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Etiqueta: História

22 de Abril, 2025 Ernesto Martins

Ciência e Cristianismo (3)

Dois dos pensadores mais significativos dos Secs. XI e XII a seguir as pisadas de Agostinho no uso da lógica dos gregos para analisar os temas da teologia católica foram Anselmo de Cantuária (1033-1109) e Pedro Abelardo (1079-1142). Abelardo acreditava que o domínio da filosofia era importante, não pela pura especulação sobre a natureza das coisas, mas, primeiramente, para defender a fé dos ataques heréticos (e.g. a heresia cátara). A aplicação das ferramentas da filosofia era feita, no entanto, de forma cautelosa, e nem mesmo os teólogos mais liberais ousavam questionar a autoridade da Igreja. As verdades da fé eram tratadas como axiomas indubitáveis e a razão nunca era usada para esmiuçar crenças doutrinais. A Bíblia estava excluída de qualquer escrutínio rigoroso. Sobre isto Pedro Abelardo escreveu
“Jamais serei filósofo se isso for falar contra São Paulo; não seria um Aristóteles se isso me separasse de Cristo” [1]


Abelardo e Anselmo acreditavam na supremacia da autoridade divina. A razão e a lógica eram usadas para entender a fé que, por sua vez, era aceite com base na autoridade. Ainda assim o trabalho de Abelardo foi considerado demasiado ousado, tendo este sido condenado em 1140.
A condenação foi despoletada por denuncias movidas por Bernardo de Clairvaux (1090-1153), um dos mais influentes teólogos monásticos da época – teólogos conservadores, hostis ao uso da lógica e da dialéctica como ferramentas de análise dos dogmas católicos, que favoreciam o conhecimento directo de deus, nomeadamente através de experiências de contemplação e êxtase [2]. Segundo Bernardo, Abelardo era culpado de heresia em resultado da sua confiança excessiva na razão:
“Ele [Abelardo] contaminou a Igreja; infectou com a sua própria praga as mentes das pessoas simples. Tentou explorar com sua razão o que a mente devota capta imediatamente com uma fé vigorosa. A fé acredita, não contesta. Mas este homem, aparentemente suspeitando de Deus, não acreditará em nada até que primeiro o tenha examinado com a sua razão”
O uso da razão era coisa de curiosos; envolvia investigações intermináveis e por isso era uma actividade vista com suspeição pelos teólogos monásticos. Ruperto de Deutz (1070-1129), outro de entre essa corrente de teólogos escreveu:
“Vergonhosamente, ousaram examinar os segredos de Deus nas Escrituras de forma presunçosa, motivados pela curiosidade e não pelo amor. Como resultado, tornaram-se hereges” [3]
Esta atitude resume bem – usando as palavras do historiador de ciência Edward Grant – o clima de hostilidade e as lutas intelectuais entre fé e razão que se viveram durante o Sec. XII.
Gilberto de la Porrée (1085-1154), Pedro Lombardo (1100-1160) e Pedro de Poitiers (1130-1205) foram outros dos teólogos que acabaram acusados de heresia por terem aplicado a filosofia e as regras do pensamento racional a temas da fé.
No início do Sec XII o estudo da filosofia natural (a ciência) continuava subordinado às necessidades da teologia e aos limites impostos por esta. Invariavelmente os filósofos naturais interpretavam o mundo físico em termos teológicos. Mas alguns tentaram romper com esta abordagem, passando a apreciar os fenómenos naturais em termos puramente racionais. Adelardo de Bath (1080-1142) foi um desses pioneiros. Defendeu enfaticamente a busca de explicações naturais, ao mesmo tempo que condenou aqueles que se contentam com argumentos de autoridade teológica. De temperamento igualmente científico, Guilherme de Conches (1085-1154) rejeitou a ideia da Bíblia ter alguma relevância no estudo da filosofia natural, considerando impróprio invocar a omnipotência de deus como explicação para os fenómenos naturais. A causa dos efeitos devia ser procurada na própria natureza [4]. No seu “De philosophia mundi” referiu-se nestes termos aos inimigos da ciência:
“ignorantes das forças da natureza e querendo ter companhia na sua ignorância. . . não querem que as pessoas investiguem nada; querem que acreditemos como camponeses e não perguntemos a razão das coisas” [5]
No final do Sec. XII a Igreja ver-se-ia a braços com uma ameaça maior: a filosofia de Aristóteles, que passou a estar disponível em Latim no mundo Ocidental em virtude dum movimento sem precedentes de traduções do grego e do árabe.

