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  • 11 de Novembro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Vaticano

A incursão do Papa Bento XVI em Espanha

A reincidência das visitas a Espanha, desta vez na simples qualidade de peregrino, e a indisfarçável agenda política que move Bento XVI, só encontram paralelo no combate do clero católico, especialmente do seu episcopado, às leis que ampliaram a esfera da liberdade pessoal relativa ao matrimónio, divórcio e aborto.

Não está em causa o direito à livre circulação e às convicções do Papa, mas é intolerável a ingerência nos assuntos internos do País visitado, bem como afirmações incendiárias capazes de detonar confrontos.

A laicidade agressiva, de que o papa acusa Espanha, é uma impossibilidade conceptual já que a laicidade é neutra, ao contrário do clericalismo, a lembrar a crueldade dos Reis Católicos para com os judeus e a evangelização espanhola dos índios sul-americanos.

As canonizações em série de mártires da guerra civil espanhola foram uma provocação aos vencidos e a reabilitação de um dos mais sinistros ditadores mundiais, que gozou da total cumplicidade da Igreja católica. Foi a reabertura de feridas profundas num povo dilacerado pela violência e crueldade dos dois lados da barricada.

O silêncio e a cumplicidade perante os fuzilamentos que, durante anos, se seguiram à guerra civil de 1939/45, fizeram com que os espanhóis odiassem ou amassem em simultâneo o fascismo e a Igreja católica, uma divisão cujas feridas os dois últimos papas reabriram de forma perversa, sem qualquer sinal de arrependimento pelo apoio a Franco, às execuções, ao garrote e ao rapto de crianças de pais assassinados.

Ao comparar o anticlericalismo espanhol dos anos 30 com o secularismo actual, o Papa não se limitou a fazer uma provocação a um país soberano, incitou a Espanha, que goza de liberdade religiosa, a repetir a mais cruel e demente tragédia do século passado.

A raiva de Bento XVI contra o secularismo, a laicidade, o livre-pensamento e o ateísmo são obsessões que preenchem a sua agenda política. As visitas a Espanha não são actos cordiais, são ingerências nos assuntos internos de um país democrático.

O desprezo e a contestação a Bento XVI são um sobressalto cívico de uma Europa onde assomam de novo as ameaças de guerras religiosas e o papa católico se comporta como agitador.