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Categoria: Diário de uns ateus

29 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Muçulmanos, Judeus e Cristãos

O conflito do Médio Oriente diz-nos que depois de um grupo muçulmano extremista ter matado e raptado israelitas, o governo de Israel – que é composto por uma extrema-direita religiosa judaica que sempre desrespeitou os palestinos – transformou aquele acto terrorista de uma organização que promove a Jihad (luta armada em nome de Deus) numa guerra sem respeitar regras internacionais que defendem as populações inocentes em ambiente de conflito armado.

A guerra que Israel faz na Palestina destruiu um país e matou (continua a destruir e a matar, com potentes bombas fornecidas pelos EUA) jovens, velhos, mulheres, crianças e doentes hospitalizados, com a intenção de eliminar dirigentes da organização terrorista que combatem, esquecendo que com tal atitude são igualmente terroristas e invasores de países vizinhos. Este comportamento dos judeus demonstra serem odiosos; idênticos a Hitler que perseguiu judeus, ciganos e homossexuais na Segunda Guerra Mundial.

Quando falamos da prática religiosa muçulmana temos a tendência de a encararmos como criminosa pelos actos terroristas que os islamitas radicais protagonizam… e nós, tão “puríssimos cristãos” esquecemos as práticas de tortura e assassínio que a Igreja Católica da Inquisição, chamada Santa, já exerceu contra judeus e críticos da fé católica.

O judaísmo não tem profeta. Nos círculos religiosos bíblicos consta que (há mais de 2500 anos) Abraão foi chamado por Deus para que levasse o seu povo em direcção a Canaã, a terra prometida, que hoje é o território Palestino tomado pelos judeus.

Os outros dois grandes grupos religiosos (cristãos e muçulmanos) são mais idênticos do que se possa imaginar. Na prática, um muçulmano acredita na existência de um deus singular, omnipotente, omnipresente e misericordioso. Obedece ao princípio básico de que Deus não é inteligível em termos humanos, e segue um só profeta: Maomé. Até aqui um muçulmano não se diferencia de um cristão. Este, diz o mesmo que o outro, apenas com a substituição do nome de Maomé pelo de Jesus Cristo que, historicamente, antecedeu Maomé em seis séculos.

No Islamismo, tal como no Judaísmo e no Cristianismo, Deus (Alláh: palavra formada pelo artigo definido Al, e ilah, que significa “a divindade”), também é macho. Deus é referido como Pai, e nunca como Mãe. O que é compreensível pelo facto de a figura do “deus único” ser um conceito criado por homens numa sociedade patriarcal e machista. Em tal contexto, Deus teria de ser macho e redutor da condição feminina como ainda hoje se observa (por exemplo) no Irão e no Afeganistão.

Foto de أخٌ‌في‌الله na Unsplash

Este paralelismo entre as duas crenças continua na convicção de que Ele (Deus, seja Jeová ou Alá) criou o universo, mantém-no e sustenta-o. Relativamente a nós, homens fracos e mortais, Ele (sempre grafado com maiúscula porque a subserviência ao poder é lei), seja o deus dos judeus, dos cristãos ou dos muçulmanos, é amoroso, generoso e benevolente (*). Só nos pede que o amemos e nos comportemos de acordo com os seus mandamentos, que são sempre dirigidos pelo respeito e amor ao próximo.

Porém, há uma importante nota a considerar: Ele deve ser amado antes de nós amarmos os outros… (os outros são próximos… mas não tanto!…) este procedimento indicia vaidade, prepotência e ciúme… o que, para um deus, não me parece lá muito bonito!… (É claro que tudo isto é invenção humana com intenção de amarrar os povos ao poder dos sacerdotes que, ao tempo, tinham também o poder máximo: social, político e económico. E Deus, por inexistente, sai absolvido).

Depois de morrermos, Deus premeia-nos ou castiga-nos (dizem os crentes), conforme as nossas acções em vida tenham sido boas ou más, as quais deverão obedecer às suas leis divinas que foram divulgadas através de Moisés, Jesus ou Maomé, por acção directa ou com a intermediação do Anjo Gabriel, para uns, e do Espírito Santo, para outros. A palavra Islão tem sentido duplo: significa Paz, mas também Submissão. Isto é: paz encontrada na submissão a Deus. 

Até aqui, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, em nada diferem.

Se as religiões fossem fontes de bondade e concórdia, como todas elas se auto-consideram, os seus respectivos aderentes viveriam em paz e harmonia no cumprimento da excelente fraternidade por todos eles apregoada, e as esquadras de polícia, mais os tribunais, encerravam por falta de clientela… mas as suas premissas são tão falsas como falso é o propagandista-vigarista que apregoa a milagrosa banha-de-cobra e a taluda da Lotaria numa cautela sem prémio, ou um governo que promete não aumentar impostos, e a Igreja que vende o céu ao crente depois deste “esticar o pernil”.

A Religião, sendo produto do pensamento e da acção dos homens, não é diferente da Política… cria grupos facciosos e fundamentalistas; e o fundamentalismo é o beco sem saída por onde enveredam os mais belicosos adeptos das seitas (religiosas ou políticas), estragando as relações humanas que podiam (e deviam) ser afectuosas.

No fundamentalismo, os “outros” são sempre os “inimigos” que só existem para serem derrotados… isto é, abatidos… como se “nós” (o contrário de “outros”) fossemos a fina-flor da Humanidade!… Há lá coisa mais vil, desumana e estúpida?!…

(*) – Embora na Bíblia se registe que Deus provocou a morte a imensa gente, como é exemplo o episódio bíblico das pragas do Egipto (entre outros), onde o tão amoroso deus dos judeus e dos cristãos é apresentado como um “serial Killer”: matou todas as crianças… só para atingir o filho do Faraó! Hoje, os “serial Killer” estão presos. E em alguns estados dos EUA são executados.

