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Ratzinger versus Bento XVI

Bento XVI lançou um apelo aos jovens ontem um Colónia para que estes voltem às bases do cristianismo, rejeitem o secularismo e aquilo a que chamou «religião faça você mesmo». Pretendendo com esta observação que os católicos não podem escolher quais das «santas e infalíveis» emanações da Santa Sé devem seguir e quais devem rejeitar. Condenou ainda os movimentos inspirados nas religiões orientais e os nascidos das igrejas católica e protestante.

Na realidade Bento XVI denota simplesmente que é de facto (e sempre será) Joseph Ratzinger e que não há qualquer inspiração do Espírito Santo ou quejandos a ditar as suas acções e palavras, incluindo as infalíveis ex-cathedra, como muitos devotos católicos críticos de Ratzinger tentaram suavizar o choque da sua eleição. Bento XVI é Ratzinger com toda a carga que tal acarreta.

O autor de Dominus Iesus (aprovada de forma especial por João Paulo II), que considera que a mensagem de Cristo apenas «subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele», já anteriormente tinha criticado o fascínio que as religiões orientais exercem sobre os europeus. «Se o Budismo é atractivo é apenas porque sugere que sendo budista se pode tocar o infinito, se pode ter felicidade sem obrigações religiosas concretas. É erotismo espiritual» afirmou em 1997. Ratzinger criticou igualmente o hinduismo que, segundo ele, oferece «falsa esperança» garantindo purificação com base no conceito «moralmente cruel» de reincarnação, que parece «um ciclo contínuo de Inferno». Na altura, Ratzinger avisou que o Budismo substituíria o marxismo como o principal inimigo da Igreja Católica.

E para prevenir sincretismos perigosos para a ICAR ordenou que o frade beneditino Willigis Jäger, também um mestre Zen conhecido por Ko-un Roshi, cessasse todas as suas actividades públicas, incluindo palestras, cursos e publicações. A acção de Ratzinger contra o frade foi confirmada em 2002 pelo abade de Münsterschwarzach Abbey, em Würzburg, Nokter Wolf, ao National Catholic Reporter.

A preocupação de Ratzinger com as famigeradas religiões orientais já era evidente em 1989, nomeadamente na forma de um dos múltiplos documentos emanados da ex-Inquisição, «Alguns aspectos da meditação cristã», em que adverte para os malefícios da adaptação de formas de meditação inspiradas nessas religiões, esclarecendo numa nota de rodapé que os métodos errados de meditação para um cristão são a meditação Zen, a meditação transcendental e o yoga.

Ou seja, ontem Bento XVI demonstrou que continua igual a Ratzinger, pelo menos no que se refere às religiões orientais e à única exegese «verdadeira» da Bíblia, a de Roma, claro. Não é de esperar que o novo papa divirja do ex-inquisidor mor no que se refere à sacralidade de uma célula estaminal adulta, à legitimidade de se limitar os direitos dos homossexuais, inerentemente predispostos a «um mal moral intrínseco», a remeter as mulheres a «seguirem os papéis previstos pela sua biologia», isto é a serem glorificados úteros, predestinadas «divinamente» a serem dominadas pelos homens, à condenação do uso profiláctico do preservativo no combate à disseminação do HIV, (que considerou inadmissível mesmo recorrendo ao princípio clássico católico do «mal menor»), enfim, que divirja uma vírgula do que debitou profusamente sobre as «verdades absolutas» do catolicismo enquanto Ratzinger!

Basta recordarmos que uma das primeiras acções de Ratzinger como Bento XVI foi forçar a demissão do editor do periódico jesuíta «America», o padre Thomas Reese, com quem tinha um historial de discórdia como Ratzinger, por publicar artigos discutindo o uso profiláctico do preservativo, a ordenação de padres (publicamente) homossexuais, a posição dos católicos pró-escolha na ICAR, o secretismo nas medidas de disciplina na Igreja e outros assuntos que Ratzinger não queria discutidos.