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Mês: Abril 2010

6 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Opus Dei toma conta do Vaticano

O papa Bento XVI nomeou o sacerdote de origem mexicana José Horacio Gómez como arcebispo coadjutor da Arquidiocese de Los Angeles, a maior dos EUA, informa hoje o Vaticano.

Gómez, de 59 anos, que até agora era arcebispo de San António, no Texas, auxiliará o actual arcebispo de Los Angeles, Roger Michael Mahoney.

Nascido em Monterrey, José Horacio Gómez pertence à Prelatura do Opus Dei, na qual foi ordenado sacerdote em 15 de Agosto de 1978.

6 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Momento zen de segunda_05_04_2010

João César das Neves (JCN) é um sacristão de serviço, Cireneu sempre disponível para carregar a cruz da sua Igreja.

Incapaz de parar o furacão levantado pelo bater de asas da borboleta mediática, JCN minimiza a dimensão do escândalo, ignora a perversidade dos actos de pedofilia e cala a cumplicidade dos Papas que preferiram o silêncio e a ameaça a quem denunciasse os crimes à denúncia que impedisse a dimensão da libertinagem.

JCN está desolado porque sabe que um povo que duvida da virtude dos padres descrê da omnipotência do seu deus; porque sente que os pecados pios afastam o rebanho do redil da sua Igreja; porque sente que as hormonas do clero criaram um mar de lama que suja as sotainas, mancha as mitras e a tiara.

O bem-aventurado esquece os pecados dos bispos e papas sem se dar conta que o mais grave não são os actos que os tribunais julgam mas o sofrimento das crianças e o crime de ocultação que os prelados cometeram e que, segundo a BBC, atinge os três últimos papas.

Desnorteado, acusa a comunicação social:

1 – «Parecendo combater a pedofilia, visa-se a promoção do aborto, eutanásia, divórcio, promiscuidade», obsessões que traz à colação em cada homilia;

2 – «A prática é tradicional. Assim se criou há séculos o mito da Igreja sanguinária nas cruzadas e Inquisição», como se tivessem sido inventadas para a denegrir;

3 – «Os processos [da Inquisição] foram rigorosos e transparentes, as condenações uma ínfima minoria dos casos julgados e pouquíssimas face às execuções civis…», como se a literatura sobre o assunto fizesse parte da conspiração judaica e do ódio jacobino»;

4 – Esqueceu-se de falar da evangelização e dos pogroms mas a um santo não se pode exigir tanto;

5 – A penúltima frase é lapidar: «Como Nero, os jornais hoje querem convencer-nos que os padres comem criancinhas».

Só de um bem-aventurado, com odor a santidade, podia ter saído o verbo «comer» para exonerar a responsabilidade dos funcionários do seu deus.

Amém.

5 de Abril, 2010 Ludwig Krippahl

Como sei que não tenho asas.

Ao longo de uns anos de blog várias vezes me têm apontado que a falta de evidências não prova que uma hipótese seja falsa. Por isso, dizem-me, não posso rejeitar a existência de deuses ou de uma alma imortal porque não posso provar que não existem. Em rigor, é verdade que não posso saber se a proposição P é verdadeira ou falsa se não souber nada acerca de P. Mas isto é só uma parte da história. O problema deste argumento é olharem para uma parte de cada vez quando o conhecimento está no encaixe das peças.

Para começar, não posso considerar uma hipótese isolada senão não há nada com que a comparar. Quando me pergunto, por exemplo, se terei asas, devo conceber dois modelos. Num imagino-me com asas a sair das costas. Noutro imagino que tenho as costas sem membros destes. E assim tenho duas hipóteses alternativas, pois só um dos modelos pode estar correcto. Agora parto do zero, sem evidências nem a favor nem contra qualquer das duas, e penso no que cada modelo prevê para reunir dados e testar as hipóteses.