23 de Setembro, 2024 Onofre Varela

“A verdade liberta. A mentira prende”

Em 2007 a Editorial Caminho editou o meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um ateu”, obra que me ocupou cinco anos de escrita e, ao que julgava saber, a edição estaria esgotada… porém, dois amigos, num espaço de tempo curto e em livrarias diferentes, conseguiram o livro! Combinamos um jantar para dar à língua, recordar tempos passados e poder dedicar-lhes os dois exemplares do Peter Pan. Por essa razão peguei no exemplar que me resta em arquivo, abri-o ao calhas e, do que li, decidi fazer esta crónica.

Ao primeiro capítulo dei o título “A verdade tornar-vos-á livres. A mentira tornar-vos-á crentes”, frase que fui buscar ao Evangelho de S. João (8:32), para referir “crença e conhecimento”. A certo passo, digo assim: “Quem pensa que existe um ser supremo criador e dominador das vontades, não pode ser considerado menos, nem mais, inteligente do que aquele que não acredita em tal existência. Crença e conhecimento são matérias diferentes, antagónicas, mas que podem coabitar pacificamente no mesmo cérebro. O pensamento e a sabedoria são duas matérias primas da Filosofia e podem funcionar como terapia do espírito. Ambos «curam» ou aliviam algumas das nossas maleitas. Os nossos maiores males, quando não são de ordem natural, provêm de imposições alheias que resultam em aflições sociais e económicas, ditadas pelo meio onde nos inserimos e que nos faz sofrer. Deste sofrimento não podemos sair unicamente por nossa livre vontade (não é o mesmo que sair do autocarro). Somos vulneráveis e, por isso, também buscadores constantes da satisfação e do consolo que cada um pode encontrar em lugares distintos. O apuro dessa satisfação e desse consolo passa, inevitavelmente, pela qualidade do nosso pensamento e da nossa sabedoria. O apuro dessa qualidade, não se conseguindo no ensino oficial, terá de ser procurado por cada um, vendo, ouvindo, lendo e pensando. Quem assim não procede sujeita-se à educação padronizada que modela a sociedade em que o indivíduo se insere e que é, por mor de outros interesses que não os seus, nivelada pela matriz dos valores sociais estabelecidos – isto é: invariavelmente, por baixo – tornando-nos massificados, transformando cada um de nós num modelo estereotipado como alvo à mercê de quem vive da exploração dos nossos sentimentos programados”.

A melhor escolha na vida é cada um informar-se e ilustrar-se para poder pensar pela sua própria cabeça, não se deixando anestesiar por discursos de quem nos quer convencer, sejam agentes religiosos ou políticos. Tais agentes estão, continuamente, em “modo pré-eleitoral” tentando pescar adeptos para os seus grupos. Ao ouvirmos o palavreado que debitam nos vários púlpitos… temos de os peneirar criteriosamente… para (como se diz no meu meio) não sermos “comidos por lorpas”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

15 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Ciência, Religião,Ética e Moral

Hubert Reeves, especialista em astrofísica e autor do livro “Um Pouco Mais de Azul”, distingue o domínio da Ciência de quaisquer outros domínios de entre os que regem as sociedades que os homens já construíram.

A Ciência explica como as coisas são ou funcionam, e não se imiscui nos valores sociais. O domínio desses valores pertence a outros campos, como a Política e a Economia. Depois, há a Filosofia, a Religião, e mais um ramo filosófico denominado Ética (tendo acoplada a Moral), transversal a todos os outros campos, limitando poderes e moralizando atitudes.

Na Economia e na Política… parece que a Ética é uma espécie de “figura de estilo” que se encontra apenas nos discursos dos profissionais desses dois ramos para “parecer bem”, mas não nas suas acções e atitudes… pelo menos que nos apercebamos dela no dia-a-dia!…

A Filosofia é um tratado de manuais de Ética estudando os valores que regem os relacionamentos entre as pessoas, a harmonia do convívio na significação do bom e do mau, do mal e do bem, e a sua própria definição aponta para “aquilo que pertence ao carácter”.

Sobre a Religião talvez possamos dizer que é “o modo popular” que as populações têm de entender a Filosofia e procurar a harmonia social nos seus conceitos.

Filosofias há muitas… tal como chapéus (como disse o nosso actor Vasco Santana)… e carácteres também os temos por aí às mancheias, aos lotes e aos pontapés. Os carácteres são tão velhos quanto o raciocínio. O “Carácter” conta a nossa História feita de guerras, de crenças e de negócios sem pinga de Ética. Nas guerras encontram-se “carácteres” que são rastilhos patrióticos, causas religiosas e políticas apresentadas por quem as faz como “exemplos de positividade”… mas sempre em prejuízo do mesmo alvo sofredor: o Povo.

Vasco Santana – Arquivo da RTP

O Povo é sempre o personagem que se encontra na cena das acções de guerra e morre crente na divindade apregoada pelos seus líderes religiosos que fazem a guerra, mas também crente nas razões políticas dos líderes que armam exércitos e destroem cidades, matam velhos e, principalmente, crianças que ainda não tiveram tempo de experimentar o paladar da vida.

Se a maioria dos líderes religiosos (que tanto apregoam a divindade e matam gritando que “Alá é grande”), dos políticos e dos generais que, por crença na divindade e no patriotismo serôdio, fazem a guerra, tivessem vergonha e raciocínio Humanista… terminariam as guerras, as invasões, as destruições de equipamentos e cidades… e não haveria mais morte violenta.