EVM


Notas:
[1] Grant, Edward; “God and Reason in the Middle Ages”, Cambridge University Press, 2004, Cap. 2, pg. 57.
[2] ibid, pg. 63.
[3] ibid, pg. 64
[4] ibid, pg. 73
[5] Grant, Edward; “Science and Theology in the Middle Ages” in David C. Lindberg and Ronald L. Numbers (Eds) “God and nature – Historical essays on the encounter between Christianity and science” University of California Press, 1986.

27 de Março, 2025 Ernesto Martins

Ciência e Cristianismo (2)

Os primeiros séculos do Cristianismo foram caracterizados por uma certa ambivalência nas atitudes dos padres da Igreja perante o conhecimento dos gregos. Alguns, receando os efeitos subversivos da filosofia na fé, manifestaram abertamente o seu desprezo para com o legado pagão. Taciano (120-172), o autor do Diatessarão, escreveu no seu “Didascalia Apostolorum”
“Evitem todos os livros pagãos. Que respeito vos devem ideias estranhas, leis ou pseudo-profetas que muitas vezes levam homens inexperientes ao erro?”
Basilio de Cesareia (329-379) deliciou-se a subverter a ciência grega:
“Os sábios gregos escreveram muitas obras sobre a natureza, mas nenhum desses relatos permaneceu inalterado e firmemente estabelecido. O relato posterior derrubou sempre o anterior. Como consequência não há necessidade de refutarmos as suas palavras; eles se aproveitam mutuamente para a sua própria ruína”
Representando o epítome deste anti-intelectualismo, Tertuliano (150-225) escreveu celebremente
“O que Atenas tem a ver com Jerusalém? Que concórdia existe entre a academia e a Igreja? E entre hereges e cristãos… Não queremos nenhuma disputa curiosa depois de possuirmos Cristo Jesus; nenhuma inquirição depois de desfrutarmos do evangelho. Com a nossa fé não desejamos mais nenhuma crença”
Outros padres, mais moderados como Justino Mártir (100-165), Clemente de Alexandria (150-215) e Orígenes (185-253), reconheciam valor na filosofia grega, sobretudo nas doutrinas de Platão devido às afinidades com a teologia cristã predominante. No entanto – e é isto que pretendo salientar nesta parte do artigo –, o conhecimento que era absorvido da tradição clássica, era-o unicamente
1) porque tinha interesse para a defesa da fé cristã, ou
2) para que os cristãos não passassem por ignorantes nas disputas com os pagãos.
Ou seja, não acontecia por amor à verdade ou ao conhecimento como fim em si mesmo.