Se o modelo das asas for o correcto espero sentí-las bater nas ombreiras das portas, conseguir vê-las, sentir o seu peso nas costas e assim por diante. Se for o outro não devo notar nada disto. Mas se não vejo asas, nem as sinto e não aparecem nas fotografias posso reformular o primeiro modelo. Tenho asas, mas são invisíveis, passam através dos objectos sólidos e não têm peso. Volto assim ao estado inicial, sem evidências nem a favor nem contra. E continuo os testes, e vou alterando o modelo sempre que as previsões falham. As asas também são invisíveis aos infravermelhos, nunca largam penas, não fazem barulho, são hipoalergénicas, não servem para voar. E sempre que reformulo o modelo volto à situação inicial. Nem evidências a favor, nem evidências contra.

Mas se olho para o percurso vejo uma clara diferença entre os dois modelos. O modelo de mim sem asas acertou sempre em todas as previsões, desde o início. O outro tem cada vez mais remendos porque está sempre a falhar, e cada vez o que prevê é mais parecido com o que prevê o modelo contrário. Que não vou ver asas, nem as vou sentir nem vou conseguir voar. Antes de chegar aqui já qualquer pessoa razoável disse porra, não tenho asas e pronto. A falta de evidência que se lixe. Porque se bem que se possa sempre alterar o modelo das asas para fugir às evidências contrárias, este processo em si é evidência forte que o modelo não presta.

Os modelos iniciais das almas e dos deuses eram modelos a sério. Diziam-nos coisas. Tinham possessão demoníaca, fantasmas, diluvios, doenças para castigar os infiéis e trinta por uma linha. Mas foram-se desvanecendo como as minhas asas e, hoje, não adiantam de nada. É o deus que age sem intervir imanente na indeterminação da contingência que torna necessária pela constante criação, mas do qual não há vestígios. É a alma imortal que, de tão transcendente que é, até fica bêbada, perde a memória com um AVC e muda de personalidade com a esclerose múltipla.

É claro que não há evidências contra estes modelos, pois sempre que se encontra algo que os contradiga metem-lhes mais um remendo. Ainda assim, e precisamente por isso, não valem a farinha de uma hóstia.

Adaptado deste post no Que Treta!

5 de Abril, 2010 Luís Grave Rodrigues

Uma questão de dignidade

  

A polémica volta agora à ordem do dia com o anúncio da proibição da burca também na Bélgica.

Já aqui disse que não concordo de forma alguma que a proibição da burca seja uma contradição entre a defesa da liberdade e pôr o Estado a determinar como cada um se pode vestir.

Também não é argumento questionar se foi a própria mulher que escolheu usar uma burca, por querer adoptar o seu simbolismo.

Não o é, porque a dignidade e a liberdade não estão à disposição de ninguém para servir de moeda de troca cultural ou religiosa. São valores éticos e civilizacionais que nos compete a todos defender, e que devem prevalecer sobre quaisquer tradições culturais ou imposições, ou até opções, mais ou menos religiosas.

Talvez a imagem mais simbólica do que a burca significa seja a foto aqui ao lado.

Ela mostra bem que defender o uso da burca é, antes de mais, tolerar a submissão da mulher e o aviltamento e todo o simbolismo que lhe está subjacente.

Porque o que está verdadeiramente em questão é que uma burca não é uma simples peça de roupa!
Uma burca é um símbolo.

E mais do que um símbolo religioso ou cultural, a burca é o símbolo da submissão da mulher, e é um instrumento do aviltamento da sua dignidade, da sua honra e da sua liberdade individual.

Como pode alguém defendê-la?

 

                                          

4 de Abril, 2010 Ludwig Krippahl

Treta da semana: A vida depois da morte.

Esta treta é antiga. Uma das mais antigas de todas. Mas decidi abordá-la hoje por ser, mais coisa menos coisa, o dia das mentiras. O que nos propõem é que depois de morrermos continuamos vivos. Porque ouviram dizer que sim. Não há dados fiáveis acerca dessa existência no além nem forma de ir lá ver e voltar. Mas algumas pessoas, como a amiga da Júlia Pinheiro, dizem que sim senhor, anda lá tudo muito contente, e muita gente diz que acredita. Não confia muito, a julgar pelo estado de espírito nos funerais. Mas diz que acredita.

