Loading

Mês: Julho 2006

17 de Julho, 2006 Ricardo Alves

«A laicidade como princípio fundamental»

São frequentes as confusões sobre aquilo de que se fala quando se fala de laicidade. Muitos católicos confundem frequentemente laicidade com anti-religiosidade, por exemplo. O filósofo nosso contemporâneo que, na minha opinião, melhor tem explicado o sentido moderno do laicismo é Henri Peña-Ruiz. Está traduzido para português, na Associação República e Laicidade, o texto «A laicidade como princípio fundamental da liberdade espiritual e da igualdade», cuja leitura recomendo a todos os que queiram, sem preconceitos, compreender o que defende a Associação República e Laicidade.
  • «Alguns homens crêem em Deus. Outros não. A liberdade pressupõe o carácter facultativo da religião ou do ateísmo. Por isso se usará aqui o termo genérico «opção espiritual», que não favorece nem uma nem a outra versão da espiritualidade. A igualdade pressupõe a neutralidade confessional do Estado e das instituições públicas, para que todos, crentes e não crentes, possam ser tratados sem privilégio nem estigmatização. Assim se alcança a maior justiça no tratamento das diversas opções espirituais. A separação do Estado e de qualquer igreja não significa luta contra a religião, mas sim, simplesmente, vocação para a universalidade, e ao que é comum a todos os homens para lá das suas diferenças. As diferenças não são negadas, mas podem sim viver-se e assumir-se livremente na esfera privada, quer se expresse a nível individual ou a nível colectivo (a confusão entre dimensão colectiva e carácter juridicamente público é um sofisma, pois confunde o que é comum a certos homens e o que é de todos). (…)» (Ler a continuação em «A laicidade como princípio fundamental da liberdade espiritual e da igualdade».)

Aconselho também a leitura do Glossário essencial da laicidade, adaptado de um livro de Étienne Pion, para uma discussão do uso de termos como laico, leigo, laicidade, anticlericalismo ou tolerância.

Publicação simultânea [Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

17 de Julho, 2006 jvasco

Meio milhão de visitas

De acordo com o sistema «sitemeter» o valor acumulado das visitas diárias chegou hoje aos 500 000. A todos os nossos leitores, muito obrigado.

Esperemos que continuem a gostar dos nossos artigos, e a passar por cá para ler ou comentar.

16 de Julho, 2006 Carlos Esperança

O Vaticano e as Caldas da Rainha

O Vaticano está para a religião como as Caldas da Rainha para a cerâmica. No Estado teocrático fabricam-se santos e virgens, nas Caldas fazem-se à mão o que lhes faltou para deixarem de ser.

Nas Caldas presta-se culto à fertilidade, no Vaticano combate-se a natureza com metáforas e exalta-se a castidade.

As operárias trabalham o barro com carinho e volúpia, pintam-no com gosto e exacerbam-lhe as cores. Levam-no ao forno para que o calor o endureça e lhe mantenha a forma.

Os padres esconjuram o falo, cozem a farinha e cortam-na às rodelas como quem reduz a fatias um salpicão, resumindo Deus a finas tiras de perversão castrante.

Nas Caldas os corpos cansados da olaria regressam a casa e ainda levam forças para o sortilégio do amor e o milagre da vida. Criam filhos com prazer enquanto no bairro das sotainas se criam cardeais para negócio e satisfação de clientelas.

No Vaticano rezam-se orações, debita-se a Bíblia, usam-se cilícios e escondem-se os desejos que despontam sob hábitos e batinas.

Nas Caldas da Rainha há um povo que vive, ri, canta, chora e se diverte. No Vaticano há uma cáfila que disfarça sentimentos e esconde a verdade, que ameaça as crianças com o inferno e os adultos com o juízo final.

Na pequena cidade reina a virtude e a felicidade, votam em eleições e escolhem o presidente da Câmara. No Estado do Vaticano há um ditador vitalício que se julga fiel testamentário de Deus e obriga as pessoas a porem-se de joelhos e a andar de rastos.

No Vaticano até os anjos perdem o sexo e, talvez por isso, é o único Estado do mundo onde não há maternidade. Nem o Papa tem sexo, quando muito pias reentrâncias talhadas para abominações recônditas.

Nota: Dez minutos antes da meia-noite o Diário Ateísta registou 500.000 visitas. Obrigado a todos os que nos visitam.