Clemente e Orígenes argumentaram que o Cristianismo podia beneficiar do conhecimento pagão. Em particular podia usar em seu proveito a lógica, a dialética e a metafísica dos gregos para, por um lado, explicar os dogmas do Cristianismo e, por outro, defender a versão (proto) ortodoxa do Cristianismo perante as variantes heréticas que se multiplicaram nos primeiros séculos. A filosofia era assim aceite, mas apenas como serva da teologia. Foi neste estatuto subalterno de serva (philosophia ancilla theologiae) que a filosofia (e, depois, a filosofia natural, isto é a ciência) funcionou durante toda a Idade Média.
Para um luminário da Antiguidade tardia como Agostinho de Hipona (354-430), o conhecimento filosófico, quando útil, devia ser mesmo apropriado pela teologia. A este respeito escreveu no seu “De doctrina Christiana
“Se os filósofos dizem coisas que são verdadeiras e estão bem adaptadas à nossa fé, o que eles dizem deve ser despojado deles, como se faz aos proprietários injustos, e convertido para nosso uso”
Mas apenas a filosofia que não é contrária à fé deve ser considerada verdadeira.
Além disso Agostinho não via o exercício da razão como o tipo de actividade intelectual que persegue os argumentos até às últimas consequências. A função da razão era apenas a de elucidar a fé. A fé devia sempre preceder a razão, porque
“todo o conhecimento derivado dos livros dos pagãos torna-se bastante pequeno se comparado com o conhecimento das escrituras divinas”
Embora se tenha dedicado inicialmente ao estudo das artes liberais (a retórica, a lógica, a aritmética, a geometria, etc.), no fim da sua vida Agostinho concluiu que as ciências não tinham qualquer utilidade. Em “De doctrina Christiana” escreveu
“Não deveríamos ficar alarmados se os cristãos desconhecem o conhecimento natural contido na tradição clássica. É suficiente que compreendam que Deus é a única causa das coisas criadas”
Contudo para Agostinho era importante que os cristãos não passassem por ignorantes perante os pagãos. Preocupava-o que, influenciados por interpretações ingénuas das escrituras, expressassem opiniões absurdas, desacreditando assim o Cristianismo. No seu “De Genesi ad litteram” escreveu
“Até os não-cristãos sabem alguma coisa sobre a terra, os céus, o movimento e a órbita das estrelas…. Portanto é uma coisa vergonhosa ouvir um cristão dizer coisas absurdas sobre esses tópicos; devemos tomar todas as precauções para evitar uma situação embaraçosa em que os cristãos demonstram grande ignorância e por isso são alvo de desprezo”
Um conhecimento elementar de filosofia natural era, pois, recomendado, mas apenas para que os cristãos não passassem vergonhas perante os seus rivais pagãos bem informados, e, desta forma, não comprometessem a reputação do Cristianismo.
Concluindo, foi como muitas reservas que os padres dos primeiros séculos do Cristianismo lidaram com a herança intelectual grega. A filosofia clássica acabou difundida pelo mundo cristão, mas fê-lo, em grande medida, no período patrístico, através do filtro apertado da teologia cristã.
A Igreja não promoveu deliberadamente o conhecimento grego. O que fez foi servir-se dele para defender a ortodoxia face ao paganismo e às heresias, e, neste processo, expandir o seu próprio domínio.

EVM

Bibliografia:
Edward Grant; “The Foundations of Modern Science in the Middle Ages”, Cambridge University Press, 1996.
Edward Grant; “God and Reason in the Middle Ages”, Cambridge University Press, 2004




4 de Fevereiro, 2025 Onofre Varela

«Ateísmo-Cristão»

Em 1945, quando soldados das tropas aliadas entraram nos campos de concentração nazis, não queriam acreditar no que viam. Seres humanos esqueléticos e pilhas de cadáveres era o que restava dos prisioneiros judeus. O general Eisenhower pediu a quem tivesse máquinas fotográficas para registar o maior número possível de imagens, pois haveria de vir um tempo em que alguém se ocuparia em negar o que eles testemunhavam (premonitório!).

A realidade da condição humana foi alvo de profundas reflexões. A religião, enquanto refúgio das almas, não sabia explicar o abandono dos mais fracos e desprotegidos. Os crentes mais directamente atingidos pela tragédia, sentiam legitimidade para perguntar: “Onde estava e que fazia Deus, quando os nazis eliminavam o seu povo eleito em câmaras de gás?!”… Não era fácil responder às interrogações daqueles que se consideravam burlados no conceito que sempre lhes alimentara a esperança e que tão cruamente os desiludira. Urgia assumir a necessidade da revisão de conceitos culturais e religiosos que tinham perdido todo o significado e o carisma que possuíam antes da guerra.

