta, que venham também as do criacionismo. E tudo isto por uns meros cinquenta dólares com almocinho incluído. Se fosse aqui perto (e só o almoço) talvez eu até lá fosse.

Na conferência estará à venda o livro de Sungenis e Bennett, Galileo Was Wrong: The Church Was Right, uma obra em dois volumes. O argumento central, se argumento se pode chamar, parece ser que a física permite estipular qualquer referencial onde medir coordenadas (2). O que é verdade, mas eu diria ser mais um argumento contra o geocentrismo do que a seu favor, visto não dar qualquer razão para considerar a Terra como estando no centro do universo. E até dá boas razões contra escolher esse referencial.

Num sistema de referência inercial as expressões são mais simples. Se medirmos as coordenadas num sistema de referência que acelere ou rode em relação a sistemas inerciais, temos de acrescentar forças fictícias para descrever as trajectórias e a expressão das mesmas leis da física torna-se muito mais complexa. Por exemplo, a figura abaixo mostra as órbitas de Mercúrio, Vénus, Terra e Marte representadas, da esquerda para a direita, em relação ao Sol, em relação a um referencial centrado na Terra mas sem rodar, e num referencial na Terra rodando com esta (3).

complicar o simples

Como é normal nestas coisas, o geocentrismo massaja o ego de quem não consegue admirar o universo pelo que ele é – naturalmente indiferente às nossas preferências ou inseguranças – em detrimento de uma descrição correcta, rigorosa e sucinta. Mas, para mostrar que tenho aprendido umas coisas no diálogo com os defensores da teologia, decidi concluir este post com uma apologia do modelo geocêntrico.

Fisicamente, o geocentrismo não faz sentido. Mas, ainda assim, é uma certeza metafísica pelo mistério da fé. Como a transubstanciação da hóstia e a virgindade de Maria. E sendo a fé um complemento da razão, estas nunca podem contradizer-se e é impossível interpretar a doutrina geocêntrica de forma a contradizer a ciência. Temos de considerar vários níveis de interpretação, como o arbitrário e o fictício, para interpretar o geocentrismo e poder afirmar que a Terra está imóvel no centro do universo sem contradizer, de forma alguma, a ciência que afirma precisamente o contrário.

E, se for preciso, podemos chamar a atenção dos cientistas para um aspecto fundamental de qualquer questão acerca do universo. A jurisdição. Tal como a origem do universo, a existência de deus e a aparição milagrosa de vários defuntos, a posição da Terra é um problema teológico e não científico. Por isso os cientistas não podem dizer que o universo surgiu sem precisar de um deus nem dar dicas acerca da posição da Terra. Esses são assuntos que não lhes dizem respeito.

1- Galileowaswrong.com. Obrigado à Ana Luísa pela informação, os momentos de incredulidade e o facepalm quando, umas googladelas depois, descobri que era mesmo a sério.
2- Catholic Truths, Geocentrism 101. (Mas confesso que não tive pachorra para ler tudo…)
3- O código fonte, para Octave, está aqui. As unidades dos gráficos são em centenas de milhões de kilómetros, mais ou menos alguns zeros caso me tenha enganado. Os gráficos são para 690 dias terrestres, que é um ano de Marte, com um ponto por dia excepto no último, onde calculo 6 pontos por dia para contar com a rotação da Terra.

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