De entre homens de Religião destaco Baruch Espinoza (1632-1677), filósofo holandês de origem portuguesa, autor do livro “Ética”, e que foi acusado de ser ateu… mesmo tendo definido Deus como “o ente absolutamente infinito, isto é, a substância que consta de infinitos atributos”… o que talvez queira dizer que Ética e Religião podem conflituar (e conflituam!) entre si!

A Ética tem, no Cristianismo, o seu expoente máximo na célebre frase “Amarás o próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:39), que é cópia do Velho Testamento (Levítico 19:18). É uma frase que traduz um conceito universalista, ultrapassando a Moral Católica que defende a vida uterina quando ainda não há ser humano formado e por isso condena o aborto; mas também condena o divórcio, a eutanásia e as relações homossexuais, que a Ética Laica defende como liberdades individuais lícitas.

A Ética religiosa difere de religião para religião. No Islamismo extremado, por exemplo, defende-se a condenação à morte da mulher que se apaixona por um homem que professe outra religião que não seja aquela que é seguida pela família dela!…

É comum misturar-se Ética com Moral. Não são a mesma coisa. Se a Ética estuda valores morais que orientam o comportamento humano, a Moral é constituída pelos costumes, pelas regras e pelos tabus das convenções instituídas por cada sociedade.

Logo, a Ética é mais universalista, enquanto que a Moral (os apelidados “bons-costumes”) é uma herança emocional e colectiva transmitida por cada sociedade aos seus membros… (e muitas vezes não é lá grande coisa!…)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Somos evoluídos em relação a quê?!…

No início da escrita deste texto comecei por escolher para título a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Mudei-o depois… mas na verdade, entendido como poder, o conceito de Deus é tão perigoso quanto qualquer outro poder quando ele é imposto como paradigma da “Verdade Absoluta”, obrigando à sua submissão sem limites nem interrogações, como são exemplo não só os credos religiosos, mas também o Fascismo, o Nazismo e o Comunismo, ou qualquer ideologia de Direita-extremista ou Teocrática.

A confirmar a perigosidade do conceito de Deus, estão os extremistas islâmicos que, em nome de Deus, cometem os mais hediondos crimes, desrespeitam as mulheres e escravizam as crianças. No capítulo das crianças, e na Política, Putin faz o mesmo, escravizando a mente dos menores roubados às famílias ucranianas após a invasão da Ucrânia, submetendo as crianças raptadas a “lavagens cerebrais”; na China de Xi Jinping faz-se igual ao Povo Uigur – nas apelidadas «escolas de reeducação» – para que os “reeducados” pensem conforme o que o ditador quer que se pense, destruindo a identidade cultural do povo Uigur.

Por seu lado, o “poder dos deuses” sempre foi ditadura persecutória, explorado pelos líderes das comunidades que o usavam (e usam) para oprimir o Povo, conseguindo a sua subserviência ao poder temporal, amedrontado com o castigo divino. Os credos religiosos subjugam-nos desde a Antiguidade mais remota, passando pela Idade Média (quando a Igreja era a “dona” das governações e coroava reis a seu contento) até aos nossos dias e à nossa porta.

É neste sentido que deve ser entendida a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Fora deste contexto de subjugação a um deus (ou a qualquer outro poder ditatorial), numa sociedade sadia dispensadora da droga do divino e liberta de ditaduras políticas opressoras que impõem o pensamento único, uma corrente de ar é bastante mais perigosa para um corpo desprotegido… e Deus vale zero (os ditadores valem menos que zero).

Embora hoje o poder da religião continue a ser praticado ao serviço dos vários interesses que comandam a sociedade em que nos inserimos, estamos numa posição diferente daquela em que viveram os povos de outros tempos sob a ditadura dos sacerdotes… mas não estamos melhores!… Hoje não são apenas as religiões que dirigem a vontade dos povos; os partidos políticos e os grupos económico-financeiros também fazem parte da lista dos exploradores da boa-fé das populações.

Somos comandados pelos poderes (a maioria das vezes constituídos pelas piores pessoas) que dominam a sociedade e nem nos damos conta de que são muitos. Na verdade, quando um anónimo cidadão temente a Deus ajoelha no templo em frente ao altar do santinho da sua devoção, ou ouve o guru da seita que lhe promete felicidade eterna, julga fazê-lo perante a divindade. Foi isso que lhe disseram em menino e é nisso que ele acredita. Mas na verdade ajoelha-se perante um Poder: o poder da Igreja e das modernas seitas que amarram as mentes crentes à ideia opressora de Deus usada pelos exploradores da fé.

A seguir vêm todos os outros poderes, e não é raro a própria entidade patronal (a quem o temente a Deus vende a força do seu trabalho) pertencer à casta dos que colhem da seara divina (é, até, muito frequente) porque a ideia de Deus traz acoplada a submissão à autoridade, seja ela divina ou humana. O patrão tem poder sobre os seus assalariados podendo negar-lhes o pão quando muito bem entender… e na verdade já o nega quando paga salários miseráveis aos seus assalariados e compra habitações de luxo, iates e automóveis topo de gama para si próprio, com o lucro que arrecada do trabalho miseravelmente pago.

As leis, nesta era da globalização, estão feitas à medida dos poderes da Banca e da Economia, numa Europa desenhada para a submissão do Trabalho ao Capital, e da Política à Economia e à Alta Finança, protegendo a exploração do trabalho com direitos reduzidos para alimento de um sistema económico-neocapitalista asselvajado tendo a extrema-direita à espreita para promover o retrocesso da nossa caminhada pelo respeito ao próximo e pela concórdia social (se o Comunismo era o sonho da “parte sadia” da sociedade nas décadas de 1950, 60 e 70, em contra-ponto ao Capitalismo… deixou de o ser desde que partidos comunistas apoiam ditadores como Putin, Maduro e Kim Jong-un).