16 de Julho, 2006 Palmira Silva

Tu stultus es

Tu stultus es (tu és estúpido) é o motto do meu jornal satírico favorito «The Onion», publicado em suporte celulósico desde 1988, inicialmente por estudantes da Universidade de Wisconsin, na rede desde 1996 e hoje em dia sedeado em New York.

A minha Cebola favorita tem-me fornecido não só artigos satíricos de um humor inigualável como confirmações hilariantes da máxima do jornal, normalmente proporcionadas por devotos cristãos que acreditam ser verdade as fabulosas caricaturas que os fundamentalistas cristãos e as suas ululantes «causas» permitem.

Estou a lembrar-me da patetada cristã em torno dos livros Harry Potter, em que uma mentecapta, a fazedora de opinião cristã Helen Makkai, acreditou sem pestanejar na notícia obviamente falsa da Cebola que reportava uma atracção pelo satanismo nos seus pequenos leitores e deu origem ao movimento que vilifica os livros de J. K. Rowling, nos quais se inclui Bento XVI.

Uma das minhas favoritas aconteceu durante a minha estadia nos Estados Unidos e um dos meus colegas de laboratório, igualmente devoto da Cebola, fez questão que eu comprovasse no jornal da sua cidade natal, algures no Mississipi, a profunda verdade do motto. Esta foi despoletada por um artigo simplesmente fabuloso sobre os protestos de fundamentalistas cristãos em relação à inclusão da 2ª lei da Termodinâmica nos curricula escolares. A segunda lei da termodinâmica diz que num processo espontâneo a entropia do Universo aumenta e, tal como no artigo do Onion, uns devotos locais protestavam «um princípio científico profundamente perturbador que ameaça a compreensão do Universo de Deus pelas nossas crianças».

A semana passada a blogosfera americana teve um momento alto de hilariedade quando o escriba do blog anti-aborto e fundamentalista cristão «March Together for Life» [nota: o artigo foi alterado com imagens chocantes e falsas depois de ter sido transformado num fenómeno da internet pelo que não indico a respectiva hiperligação] tropeçou num artigo velho de sete anos «I’m Totally Psyched About This Abortion!». O devoto cristão, com longa prática de considerar serem verdades literais as barbaridades da Bíblia, acreditou piamente no que leu e atacou visceralmente o artigo num post que rapidamente catapultou o obscuro blog para uma notoriedade nunca antes imaginada.

Um artigo «histórico» da Cebola, «Christ Kills Two, Injures Seven In Abortion-Clinic Attack» caricaturava magistralmente as inconsistências cristãs em relação à «defesa intransigente» da vida mas suponho que também neste caso o sarcasmo passe ao lado da maioria dos fundamentalistas cristãos. Quiçá por alguma lesão cerebral pré-frontal que impede aos que a apresentam perceberem mais que o significado literal das palavras…

16 de Julho, 2006 Palmira Silva

O poder da sátira

Um dos meus filósofos favoritos contemporâneos é Sam Harris não só pelas razões óbvias, isto é, o facto de compartilharmos a certeza que a atitude complacente em relação às religiões é uma ameaça latente para o modelo de sociedade que queremos construir – uma sociedade justa, de paz e tolerante – mas também porque a uma licenciatura em Filosofia soma o seu trabalho de doutoramento numa das áreas que considero mais fascinantes, as neurociências, e num tema ainda mais fascinante, a neuroteologia que basicamente estuda as bases biológicas da crença.

Sam Harris é o autor de um Manifesto Ateísta, já referido pela Mariana, um texto absolutamente indispensável em que «Harris, filósofo graduado em Stanford, que estudou religiões ocidentais e orientais, ganhou o prémio PEN de 2004 [e o de 2005] com o livro ‘The End of Faith‘, que examina e explora de forma explosiva os absurdos da religião organizada. ‘Truthdig’ pediu a Harris que escrevesse uma resenha da sua tese que defende que a crença em Deus e o apaziguamento dos extremistas religiosos pelos moderados de todas as crenças foi e continua a ser a maior ameaça para a paz mundial e um assalto continuado à razão».

Numa entrevista mais recente Harris afirma algo que é também a minha convicção profunda «Mas os moderados religiosos dão cobertura aos fundamentalistas devido ao respeito em relação a qualquer debate baseado na fé que os moderados exigem. Como consequência, isso sustenta o fundamentalismo e os fundamentalistas fazem um uso muito cínico e artístico do politicamente correcto nos nossos discursos».

Este politicamente correcto, imposto pelos moderados de todas as religiões, que impede o apontar das irracionalidades e da obscenidade imoral de inúmeras passagens dos seus textos «sagrados», é o principal obstáculo a ser vencido na construção de uma sociedade que se coadune com o século XXI e com o respeito pelos direitos humanos.

O combate ao fundamentalismo religioso passa por combater este politicamente correcto complacente e expor como absurdas, anacrónicas e irracionais as «verdades absolutas» dos Livros que os seus devotos querem impor a todos. Mas os argumentos lógicos e racionais, embora necessários, não são suficientes.

Como Sam Harris indica, esta é uma guerra de ideias, a ser travada em várias frentes, na qual não se deve subestimar o poder do ridículo. O filósofo/neurocientista aponta como exemplo a forma como o Ku Klux Klan perdeu a força e prestígio e passou em 60 anos de dezenas de milhões de aderentes para uns meros cerca de 5 000 actualmente. Simplesmente porque um homem, Stetson Kennedy, aderiu ao KKK nos anos 40 e passou o mambo jambo cretino desta organização às pessoas que escreviam os episódios radiofónicos de «As Aventuras do Superhomem». Ouvir semana após semana as palermices do Klan expostas na rádio contribuiu mais para a queda do Klan que argumentos racionais e éticos.

Ou seja, o embaraço público de subscrever opiniões cada vez mais ridicularizadas devido à sua denúncia satírica ditou o fim do Klan.

Aliás, não é por acaso serem as sátiras, por exemplo, os cartoons de Maomé, o cartoon do António, a peça «Me cago en Dios», que levam os crentes aos arrobos mais paradoxais de indignação.

Também por isso o alvo dos ataques mais virulentos dos crentes que comentam nestas páginas é o Carlos Esperança. Quantas mais pessoas como o Carlos afrontarem o tabu de criticar as religiões e o fizerem da forma satírica magistral que é a imagem de marca do Carlos, mais fácil será acabar com a praga anacrónica das guerras «santas» e da subordinação das sociedades, nomeadamente do Direito, aos muitos disparates absurdos das religiões .

Neste dia em que o Diário Ateísta está prestes a completar meio milhão de visitantes aproveito o ensejo para parabenizar o Carlos que consegue mostrar… divinalmente… o rídiculo da fé e incomodar os mais fanáticos com as suas caricaturas dos fundamentos das crenças.

Todos têm o direito em acreditar no que quiserem, em astrologia, em quiromancia, em psicografia, em Xenu, que o Elvis está vivo mas foi raptado por extraterrestres, em Thor, Baco, Deus e restantes mitologias sortidas; ninguém tem o direito a exigir que esses disparates sejam «respeitados» pelos restantes. É tão impossível «provar» a inexistência de Deus como «provar» que o Elvis não está a ser objecto de estudo de uns quaisquer homenzinhos verdes. Para um ateu tão rídicula é essa tese como a que sustem que a Bíblia é a «palavra revelada» de um Deus da Idade do Ferro, sublimação da ignorância dessa era.

15 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Aventuras e desventuras do arcebispo Emmanuel Milingo

Em 27 de Maio de 2001 decorreu sob os auspícios da Igreja da Unificação, mais um casamento colectivo – variante dos casamentos de Santo António à escala planetária – com a bizarria habitual de ser o líder religioso, reverendo Sun Myung Moon, a escolher os casais.

Os esponsais de um curandeiro zambiano e experiente exorcista, com uma médica de acupunctura sul-coreana, deram à cerimónia um picante suplementar por ser o noivo bispo da igreja católica – o arcebispo Emmanuel Milingo.

Após uma audiência com o Papa, menos de três meses decorridos sobre a boda, com a mulher na incerteza de uma gravidez, o arcebispo desapareceu para parte incerta, em retiro espiritual, a reflectir sobre a indissolubilidade do celibato dos clérigos católicos.

Maria Sung, inconformada com a abstinência matrimonial, ameaçou com o jejum e acusou o Vaticano de lhe ter sequestrado o marido. O Vaticano, por sua vez, declarou que foi de livre vontade que o prelado deixou o seio da senhora e voltou ao seio da Igreja.

Sabe-se agora que o prelado viveu enclausurado num mosteiro donde se evadiu para contestar a obrigatoriedade do celibato e – diz-se -, para se encontrar com a cara-metade.

Há muito que o arcebispo Emmanuel Milingo perdeu a autoridade, se acaso a teve, sobre os bispos sufragâneos da sua província eclesiástica, mas não perdeu a dignidade que o título e o múnus lhe conferem.

Devia o prelado ter presente que o celibato é mais importante do que a castidade (no caso do clero) e que as tentações da carne são próprias de gente vulgar que se enreda na volúpia e em paixões mundanas.

Aconteceu ao bispo pedir a Deus, nas longas noites da arquidiocese, que lhe enviasse um anjo para lhe coçar as costas ou o divino Espírito Santo para abanar as asas e lhe refrescar os calores enquanto recordava as confissões do dia.

No abandono do seu Deus, foi descurando a bênção da água e a pureza dos óleos santos. Eram outros fluidos que o apoquentavam e, por isso, trocou a mitra pelo preservativo, o anelão de ametista pela aliança matrimonial, o báculo pela médica e o hissope pela luxúria.

Deus dorme enquanto o Vaticano vela.

Assim, após quatro anos de clausura, perante a distracção dos carcereiros de Deus, evadiu-se para desespero do Sapatinhos Vermelhos e das criaturas da Cúria que não entendem que um prelado troque a luz do Espírito Santo por um sorriso e a companhia do Anjo da Guarda, surdo-mudo, pelas carícias de uma mulher.

15 de Julho, 2006 Palmira Silva

South Park strikes back

Em Março deste ano, quando o episódio «Trapped in the Closet» foi banido após Tom Cruise ter ameaçado processar a Paramount se o episódio fosse emitido outra vez, os criadores de South Park Trey Parker e Matt Stone afirmaram à Variety «Então, Cientologia, podem ter ganho ESTA batalha, mas a guerra de 1 milhão de anos pela Terra apenas começou».

E de facto a guerra do «Trapped in the Closet» foi perdida aos pontos pela Cientologia! Não só o episódio é um dos nomeados para o prémio Emmy para a melhor animação como voltará ao ar já na próxima quarta-feira no Comedy Central.

South Park versus Cientologia, uma nota da MSNBC.
15 de Julho, 2006 Palmira Silva

Milingo volta a chocar o Vaticano

Ainda há uns dias, a propósito da ligeireza com que a Igreja Católica encara a dissolução de alguns casamentos, dizia o Carlos que «Quando o arcebispo Emmanuel Milingo se casou, sob os auspícios do reverendo Moon, o Vaticano envidou esforços para que o prelado zambiano rompesse o matrimónio com a esposa, María Sung, e regressasse ao múnus e à obediência a Roma. E conseguiu»

Na realidade, parece que o Vaticano não conseguiu! Depois de ter desaparecido do convento onde vivia em reclusão (forçada?) nos últimos anos, facto que preocupou o Vaticano, o arcebispo da Zâmbia de 76 anos reapareceu em Washington e voltou a chocar os dignitários de Roma com as suas declarações públicas.

Numa conferência de imprensa em Washington, o idoso arcebispo, que aparentemente se reuniu com a sua esposa, de quem se tinha separado pelos bons ofícios do cardeal Tarcisio Bertone, agora o número 2 do Vaticano – e pela ameaça rápida de excomunhão – disse que o seu objectivo agora era acabar com o celibato obrigatório na Igreja Católica.

«Penso que é tempo de a Igreja se reconciliar com padres casados» disse Millingo. O arcebispo disse ainda que os padres que se apaixonam «têm sido levados [pela Igreja] a serem quase casos mentais» e apelou para que os padres punidos pelo seu casamento «saiam das prisões católicas e sejam reconduzidos».

O Vaticano já se declarou chocado pelas revelações do arcebispo rebelde e informou estar a considerar medidas punitivas contra o prelado.

15 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Remodelação no Vaticano

O primeiro-ministro espanhol, Rodriguez Zapatero, pode ter sido o responsável indirecto pela rápida substituição de Joaquín Navarro-Valls pelo jesuíta Federico Lombardi.

A aleivosia, falsa, de que Zapatero era o único chefe de Governo que tinha faltado à missa do Papa pode ter apressado a saída do eterno porta-voz do Vaticano formatado nas pias leituras do «Camino» com que Santo Escrivá transformou pessoas normais em prosélitos dementes.

Pode concluir-se que a Companhia de Jesus foi reabilitada e o Opus Dei perde um lugar de grande prestígio e enorme influência no Politburo da fé católica. A substituição, que acabaria por acontecer, foi antecipada.

Haverá menos cilícios para mortificar a carne no piedoso bairro onde B16 é o regedor vitalício e todo-poderoso. Não faltarão jesuítas de todos os quadrantes políticos para assessores do Sapatinhos Vermelhos.

Para uma visão retrógrada e intolerante da sociedade basta B16. A sombra tutelar do Opus Dei no antro do Vaticano era redundante.