A ideia é estranha logo à partida se pensarmos na vida antes da concepção. Nada. Alguns dizem que reencarnaram e que até se lembram das vidas passadas, quando eram o sapateiro de Napoleão ou um primo afastado de um dos apóstolos. Eu fui ver à ‘net, introduzi a minha data de nascimento e descobri que fui uma mulher que construia casas e catedrais na Nova Guiné por volta do ano 800 (1). É interessante. Mas parece-me pouco plausível.

Outros defendem que quando o óvulo e o espermatozóide se encontram – mas só os da nossa espécie – um deus faz rapidamente uma alma eterna e imortal e enfia-a, bem enroladinha, no zigoto em formação. Daqui concluem ser pecado fazer zigotos em tubos de ensaio. A premissa é um mero palpite, pois não sabem distinguir entre zigotos com alma e zigotos desalmados. Pior ainda, a inferência não faz sentido. Se a alma vai direitinha para o céu esta é a melhor maneira de garantir a salvação sem as provações e tentações da vida terrena. A menos que temam que Deus ponha almas em zigotos sem futuro para depois as deitar no inferno por falta do baptismo e do carimbo da paróquia. E tudo por amor, com certeza.

Mas além de ser mera especulação infundada, a hipótese da vida depois da morte é contrária ao que sabemos ser necessário à vida e, principalmente, à consciência. Viver exige capacidades, mudança, dinamismo, energia. A vida dura enquanto se equilibra na crista de uma onda de entropia. Algo que seja imaterial e eterno será forçosamente inerte. Sem vida.

E persistir além da morte não serve de nada se não mantivermos a nossa subjectividade. Sem sentir, pensar, decidir, recordar, imaginar, desejar, e essas coisas não tem piada nenhuma. E tudo isso, ao que sabemos, precisa de um cérebro funcional.

Apesar de supostamente termos alma logo na concepção, as primeiras recordações que guardamos surgem só vários meses depois do nascimento. Nascemos com o cérebro muito imaturo, não só nas ligações entre neurónios, que demoram mais de uma década a organizar-se, como nas células em si. É durante os meses após o nascimento que os neurónios se envolvem em mielina e começam a funcionar devidamente. Sem este passo não há pensamento, memórias, e possivelmente nem há sensações nem consciência.

As lesões no cérebro mostram bem como é improvável a consciência sobreviver à morte do corpo. Um AVC pode roubar-nos a memória, a capacidade de entender a linguagem ou de decidir e um traumatismo pode transformar por completo a personalidade. A doença de Alzheimer é um exemplo dramático disto tudo, uma lenta mas inexorável degeneração do cérebro que acaba por destruir tudo o que define a pessoa. O paciente começa por ter dificuldades de memória e atenção, perde capacidades cognitivas, vocabulário e coordenação motora, torna-se apático, a personalidade desvanece-se. Eventualmente já não há lá ninguém e o corpo morre. Se a alma ainda sobrar leva muito pouca coisa.

E se a ideia de uma vida com fim é desagradável, a ideia da eternidade, se a levarmos a sério, é insuportável. Um tédio tão assustador que até fez com que inventassem o budismo para se safarem das reencarnações intermináveis a que o hinduísmo condena. Antes o nirvana, abandonar tudo para encontrar a serenidade final de deixar de ser.

Hoje, centenas de milhões de pessoas celebram a vitória sobre a morte. Disseram-lhes que um deus conseguiu ressuscitar e, para algumas, isto até talvez seja um consolo. Mas esta ideia não serve para consolar. Esta coisa da vida depois da morte serve principalmente para comprar fiado. Dá-me toda a tua vida, dizem estas religiões, que depois de morreres logo deus te paga. Pois sim… Aqui, meus senhores, fiado só amanhã.

Boa Páscoa.