Neste sistema social em que vivemos e que sempre nos oprime (embora se diga democrático), há uma verdade histórica a considerar: “o Povo é tanto mais explorado quanto mais religioso for”. E há mais esta: “a sociedade tem tanto mais ricos, quanto mais pobres e incultas forem as pessoas que a constituem”. E isto não é mais do que um gritante sinal de primitivismo!

Quando nos imaginamos uns seres inteligentes e evoluídos, devemos interrogar-nos: somos evoluídos, em relação a quê?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

23 de Agosto, 2024 Onofre Varela

O Mundo ao Contrário

Dois jornais nacionais noticiaram, em dias seguidos, dois casos que sendo de naturezas diferentes e distanciados geograficamente, lhes encontro razões políticas semelhantes… maleficamente semelhantes… pelo desrespeito que os seus responsáveis nutrem pelos cidadãos dos seus países.

O primeiro caso foi noticiado pelo Diário de Notícias no dia 20 de Agosto último, e dá a saber que no espaço de um ano os Talibãs que tomaram o poder no Afeganistão desde que Biden retirou as suas tropas daquele país em Agosto de 2021, já destruíram mais de 20 mil instrumentos musicais e milhares de filmes considerados “imorais” pelo Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício (a meu ver, uma instituição imoral) o qual é responsável pela prisão e assassínio de pacíficos cidadãos, à semelhança do que faz o vizinho Irão que possui um corpo de polícia com a mesma designação e que matou a jovem de 22 anos Masha Amini, em 16 de Setembro de 2022, alegadamente por ter o lenço da cabeça mal colocado permitindo ver-se um tufo de cabelo.

A música e os filmes vulgares que passam nas nossas rádios e nos nossos cinemas – e que todos nós consideramos elementos culturais ou de diversão – são considerados, pela lei dos fundamentalistas islâmicos Afegãos, como instrumentos de imoralidade e contra a lei islâmica (a qual configura a sua cultura).

Na mesma operação (alegadamente dos bons costumes) “decapitaram-se” manequins de montra, foram despedidos 25 mil trabalhadores do sector de comunicação, e foram inspeccionados milhares de locais comerciais, como restaurantes, hotéis e salões onde se realizavam bodas de casamento, para que as autoridades assegurassem que não se ouvia música em tais espaços. A música proibida pelos talibãs não é só a gravada… também inclui música ao vivo e tradicional, executada com instrumentos típicos como timbales e guitarras semelhantes a alaúdes, o que é um atentado cultural aos costumes de um povo.

Excerto do Diário de Notícias, disponível aqui.

A liberdade também é anulada nas mulheres, impedindo-as de frequentarem o ensino superior, de terem acesso ao trabalho e a circularem na via pública sem companhia masculina familiar.

Isto passa-se num regime teocrático desrespeitador dos direitos humanos universais, transformando cada cidadão num autómato que só pode funcionar como o ditador religioso decreta, na convicção de estar a cumprir as ordens de um deus!

Do outro lado do mundo vêm notícias igualmente negativas, divulgadas pelo jornal Público no dia seguinte (21 de Agosto). No Ocidente, que se diz socialmente desenvolvido e tão respeitador dos direitos fundamentais, chegam-nos da Venezuela os ecos de um acto eleitoral opaco que deu a vitória ao ditador de serviço há uma dúzia de anos, mas cuja vitória é contestada pela oposição que mostra vídeos feitos em todas as mesas eleitorais onde se diz em voz alta o resultado da votação que dá vitória esmagadora à oposição.

O povo saiu à rua e o ditador mandou a polícia pôr fim à contestação, o que resultou em 27 manifestantes mortos… mas cujas mortes o ditador assaca aos próprios manifestantes e à oposição, e não à violência da polícia do regime que comanda. O responsável máximo pelo Ministério Público da Venezuela quer mandar prender o líder da oposição, atribuindo-lhe a culpa pela morte dos cidadãos contestatários assassinados!

para o Partido Comunista Português (PCP) a razão está com o ditador, cujos resultados eleitorais se apressou a felicitar, antes mesmo de serem confirmados pelas autoridades venezuelanas, e o Supremo Tribunal da Venezuela já proibiu a divulgação das actas eleitorais… pelo que a confirmação não existe e permite-nos ajuizar que é escondida por não ser favorável ao ditador. O curioso desta atitude do PCP é ela ser contra a ideia do próprio partido comunista venezuelano!

(Devo dizer, como declaração de interesse, que militei no PCP desde o fim da década de 1970 até ao dia em que os seus deputados viraram costas a Zelenski no Parlamento, cuja atitude entendi como apoio implícito ao invasor Putin e condenação do povo ucraniano invadido… o que repudio)

Estes actos mostram-me um mundo ao contrário. 

O mal ocupa o lugar do bem e, espantosamente, tem apoiantes!… 

A ditadura religiosa de uns e a ditadura política de outros, são semelhantes na forma, e os resultados são igualmente maus para as respectivas populações que são as eternas vítimas sempre desrespeitadas, insultadas, perseguidas e manietadas. 

O mundo não pode fazer nada em favor dessas populações? 

Parece que não!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

19 de Agosto, 2024 Onofre Varela

“O Homem Criou Deus”

“O Homem Criou Deus” é o título do livro de que sou autor e foi editado pela Edium Editores em Dezembro de 2011. A obra, que estava esgotada, teve agora uma segunda edição revista e aumentada (muito aumentada!) pela Seda Publicações (herdeira da Edium), em Junho de 2024.

