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«Palavra de Deus» não deve ser levada à letra


A hierarquia da Igreja Católica britânica produziu uma publicação didáctica descodificando não só a velha de 40 anos Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina do concílio Vaticano II, Dei Verbum, mas também outros documentos emanados do Vaticano, que discorrem longa, maçadora e prudentemente sobre as ressalvas em relação à «inenarrância» bíblica. Na prática, os bispos ingleses, galeses e escoceses deram a sua chancela a muitas afirmações que aqui no Diário Ateísta provocaram indignadas reacções dos nossos mais católicos leitores.

Assim, para além de reconhecer o perigo que a interpretação literal de algumas passagens da Bíblia suscita, por exemplo, causando o anti-semitismo que grassou na «santa» Igreja por via da praga contra os judeus expressa em Mateus 27:25, e de rejeitar como os delírios que de facto são todas as sandices apocalípticas do livro da Revelação, o «Presente das Escrituras» explica aos fiéis que algumas partes da Bíblia não correspondem de facto à verdade. Advertindo os leitores das sagradas escrituras que não devem esperar encontrar nelas um «exactidão total», mais concretamente os dignitários britânicos concedem, contrariamente ao que foi durante tantos séculos uma «verdade absoluta» católica, que «Não devemos esperar nas Escrituras uma total exactidão científica ou precisão histórica completa». Uma evolução louvável se considerarmos que há apenas um século o santinho Pio X condenava vigorosamente a aplicação de técnicas críticas que visavam testar a consistência histórica (inexistente) da Bíblia.

Considerando que o «Presente das Escrituras» condena o fundamentalismo cristão pela sua intolerância intransigente, insiste que os primeiros onze capítulos do Génesis não são uma narrativa histórica, que numa evidente exibição do tão execrado relativismo diz que a Igreja deve interpretar os Evangelhos de forma apropriada ao nosso tempo e que a Bíblia só é verdadeira nas passagens que dizem respeito à salvação humana (o que quer que isto seja) diria que esta exegese britânica não terá muito sucesso na comunidade católica, especialmente além mar, onde o fundamentalismo criacionista merece «honras» de capa na Time.

E estaria disposta a apostar que Bento XVI, que enfrenta dores de cabeça consideráveis neste sínodo, que já conheceu um visitante indesejado (link com registo grátis), Gregorios III Laham, presente na sua qualidade de patriarca dos católicos Melkite, que afirmou logo no preâmbulo que «O celibato não tem fundamento teológico», dispensa em absoluto este «presente envenenado, que dispara «fogo amigo» sobre as «verdades absolutas intemporais e universais» da Igreja de Roma…