1- The Big View, Past life. «I don’t know how you feel about it, but you were female in your last earthly incarnation.You were born somewhere in the territory of modern New Guinea around the year 800. Your profession was that of a builder of houses, temples and cathedrals.»

Também no Que Treta!

4 de Abril, 2010 Fernandes

Jesus esse ilustre desconhecido (1)

No Antigo Testamento aparecem uma série de personagens e acontecimentos que fazendo parte da mitologia se vão misturando gradualmente com a história. Actualmente só os fundamentalistas recusam admitir a não existência de Abraão, Isaac, Jacob, Moisés, Josué, David e Salomão, assim como a veracidade do êxodo, a conquista da terra prometida e por aí adiante; senão na sua totalidade pelo menos nos detalhes com que a Bíblia os descreve. Estas dúvidas foram inclusivamente admitidas em 2002 pelos tradicionalistas das Sinagogas Unidas do Judaísmo Conservador, que representam um milhão e meio de judeus nos estados unidos.

Mas, ao chegarmos ao Novo Testamento, até o simples facto de questionarmos a existência de Jesus e seus pretensos milagres ou a veracidade dos evangelhos, se converte numa ofensa para os cristãos e num insulto à religião. No entanto nem a arqueologia nem a história nem o Antigo Testamento contêm uma única referência ao personagem Jesus. Apenas o Novo Testamento.

As primeiras notícias sobre Jesus, são anteriores aos evangelhos, aparecem em meados do séc. I, nas cartas de Paulo, um personagem que nunca viu Cristo. Nos documentos históricos contemporâneos ou posteriores à época de Jesus, “nunca” se fala  d`Ele, e apenas quatro historiadores o referem:

Flávio Josefo: “Naquele tempo viveu Jesus, um homem sábio, pode chamar-se homem, porque realizou obras extraordinárias…” após análise criteriosa dos seus restantes escritos, conclui-se facilmente, ser uma falsificação grosseira, uma tentativa de “colar” o nome do historiador à prova existencial do suposto Jesus, e nem Orígenes que viveu no séc. III o refere, queixando-se que Flávio Josefo “não aceitava Jesus como Cristo”, enquanto Clemente de Alexandria questionava que “não dizia nada sobre as coisas maravilhosas que o Senhor havia feito”. Plínio o Jovem faz referência numa carta a Trajano em que fala vagamente, que os cristãos, “afirmavam que as culpas ou erros se redimiam no facto de encontrar o dia esperado antes da alba para cantar um hino a Cristo como se fora um deus…”.

Seutónio (referindo-se a alguém que no ano 45, estava em Roma): “ uma vez que os judeus fomentavam contínuos distúrbios instigados por Crestos, [Claudio] expulsou-os de Roma”. Crestos é a tradução do original latino Chrestus; nome derivado do grego Chrestos, que quer dizer – Bom, Valente -. Mais do que um erro de transcrição de Christus, este era um nome comum na altura. Tácito cita algumas vezes os cristãos nos seus “Annales”, dizendo que estavam em Roma no tempo de Nero, entre 54 e 65, escrevendo que “Cristo foi condenado à morte por Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério”.

Estas são as passagens “não cristãs”, da antiguidade, que de alguma maneira referem Jesus . Demasiado vagas para se poderem considerar uma prova convincente da sua existência. O que não significa que não tenha existido. Houve inúmeros personagens reais, que não deixaram rasto na história oficial. Mas isso não significa que para provar a existência de Jesus só possamos confiar nas fontes do Novo Testamento, porque então o Mahabharata ou a Ilíada provariam a existência de divindades que nenhum cristão estaria disposto a aceitar como reais.

Além disso, as eventuais coincidências nos evangelhos com factos objectivos, não constituem prova alguma da veracidade dos seus personagens. A descrição dos factos na Ilíada é tão “real” que, baseando-se nela, Heinrich Schlieman conseguiu localizar em 1873 as ruínas de Troia; mas isso não nos autoriza a confirmar a veracidade do relato da batalha ou a existência dos heróis e deuses homéricos.