Adão era canhoto”, ilustração do autor para a capa do livro. Grafite e lápis de cor.

São 411 páginas (contra as 239 da primeira edição) onde discorro sobre o tema Religião de acordo com a minha ideia de não crente e como cidadão interessado no fenómeno religioso, assumindo-me crítico, não da fé (que é perfeitamente lícita) mas sim da exploração que dela se faz através de credos religiosos estabelecidos na sociedade, mas também da Política e da Economia, os outros dois poderes sociais que, somados à fé religiosa, constituem “a troica” que nos submete a situações indesejadas, mas que aceitamos docilmente pela “anestesia da fé” (seja em Deus ou nos gurus de seitas e partidos políticos). São situações de “escravatura mental” a que nos submetemos sem disso darmos conta.

Do sumário do livro destaco alguns temas:

A criação do conceito de Deus (criado por sentirmos necessidade dele, pois o Homem só cria o que necessita); Bíblia e História; a poesia contida no Génesis; os feitos de Moisés que a História não regista; fundamentalistas religiosos que atacam o Humor e assassinam Caricaturistas; o Mito e a Razão; o Sudário de Turim; a Arte e o Sagrado; Mulher, a eterna vítima das sociedades patriarcais bíblicas e corânicas; a desumanidade e selvajaria da Pena de Morte; as fantasias da Trindade e do Dogma; Jesus Cristo e o seu tempo, os Evangelhos e o seu valor social, hoje.

Deixo-vos três parágrafos do livro, como aperitivo:

«…Nas democracias é norma afirmar-se o respeito pelo outro e o reconhecimento dos direitos de todos, incluindo as minorias. Mas também é comum vermos esses direitos constantemente atropelados, com incidência no modo como se tratam etnias e as mulheres. Até no mercado de trabalho, nesta nossa sociedade tão ciosamente democrata e temente a Deus, as mulheres desempenham funções iguais às dos homens, com a mesma capacidade e perfeição, mas auferem menor ordenado pelo facto de serem mulheres! Em Janeiro de 2018 circulava nos media a ideia política de se igualar os vencimentos de homens e mulheres, alertando-se a opinião pública para o facto de os homens ganharem mais 17,8%…» (Página 268).

«…Hoje, quando assisto a uma missa, observando com olhos de antropólogo amador o que ali acontece, se diz e se sente, retrocedo para a Idade Média! Constato que a Igreja não ouviu os seus pensadores […] nem nada de mais actual transmitiu à sua clientela consumidora de missas, do que aquilo que vem transmitindo desde o tempo em que a ignorância imperava sobre os povos crentes anteriores ao Iluminismo… e os seus clientes continuam a afluir em rancho!… Isto parece-me negativamente impressionante e alimenta a minha preocupação e desconfiança no futuro próximo, por me aperceber da existência de tantos cérebros tão mal alimentados e desaproveitados! A qualidade do interesse intelectual da maioria de nós… também é mito…» (Página 351).

«…Se Jesus Cristo vivesse hoje não faria carreira no Vaticano, nem a sua doutrina seria aprovada após uma inspecção teológica de Ratzinger, nem como cardeal, nem travestido de Papa Bento 16. Jesus foi um político do seu tempo, protestante da religião judaica a qual pretendeu purificar. Hoje seria um feroz crítico do luxo que a Igreja ostenta desde a Alta Idade Média. Talvez por isso a Igreja dê uma grande importância a Maria, porque a sua imagem (ao contrário da do filho) não está comprometida com a Esquerda! Maria não cria problemas ao nível da política; e Jesus, tendo em conta a sua conduta social, até pode ser sindicalista e comunista!…» (Página 376).

Os interessados no livro podem encontrá-lo no Porto, na UNICEPE. Praça de Carlos Alberto, 128 A. Telefone 22 205 66 60 (na esquina da Praça dos Leões). Quem está longe do Porto pode contactar o editor: www.gugol-livreiros.pt

14 de Agosto, 2024 Onofre Varela

Fé e Extrema-Direita

Terminada a série de textos que dediquei à Liberdade de Expressão conquistada com a Revolução dos Cravos em 25 de Abril de 1974, volto aos textos habituais onde faço a defesa do livre-pensamento, contrariando o pensamento religioso que enforma a crença de que todos os fenómenos acontecem pela vontade de entidades ou energias sobrenaturais, e sob a qual a Igreja (todas as igrejas e seitas aparentadas) tem submetido o nosso Bom Povo à medievalidade do pensamento.

Na manchete do jornal Diário de Notícias (DN) da edição de 26 de Março de 2024, lê-se na largura total das suas cinco colunas: “Não vamos parar até que a Bíblia entre no Parlamento”.

Foto de Edwin Andrade na Unsplash

Esta frase, produzida por membros de seitas evangélicas eleitos como deputados da Direita Radical, tem de ser entendida como uma ameaça à Democracia, e deve fazer soar as campainhas de alerta para a atenção de todos nós, como sirene de bombeiros convocando os soldados da paz para apagar um tenebroso incêndio.

O DN preenche três páginas da edição com uma investigação da jornalista Amanda Lima, na qual se chama a atenção dos leitores para “o uso de desinformação, provocando medo nos fiéis – naquilo que um investigador designa de «conspiritualidade», a associação de teorias de conspiração e espiritualidade – e a aliança com políticos bolsonaristas, que marcou a campanha política do Chega e do ADN e pode ter conseguido angariar votos para estes dois partidos”.

A mistura da política com o culto pretensamente evangélico (se Jesus Cristo por cá estivesse, corria estes mafarricos ao tabefe como fez na expulsão dos vendilhões no templo) fabrica um “cocktail” explosivo na mente dos mal informados que encontram na fé de um credo religioso, ou seita correlativa, a “Verdade Universal” como “razão” para as suas existências e malfeitorias.

São “mentes raquíticas” que alimentam extremismos!… E se os governos não conseguem, pela educação, abrir horizontes de pensamento na mente dos Portugueses frequentadores de tais antros (alegadamente evangélicos), o futuro que se desenha e adivinha, é dramático pela destruição que faz da inteligência e da capacidade de raciocínio autónomo, criando clones dos “bispos de aviário” que do Brasil são exportados através de várias seitas maléficas para todo o mundo, tendo Portugal como um dos alvos.

“Portugal é um laboratório, nós vamos abrir igrejas em todo o país e aqui na Europa”, afirmou um desses auto-denominados bispos, na abertura de uma “sala de chuto” do culto da sua seita em Vila Nova de Gaia. Após o seu inflamado discurso, os presentes naquela aglomeração de alienados, gritaram: “amen, glória a Deus” e, freneticamente, aplaudiram aquela espécie de bispo-pop-star!…

(Nunca nos esqueçamos que em nome de Deus já se produziram os mais hediondos crimes que desilustram a nossa História, de que são exemplo os assassinatos cometidos pelo extremismo islâmico, hoje, e pelo extremismo católico no tempo das Cruzadas e da Inquisição chamada “Santa”).

O chamado “voto evangélico” já está em Portugal desde que a Assembleia da República abriu as suas portas aos inimigos da Democracia, disponibilizando-lhes assentos no Parlamento. E eles estão ali animados do único propósito de terminarem com a Democracia que lhes permite existir, logo que o Povo, em acto eleitoral, lhes dê força política suficiente para poderem alterar a Constituição da República a seu contento e fecharem o Parlamento Democrático para férias, como fez Salazar durante 48 anos (e como pretende fazer Trump nos EUA se o elegerem, transformando os EUA numa cópia da Rússia Putinista).

Não foi por acaso que o líder da Extrema-direita portuguesa exibiu um terço, que retirou do bolso, mostrando-o, pela televisão, ao povo deste país, como isco a morder, sublinhando o seu gesto com a afirmação de “aquela coisa” o acompanhar para todo o lado… nem foi por acaso que, em entrevista depois de votar, disse que, dali, ia assistir a uma missa!…

A jornalista Amanda Lima refere que o novo partido ADN (Alternativa Democrática Nacional, nova designação do Partido Democrático Republicano criado em 2014 por Marinho Pinto), num relatório de 2023 da ONG norte-americana Global Project Against Hate and Extremism, é classificado como “grupo de ódio e de extrema-direita”.

A estratégia de partidos desta índole e de seitas alegadamente evangélicas, segundo o professor Donizete Rodrigues, da Universidade da Beira Interior e do Centro de Investigação de Antropologia, que investiga há dez anos a influência dos evangélicos na política, “é chamada de «teologia do domínio», já aplicada com sucesso nos Estados Unidos e no Brasil, com Donald Trump e Bolsonaro”.

Trata-se de uma ideologia que “assenta na ideia de tomar o poder para transformar a sociedade. Isso começa com um grupo, é uma ideologia extremamente ultraconservadora, que navega facilmente nos partidos ou nos movimentos de direita, direita radical ou extrema-direita, como é o caso do Trump, Bolsonaro e agora André Ventura em Portugal, além do ADN”, afirmou Donizete Rodrigues.

Cabe-nos a nós, cidadãos democratas defensores da diversidade, e respeitadores das diferenças que fazem os seres humanos, a responsabilidade de criar os anti-corpos que nos permitam a defesa de tais parasitas infestadores da sociedade.

Irradiquemo-los, não pela força das armas, mas pela força do raciocínio, da razão e do comportamento social, na defesa do lema humanista: “Todos Diferentes. Todos Iguais”.

12 de Agosto, 2024 João Nascimento

Da Religião e do Sequestro da Alma Humana

Gosto de pensar que fui aluno de Carl Sagan, embora isso seja algo que muitos outros como eu poderão também facilmente afirmar. Cresci a ler os seus livros, a ver os seus documentários — Cosmos, por exemplo —, e apaixonei-me, tal como tantos outros, pela beleza da ciência por causa dele.

Arrisco a dizer que Carl Sagan foi quem me mostrou pela primeira vez o que era o numinoso, o que significa, o que representa e quão importante é. Senti-o pela primeira vez com ele.

No seu livro Pale Blue Dot, o Carl Sagan oferece ao mundo uma reflexão profunda, inspirada por uma fotografia que ele mesmo propôs que fosse tirada pela sonda Voyager 1, em 1990.

À medida que a sonda se distanciava para além das gélidas fronteiras do nosso sistema solar, a câmara foi então ajustada para capturar uma imagem da Terra. O resultado foi uma fotografia que nos revelou não mais do que um minúsculo ponto azul claro na escuridão cósmica. Acredito que este gesto aparentemente simples tornou-se uma sinopse visivelmente crua da nossa fragilidade, e da nossa poética insignificância no panorama universal.

Olha novamente para aquele ponto. É aqui. É o nosso lar. Somos nós. Nele, todos aqueles que amas, todos os que conheces, todos aqueles de quem já ouviste falar, todos os seres humanos que alguma vez existiram, viveram as suas vidas. O agregado do nosso júbilo e sofrimento, milhares de religiões confiantes, ideologias e doutrinas económicas, todos os caçadores e recolectores, todos os heróis e cobardes, todos os criadores e destruidores de civilizações, todos os reis e camponeses, todos os jovens casais apaixonados, todas as mães e pais, crianças esperançosas, inventores e exploradores, todos os professores de moral, todos os políticos corruptos, todas as “superestrelas”, todos os “líderes supremos”, todos os santos e pecadores na história da nossa espécie viveram ali — num grão de pó suspenso num raio de sol.

