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Treta da semana: ironias.

Segundo a revista Máxima, os ateus são «uma raça em extinção»(1). «Para os ateus é o cúmulo da ironia. A evolução, o processo que acreditam ser o único responsável por criar a humanidade, parece estar a discriminar os não-crentes e a favorecer os religiosos.» Irónico, e triste, é não perceberem o que escrevem. Parece-me que a pessoa que escreveu isto se limitou a copiar partes da versão preliminar da notícia, publicada no blog do Michael Blume (2).

O Michael Blume (e não “Blumer”), recolheu dados demográficos de comunidades religiosas e de vários países, e notou uma forte correlação entre religiosidade e o número de filhos por mulher. Em média, pessoas que participam regularmente em cultos religiosos têm mais filhos do que aqueles que não praticam qualquer religião. E estes últimos, com uma média de 1.7 filhos por mulher, estão abaixo do necessário para manter a população.

Segundo a Máxima, «em escalas de tempo evolutivas de centenas ou milhares de anos, as pessoas com fortes crenças religiosas tendem a ter mais filhos […], ao contrário dos ateus, cujas sociedades estão condenadas a desaparecer.» Mas isto assume que as crianças não se conseguem livrar da religião dos pais. É o que acontece em países com pressões legais, culturais ou económicas para que as pessoas dependam de comunidades religiosas, mas em populações mais prósperas e com mais educação há muitos ateus vindos de famílias religiosas.

Baralhando-se ainda mais, a notícia na Máxima acrescenta que «Todos estes argumentos entram em contradição com as opiniões dos biólogos evolucionistas […] que afirmam que a religião é como um vírus que infecta as pessoas.» Isto é falso, porque a religião não está nos genes. Tem de ser transmitida culturalmente. Portanto, não basta a uma religião aumentar a taxa de fertilidade dos fiéis; precisa também de se transmitir das mentes dos pais para as mentes dos filhos. Não são duas teorias contraditórias mas sim dois passos no mecanismo de propagação das religiões.

O que, se for irónico para alguém, não será para os ateus. Um argumento comum dos defensores de qualquer religião é que as suas crenças devem ser verdadeiras porque há tanta gente a acreditar nelas. À parte de haver sempre mais gente a acreditar noutras, pois nenhuma religião tem sequer 50% da quota de mercado, resultados como este revelam uma explicação mais simples. Há muita gente a acreditar nessas coisas porque são crenças que se espalham pelas populações. Não prosperam por obra e graça de qualquer divindade. Propagam-se pelos mesmos mecanismos evolutivos que nos dão a anemia falciforme e as gripes sazonais.

Mas talvez o mais irónico seja a consequência de não perceberem a evolução. Durante milhares de milhões de anos, toda a vida na Terra foi moldada e empurrada pela competição, entre os genes, por lugares nas gerações vindouras. Por sorte, o nosso ramo da família cresceu para o lado de um cérebro grande, permitindo-nos compreender este processo e libertando-nos da tirania dos replicadores e da reprodução. Somos a única espécie com o potencial para contrariar o que os genes mandam. Com a contracepção podemos planear quantos filhos temos, se os temos, e gerir o nosso impacto no meio ambiente em vez de deixar os genes carregarem-nos às cegas para um precipício malthusiano.

Estas religiões são prolíferas à custa de ignorar este mecanismo e o perigo de ser escravo dos replicadores. Sejam genes, sejam memes. É esse o maior perigo de extinção. Foi essa corrida desenfreada pela reprodução, sem plano ou inteligência, que extinguiu quase todas as espécies que já existiram neste planeta. E se todos os humanos se puserem a crescer e multiplicar-se, lá se vai a nossa também.

1- Máxima, Ateus, uma raça em extinção
2- Biology of Religion, Atheists a dying breed as nature ‘favours faithful’ – Sunday Times Jan 02 2011 – Jonathan Leake – Full Draft Version

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