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Associação Ateísta Portuguesa

 

Exmo. Senhor

Professor Dr. José Policarpo

Cardeal-patriarca em Lisboa

[email protected]

Mosteiro de S. Vicente de Fora, Campo de Sta. Clara

1100-472 LISBOA

  

Excelência,

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) tomou conhecimento do telegrama da Lusa em que V. Ex.ª comenta a sua recente criação e responde à carta escrita ao presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que, até ao momento, manteve o mais prudente silêncio. V. Ex.ª afirmou aos jornalistas: “Para mim o que é novo é que o ateísmo, que se afirma como uma filosofia de vida de negação, se transforme em comunidade, ateia, mas parecida com as comunidades crentes.”

O movimento ateísta internacional não é novo e, para a AAP, o ateísmo não é uma filosofia de vida de negação. O ónus da prova da existência de Deus pertence aos que o proclamam e, sobretudo, aos que vivem dele. Mas sem o menor indício da sua existência nem, da parte dele, um esforço para fazer prova de vida, o ateísmo torna-se uma filosofia de vida de afirmação: da superioridade dos factos sobre os mitos, da ciência sobre a crença, do evolucionismo sobre o criacionismo, da felicidade sobre a penitência. O ateísmo não é a negação dos deuses que, ausentes, é desnecessário negar. O ateísmo é a afirmação de alternativas racionais e fundamentadas às alegações de quem afirma saber que existe Deus.

Vinda de V. Ex.ª, poderia considerar-se lisonjeira a descoberta de «parecenças com a comunidade de crentes», pois certamente as terá em boa conta, mas é exactamente o contrário. Ao contrário das organizações de crentes, a AAP não pretende ditar orientação espiritual, rituais ou dogmas. Cada associado é um livre-pensador capaz de se responsabilizar pelos seus valores e por uma existência ética plena sem se apoiar em seres hipotéticos ou dogmas impostos.

 De algum modo todos somos ateus. V. Ex.ª nega todos os deuses, excepto o seu. Nós, ateus, apenas negamos mais um. Partilhamos com qualquer religião a descrença nas afirmações de todas as outras.

Registamos que considera o ateísmo um direito, provavelmente em contradição com o direito canónico, e estamos de acordo que o ateísmo é conhecido desde tempos muito antigos, infelizmente, em alguns, com direito a incineração dedicada e, ainda hoje, em certas latitudes, com direito a decapitação. “Cá estaremos para dialogar e respeitar, esperando ser respeitados” – disse o senhor Cardeal – afirmando uma abertura rara na Igreja católica e inadmissível na islâmica. É respondendo a esse repto, que lhe escrevemos esta carta reiterando o nosso respeito pelos crentes, por todos os crentes de qualquer religião, apreço que não dispensamos às crenças.

 Esperando que todos nos possamos rever nos princípios enunciados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem,

 Apresento a V. Ex.ª as minhas cordiais saudações.

 Odivelas, 07 de Junho de 2008

Pela Associação Ateísta Portuguesa

 a) Carlos Esperança