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  • 7 de Abril, 2014
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

As Guerras da Fé (3/6)

Nicole Guardiola que acaba de ser publicado na revista “AFRICA 21″, edição n.º 84 de Abril 2014 e com o título “As Guerras da Fé.
A islamização de Africa entre realidades e fantasmas

A Nigeria , maior pais africano pela população e a pujança economica, está no epicentro de uma competição entre cristãos e muçulmanos pela conquista de Àfrica. A evoluição da situação é seguida com interesse e apreensão no resto do continente e no Ocidente. As consequencias da implosão deste país seriam dramaticas para todos, a começar obviamente pelos nigerianos.

A 27 de fevereiro 28 chefes de estado e de governo africanos estiveram em Abuja para o encerramento das celebrações do centenario da unificação do norte, maioritariamente islamita, e o do sul cristão e animista, abos sob protetorado britanico desde a Conferencia de Berlim. A efemeride é considerada como a data do nascimento da actual Nigeria que alcançou a independencia em 1960.

Convidado de honra, o presidente frances François Hollande aproveitou a oportunidade para reafirmar o apoio da França e do Ocidente ao Presidente Goodluk Jonathan na sua luta contra Boko Haram, e aos governos da região no combate contra o «terrorismo islamista».

No mesmo tempo os serviços de informação franceses afirmavam ter detactado a presença, na Nigéria, do ex-numero dois da Seleka Noureddine Adam que fugira de Bangui apos a destituição de Djotodia. A eventual decisão deste oficial centrafricano formado na academia de policia do Cairo que comandou a guarda pessoal do sultão de Abu Dhabi e serviu nas forças especiais israelitas de por as suas competencias, relações e meios financeiros ao serviço de Boko Haram seria segundo a fonte um passo mais no sentido da criação de um «eixo do Mal» islamista atravessando Àfrica do Atlantico ao Corno de Africa, ameaça que obseda os estrategas ocidentais desde o inicio da guerra no Mali ( ver Africa 21, a Guerra no Deserto).

Ameaça djihadista sobre a Nigeria

Mas estará realmente em curso uma «guerra» entre muçulmanos e cristãos pelo controlo total da Nigeria e a expulsão dos vencidos? A maioria dos investigadores duvidam desta interpretação e a propria imprensa nigeriana é muito reservada. De facto não passa uma semana sem que os grandes media internacionais relatem mais um massacre «atribuido» aos terroristas de Boko Haram contra civis inocentes, cristãos reunidos em igrejas para o culto dominical ou adolescentes queimados vivos no incendio de uma escola.

A oposição nigeriana acusa o Presidente Jonathan de deixar as tensões etno-religiosas agravar-se para granjear apoios politicos externos e fazer esquecer a corrupção e a concentração da riqueza gerada pelo petroleo nas mãos da elite dirigente , verdadeiras causas da instabilidade social e politica ameaça fazer implodir a Nigeria. Lembra que as mesmas acusações dirigidas contra os muçulmanos nortenhos então no poder estiveram na tentativa de secessão do sul , maioritariamente cristão, conhecida sob o nome de guerra do Biafra (1967-1970) e que causou mais de um milhão de mortos.

O professor Bakary Sambé, investigador do Centro de Estudos das Religiôes de Saint Louis do Senegal insurge-se contra « a manipulação dos simbolos religiosos para fins politicos» lembrando que a preocupação dos dirigentes africanos deve estar centrada na luta pelo desenvolvimento e contra a pobreza em vez de «satisfazer os aliados ocidentais ou se submeter a ideologias politico-religiosas vindas do Oriente».

Esta visão è partilhada pelo politologo frances Jean-François Bayart (autor de obras de referencia sobre a Africa pos-colonial) que procura desmitificar a alegada «islamização de Africa».

Na opiniáo do Prof. Bayart « se o salafismo (pratica rigorista do Islão alheia as tradições dos muçulmanos africanos) têm o vento em popa na região o mesmo acontece com é o evangelismo que conhece uma forte progressão no Golfo da Guiné em detrimento da igreja catolica (…) Esta combinação entre salafismo muçulmano e evangelismo cristão é particularmente evidente na Nigeria».

Sem negar a realidade da progressão do Islão em Africa subsariana (onde o numero de muçulmanos passou de 50 milhões em 1960 para 250 milhões em 2010, segundo o Pew Forum) e do terrorismo islamico que fez o seu aparecimento na região em 1998 com os ataques contra as embaixadas americanas no Quenia e na Tanzania, a objetividade obriga a recolocar ambos fenomenos no seu contexto historico e a evitar todo o amalgama caro aos seguidores da teoria do «choque das civilisações» enunciada por Samuel Huntington sob pena de fazer o jogo dos fundamentalistas cristãos e islamistas.

O fantasma da islamização

Há séculos que o Islão faz parte da cultura africana mas ao sul do Sara a sua progressão têm travada pelo cristianismo importado pelos colonizadores europeus. O movimento acelerou nas últimas decadas sem alterar significativamente o equilibrio entre as duas grandes religiões monoteistas á escala do continente. Ambas cresceram em virtude do crescimento demografico galopante e em detrimento dos cultos tradicionais africanos . Raros são actualmente os africanos urbanos e escolarizados que não professam uma das «religiôes do livro» – Biblia ou Corão – mesmo se permanecem fieis a ritos relacionados com as crenças ancestrais.

A Nigeria é o paradigma: quinta maior nação islamica do mundo com 77 milhões de muçulmanos é tambem um dos tres paises africanos onde vivem o maior numero de cristãos.

Longe de ser um factor de tensão as grandes irmandades muçulmanas oriundas da Africa ocidental desempenharam um papel estabilizador, favorecendo o comercio e atenuando as clivagems ligadas ás origens de cada individuo e relacionadas com as linhagens, as castas e a escravatura. O Senegal, muçulmano a mais de 90% teve como primeiro presidente o cristão Leopoldo Cedar Senghor, o poeta de «negritude» e na Costa do Marfim o muito catolico Houphouet Boigny favoreceu a imigração de trabalhadores oriundos dos paises muçulmanos vizinhos a quem concedeu o direito de voto.

A primeira grande alteração surgiu nos anos 90 em consequencia de factores não religiosos: adoção da democracia pluralista com o aparecimento de formações politicas de base etnico-religiosa; programas de estabilização estrutural impostos pelo FMI que devastaram os sistemas sociais vigentes em muitos paises africanos nomeadamente o ensino e a saude pública. des politiques d’ajustement structurel des années 1990 qui ont dévasté les systèmes sociaux: l’école et la santé publique en Afrique. Os politicos foram buscar junto das petromarquias árabes meios de financiamentos alternativos e financeiros que o Ocidente lhes negava e estas aproveitaram a abertura para alargar as suas redes caritativas redes, construir mesquitas e financiar um ensino coranico muito diferente do ensino público, laico e mixto.

Este investimento continua até hoje sem que aparentemente o Ocidente se preocupe de saber que tipo de Islão estão á propagar os «investidores» árabes entre os muçulmanos africanos e os novos convertidos, apesar das provas evidentes do apoio da Arabia Saudita, Qatar, Koweit ao salafismo militante e combatente no norte de Africa.
Confundir Islão com o jihadismo serve a causa da Al-Qaida

A «guerra ao terrorismo islamico» decretada no Ocidente e o medo e o odio ao Islão destilados pelos evangelicos entre os cristãos africanos podem fazer o jogo da al-Qaida e aumentar o numero de djihadistas.

Como analizou o investigador alemão de origem egicia Abdelasiem el Difraoui no seu livro «al Qaida pela imagem» a organização criada por Ben Laden è eximia na utilização das novas tecnologias para recrutar novos combatentes e candidatos ao martirio entre jovens que nunca foram muçulmanos praticantes ou recem-convertidos, fazendo-os creer na existencia de uma conspiração mundial contra o Islão. Quantos destes jovens africanos ou europeus se terão sentido impelidos a participar na «guerra santa» contra os «cruzados» e os seus aliados ao ver outros jovens exibir como trofeus nas ruas de Bangui pernas e braços de muçulmanos esquartejados, ou cenas de canibalismo apresentadas como justas retaliações?

As proximas «guerras de religões» se vieram a acontecer não terão nada a ver com as do passado porque al-Qaida e o djihadismo têm muito pouco de comum com o Islão tal como é praticado pela esmagadora maioria dos muçulmanos de todas as obediencias , que são as suas principais e mais numerosas vitimas. E os evangelicos interpretam e utilizam a Biblia como arma para combater todas as outras fés, incluidas cristãs.

São duas novas ideologias totalitarias , frutos podres da globalização, da pobreza e da ignorancia e que aspiram a dominar o mundo. O choque entre ambas seria …apocaliptico e deve ser impedido a todo o custo. Não pela repressão mas pela solução dos problemas que realmente afectam a maioria dos africanos e da humanidade.