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Mulher Mártir

Texto de Onofre Varela.

Nawal el-Saadawi (1931-2021) acabou de nos deixar. Era egípcia, médica e escritora. Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição, e era líder da luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. 

Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista, e divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia. Na sua biografia tem um discurso semelhante ao da escritora espanhola Cristina Fallarás, aqui divulgado no último artigo. Nawall cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas são sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como são o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se activista contra tão aberrante procedimento praticado em nome de uma tradição cultural criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a vida, impedindo-a do prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, teve uma frase semelhante à de Cristina Fallarás: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida – estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”. 

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade (no Portugal de 2021) ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor! As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido do humanismo cristão) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a prévia autorização da família… o que era uma vergonha!… Em reunião caseira de machos foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou numa faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer… por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV