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Momento Zen de Segunda

Embora com algum atraso, não posso deixar de partilhar aquele que é um dos meus momentos zen de segunda mais dignos do nome. Refiro-me à opinação do inefável João César das Neves «O alarme do palhaço de Kierkegaard», em que este, certamente muito magoado com os media nacionais, que, depois de, durante semanas, terem dedicado quasi em exclusivo à religião católica os seus tempos de antena, não anunciam com pompa e circunstância, a «enorme movimentação preparatória do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, que Lisboa acolherá em Novembro».

Na ausência das fanfarras etéreas que o isento «spin doctor» de segunda considera merecidas, e no rescaldo dessas mesmas manifestações mediáticas à estreia do filme de Ridley Scott «Reino dos Céus», a obra de ficção que parece substituir na indignação que provoca nas «santas» hostes aqueloutra em processo de passagem para a tela, «O código de da Vinci», JC das Neves lança-se na construção de um cenário completamente obtuso para, segundo ele, enquadrar o porquê do declínio da credibilidade da Igreja.

Devo reconhecer que o fazedor de opinião (católica, claro) acertou em cheio ao depositar na ciência e no conhecimento científico o ónus da culpa neste declínio, que propicia a visão dos mui celebrados pela Igreja de Roma cristãos medievais, reiterada no filme de Ridley Scott, como «parolos ignorantes e boçais, vítimas de superstição».

Agora a obtusidade do cenário apresentado, que para JC das Neves «nem é bizarro», reside no suponhamos «que dentro de décadas toda a gente pense que a ciência é uma actividade sinistra, enganadora, perigosa» e «que aquilo que agora é tomado como sólido e básico, referência fundamental da vida contemporânea, venha daqui a uns anos a ser atacado, desprezado e vilipendiado» «minando a confiança absoluta que temos no conhecimento científico». Especialmente pelas razões apresentadas: «O uso de tecnologias por terroristas, os infindáveis debates académicos, as dúvidas sobre teorias estabelecidas» a primeira das quais certamente introduzida para justificar a conjuntura actual em que a religião é de facto o motivo dos ataques terroristas que marcam pela negativa o início do século XXI e da maioria da violência que vemos por todo o planeta.

Em relação aos «infindáveis debates académicos» ou «as dúvidas sobre teorias estabelecidas» só reflectem que o ilustre professor universitário ainda não assimilou o que é ciência e como avança a ciência, exactamente devido aos infindáveis e acalorados debates científicos (não necessariamente académicos) e ao contínuo questionar da interpretação dos dados disponíveis.

Na realidade o cenário avançado por JC das Neves é completamente absurdo. Nem os fanáticos religiosos americanos que tentam redefinir ciência, reduzindo-a ao método científico e negando a sua capacidade para apresentar explicações para o mundo observável, têm a veleidade de dizer que quem acredita na ciência são «parolos ignorantes e boçais, vítimas de superstição». Quanto muito são perigosos ateístas que implicam que só há mundo observável e desprezam o inobservável ou metafísico. Porque é impossível negar a importância vital da ciência no mundo contemporâneo, isto é, as tentativas de a atacar, vilipendiar e, especialmente, desprezar estão votadas ao insucesso. Seria complicado dizer a alguém que quando toma um antibiótico para uma qualquer maleita está a ser supersticioso, mesmo quando esse antibiótico foi desenvolvido por evolução dirigida. Ou que está a ser um parolo ignorante e boçal quando navega na World Wide Web, liga um qualquer interruptor, enfim, viva no século XXI!

Assim como é pouco credível que seja minada «a confiança absoluta que temos no conhecimento científico» porque daqui a pouco tempo os displays de plasma ou LCD’s, ou os processadores de 64 bits a 3.73GHz, vendidos como a última palavra da tecnologia e avanço científico, serão certamente substituídos por displays flexíveis de polímeros conjugados e processadores mais rápidos! Ou porque doenças hoje consideradas incuráveis deixarão de o ser! Que reflectem os «infindáveis debates» científicos, uma das causas que JC aponta no seu cenário para a queda da credibilidade da ciência.

Ou seja, o nosso quotidiano é completamente dependente da ciência e do avanço do conhecimento científico. Mesmo a prosa debitada pelo presciente opinador depende da ciência para baralhar ou divertir quem o lê! Contrariamente ao que se passa com a religião, é consensual que a ciência explica e prevê o mundo observável. E é consensual que a ciência progride e que tal não é um óbice mas uma benesse!

E baralha-me que um tão ilustre economista não se tenha ainda apercebido das benesses, nomeadamente que o sucesso económico de um país está dependente do seu progresso científico e tecnológico… Quiçá esse desconhecimento por parte de muitos economistas cá do burgo seja uma das causas de a nossa economia estar no estado que todos conhecemos e deploramos!