A Terra é um palco muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pensa nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores para que, em glória e triunfo, pudessem tornar-se os senhores momentâneos de uma fracção de um ponto. Pensa nas crueldades sem fim cometidas pelos habitantes de um canto deste píxel sobre os habitantes de algum outro canto, quão frequentes são os seus mal-entendidos, quão ávidos estão em matar-se uns aos outros, quão fervorosos são os seus ódios.

— Carl Sagan, Pale Blue Dot

Quando fui confrontado com esta incongruência entre o nosso solipsismo inato, e a ínfima impressão que deixamos no cosmos pela primeira vez, cresci.

Lembro-me do momento preciso, pois senti que esta discordância era um alerta valioso sobre a futilidade dos nossos conflitos terrenos, sobretudo quando ponderados à luz da escala incomensurável do universo. A revelação foi um momento de exaltação intelectual, um Eureka pessoal que potenciou e inspirou positivamente uma já irreversível e eterna viagem por mais conhecimento. 

Acredito não ser o único primata a ter sentido o mistério do transcendental, a ter experimentado algo maior que eu, mais importante e fantástico. Tenho a certeza disto.

Há mesmo momentos especiais nas nossas vidas em que o cosmos parece alinhar-se de forma quase mágica, e muitas vezes a nosso favor. Um breve instante em que a realidade deixa de ser o que parece e revela algo que ultrapassa o mundano e o habitual. Faz-nos sentir grandiosos, especiais, únicos, poderosos, extasiados, ansiosos, como tendo sido o melhor dia da nossa vida. O melhor evento, o quadro mais trágico, a canção mais lírica, o poema mais emocional, o livro mais bem escrito, etc.

Muitos, ao longo de milénios, têm interpretado estes vislumbres do transcendental como carícias divinas. Empurrões espirituais que levam muitos a percorrer caminhos ditos sagrados — seja pelo sacerdócio, pela conversão ao Islão, ao Hinduísmo, ao Judaísmo, ou por qualquer outra senda delineada pelo desonesto carimbo da religião.

E é precisamente aqui que a religião comete talvez a sua maior afronta: a audaciosa presunção de que apenas através dela, com os seus rituais, dogmas e insanidade em geral, é possível ao ser-humano experimentar o numinoso e sentir-se parte de algo maior e mais magnífico.

O transcendental, o numinoso, é aquela sensação que nos liga ao sublime, um grito trovadoresco que nos expõe a algo incrivelmente profundo. Desafia por vezes a lógica e leva-nos a confrontar uma realidade vasta em nuances e, por vezes, indescritível. E, ao contrário do que as religiões têm pregado há milénios, não são necessários mediadores, sacerdotes ou símbolos e rituais religiosos para o experienciar.

Este radar que temos para o detetar e sentir é intrínseco, uma parte essencial de todos nós, independentemente da fé — ou da ausência dela. Ao longo do tempo, a religião apoderou-se desta experiência profundamente humana da pior maneira possível. Ao sequestrar a nossa sensação de esplendor, a religião não só a conspurca continuamente e desde sempre, como também nos faz crer, de forma insidiosa, que apenas através das suas más ideias e práticas arcaicas poderíamos ter acesso a esta dimensão essencial da nossa existência.

Mas será que Michelangelo, o famoso pintor, ao criar as suas obras-primas sob a tutela financeira do Vaticano, estava realmente a expressar inspiração oriunda de fé fervorosa? Ou terá sido simplesmente a sua genialidade, a sua ligação natural ao numinoso, que brilhou apesar das imposições religiosas? Sabemos sequer se este artista era realmente devoto? Ou estaria ele apenas a tentar ganhar a vida?

A mente religiosa afirma ser impossível criar arte majestosa, música inspiradora ou escrever algo verdadeiramente belo e puro sem uma ligação íntima, e de forma altamente suspeita, com um ou mais deuses. Discordo.

Reivindicar algo tão humano como seu é nada menos que uma mentira, uma narrativa construída por homens prepotentes, cínicos, virgens e moralistas, para manter o seu domínio sobre as nossas vidas — aqui, no mundo real e mortal, onde conseguem verdadeiramente exercer o seu poder sobre as mentes mais incautas e controlá-las. Talvez seja esta a razão pela qual está tão profundamente enraizada na nossa psique colectiva, e tão difícil de erradicar ou domesticar.

Um ateu, um agnóstico, qualquer descrente, qualquer pessoa com cérebro e neurónios relativamente activos, tem tanta capacidade de sentir a beleza numinosa como qualquer devoto. A verdade é que esta manifesta-se de inúmeras formas que nada têm a ver com a institucionalização do sagrado.

Está presente na ciência que revela os mistérios do universo, na arte que expressa a profundidade e dificuldade da experiência humana, e nos actos de coragem e altruísmo que nos mostram o melhor da essência do ser humano.

A arte, a ciência, a exploração do desconhecido — todas estas são formas legítimas e poderosas de experienciar o numinoso, muitas vezes de forma mais pura e direta do que qualquer conjunto de regras ou dogma religioso permitiria. E, por conseguinte, com maior e melhor utilidade a curto e longo prazo.

Quando a religião — qualquer uma delas — afirma possuir o monopólio do transcendente, está apenas a tentar, de uma maneira extremamente venenosa, controlar a nossa relação com o mistério e a beleza do universo.

Acredito que chegou a hora de a resgatarmos, assim como a poesia da existência, das garras da religião, e de a reclamarmos como nossa, como parte da nossa herança humana universal.

O numinoso é livre.

31 de Julho, 2024 Onofre Varela

Israel agressor a sentir-se agredido por mim!

O consumo de Religião em demasia é como o vinho: embebeda!… O sentimento religioso misturado com o sentimento pátrio, mais o poderio económico e a força militar, dá uma mistela explosiva desintegradora do raciocínio da besta que a consome.

Quando abordamos a actualidade da política judaica temos em mão um exemplo de tal mistela, na qual se mistura fé religiosa na vertente mais sacana (a extremista), com poder económico e militar. São estes bêbedos consumidores de fé e presunção de superioridade em copo cheio, e do poder económico às litradas, que se alimentam do vício do poder e se permitem vomitar sobre a liberdade de quem bebe com regra, raciocina saudavelmente e dispensa radicalismos.

A última vomitadela censória de que fui vítima aconteceu na Bienal de Arte de Gaia – 2023, para a qual fui convidado a participar expondo 20 desenhos (cartunes e caricaturas).

Um dos cartunes expostos (seleccionado em segunda escolha e aqui reproduzido) refere esta verdade histórica: “Israel trata os Palestinos com o mesmo desrespeito com que Hitler tratava os Judeus”. Tanto bastou para que um judeu visitante da exposição se sentisse incomodado no raquitismo cerebral de que enferma, fotografasse o trabalho e enviasse a imagem como reclamação para uma coisa chamada Comunidade Israelita de Lisboa.

Em consequência da acção daquele aprendiz de espia da Mossad, a Câmara Municipal de Gaia recebeu uma mensagem “de teor agressivo”, sugerindo (ou impondo?) a retirada do apoio económico da autarquia à Bienal de Arte, como se a má disposição judaica fosse mais importante do que o evento artístico em causa!

Na sua reclamação, a coisa judaica entendia que “a Estrela de David sobreposta no coração de uma imagem desenhada de Hitler é uma ofensa grave e indecorosa”!… Reacção típica de um sentimento religioso fundamentalista e estúpido em último grau, que tem muito mais piada do que o meu desenho… porque a estrela Israelita não está sobreposta no coração, mas desenhada na representação de um casaco!… Se despissemos o casaco àquela figura, a estrela passava a estar pendurada num cabide… sem necessitar de cirurgia cardíaca para a “remover do coração”!

Fui informado da censura ao meu desenho por telefonema do director da Bienal (o meu camarada jornalista e artista plástico Agostinho Santos) na manhã do dia em que a Câmara Municipal de Gaia recebeu o recado judeu. Num segundo telefonema, a meio da tarde, com a presença de autarcas na conversa telefónica, apercebi-me de que a autarquia estava com “uma batata quente nas mãos” e que a Embaixada de Israel em Lisboa já fazia parte do processo com mensagem considerada “agressiva”.

O autarca queria saber qual era a minha posição sobre a questão. O espaço de tempo decorrido entre os dois telefonemas serviu-me para reflectir sobre o assunto. Já tinha digerido e percebido o incómodo judeu e a consequente chantagem camuflada no protesto… bem visível na preocupação do responsável autárquico, e sabia de notícias recentes que me alertavam para a realidade do desconforto.

Se eu tivesse 20 anos, montava a minha juventude guerreira e batia o pé frente a Israel… mas à porta dos 80 anos já tenho estatuto para ser mais racional e inteligente. Ultrapassei a irracionalidade e a falta de inteligência dos presunçosos judeus e decidi retirar da Bienal o cartune da discórdia, mantendo o espaço em branco para ser notada a falta da obra, e poder explicar o porquê a quem perguntasse. Assim se fez e a questão foi arrumada.

O censor judeu rotulava-me de “anti-semita” (tal como Salazar rotulava de anti-patriota quem não fosse Salazarista). Agradeço a atitude da “tal coisa dos judeus”, porque quer dizer que o cartune funcionou e a minha mensagem foi passada. Muito obrigado pela vossa indisposição. Foi para isso mesmo que o desenhei, publiquei (há três anos n’O Gaiense) e mostrei na Bienal.

O cartune em questão fundamenta-se em dois factos históricos. Primeiro: Hitler maltratou Judeus; segundo: Israel maltrata Palestinos. Dizer que esta minha apreciação crítica é uma atitude anti-semita, é confundir uma cebola com um pêssego!… Nesse sentido alertei os escandalizados ditadores e fundamentalistas judeus para que nunca usem cebola numa salada de frutas, nem pêssego num estrugido (refogado para os lisboetas). O resultado seria intragável, como intragável é o fundamentalismo de quem apelida de “anti-semita” quem não diz amen consigo.

A memória dos judeus vitimados pelos assassinos nazis merece-me toda a dor, respeito e consideração. Repudio o genocídio perpetrado por Hitler que escreveu páginas negras e vergonhosas na História da Humanidade. O modo como Israel trata os cidadãos da Palestina, na figura de invasor dos seus territórios que lhes foram destinados após a Segunda Guerra Mundial, também me merece idêntico repúdio… as acções bélicas israelitas perante os Palestinos são tão desumanas quanto foram as acções nazis!

Se o delactor (candidato a bufo da Mossad) que passou pela Bienal, fosse inteligente e defensor da Paz em vez de “burro ofendido”, ninguém tinha visto aquele desenho. Passaria despercebido entre as centenas de obras expostas. Assim, ganhou notoriedade… fui entrevistado por meios de comunicação, o desenho passou na televisão, foi falado na rádio e publicado massivamente em jornais… e agora, aqui!…

A tal coisa promoveu-me!… Só espero não receber a conta… porque com judeus nunca é de fiar!…