Foto de Frederick Wallace na Unsplash

Rudolf Karl Bultmann (1884-1976), teólogo alemão perito em história das religiões, era um dos intelectuais que alinhavam na nova atitude. Anunciou a necessidade da proclamação moderna do Evangelho “sem que os ouvintes se sintam obrigados a adoptar a mentalidade e a cultura dos homens do começo da era cristã”. Bultmann chamava a atenção para o facto de o Novo Testamento ser mitológico, e preocupava-se com a questão de como propor o verdadeiro conteúdo da mensagem cristã. “Esta exprimiu-se nos primeiros séculos segundo um determinado número de ideias, de imagens, de referências tomadas da cultura de então, cuja forma de pensar era mítica, isto é, apresentava as realidades divinas, transcendentes, em termos deste mundo. Ora, essa forma de pensar já não é a nossa!”.

Impunha-se a desmistificação da mensagem cristã tornando-a compreensível na simples e natural dimensão humana, abandonando a ideia de se ter em Jesus Cristo (JC) um mediador da divindade.

Mas Bultmann foi mais longe nas suas considerações. Argumentando que desde o século I o entendimento evoluiu de tal modo que a concepção do mundo e o aparecimento do Homem são matérias que já não podem ser consideradas da mesma maneira, defendia que a ressurreição de Cristo devia ser considerada como mito. Não a rejeitava enquanto mensagem de fé, mas entendia que deveria fazer-se a separação dos conceitos, já que, na realidade, JC não ressuscitou!…

O seu contemporâneo Thomas J. L. Altizer, também teólogo, navegava nas mesmas águas e propôs a ideia do “Ateísmo-Cristão”, fundamentando-se em estudos que lhe permitiam concluir que “o Deus soberano, absoluto, opressivo e transcendente, morreu em Jesus Cristo. Deus aniquilou-se a si próprio para que uma nova manifestação do espírito pudesse aparecer sob uma forma profana. A morte de Deus deveria ser saudada pelos cristãos como um acto redentor que liberta o homem da escravidão a uma divindade despótica que lhe permite aguardar, confiante, uma nova epifania do Espírito no mundo”.

Estas eram as preocupações de alguns homens de religião despoletadas pela guerra, pelos horrores e pelas atrocidades que se conheceram em 1945. Hoje, quando assisto a uma missa observando o que ali acontece, retrocedo para a Idade Média!… A Igreja não ouviu os seus influentes teólogos de há 80 anos.

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

25 de Outubro, 2024 Eva Monteiro

Um Gesto de Altruísmo do Prof. Ricardo Oliveira da Silva

A AAP – Associação Ateísta Portuguesa teve recentemente o prazer de se fazer representar numa conversa online sobre o Ateísmo em Portugal e no Brasil. Esta conversa decorreu no dia 9 de Outubro no Canal de Youtube Ativistas Ateus do Brasil, com o objetivo de iniciar uma ponte entre as comunidades ateístas dos dois países.

Prof. Ricardo Oliveira da Silva

Desta conversa decorreu o contacto com o Professor Ricardo Oliveira da Silva que possui uma Graduação em História pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) e Mestrado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2008). É Doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Tem experiência na área de História, com ênfase em Historia das Ideias, Historiografia e teoria da História, História do Brasil republicano e História do Ateísmo. Atualmente é líder do Grupo de Pesquisa Ateísmos, Descrenças Religiosas e Secularismo: história, tendências e comportamentos, e faz parte do Grupo de Pesquisa História Intelectual, Produção de Presença e Construção de Sentido e do grupo História Intelectual e História dos Conceitos: conexões teórico-metodológicas. Esses grupos estão registrados no CNPq. É também membro do fórum acadêmico International Society for Historians of Atheism, Secularism, and Humanism (fonte).

Como autor prolífico na área do Ateismo, o Professor Ricardo Oliveira da Silva prontificou-se a disponibilizar aos nossos leitores algum do seu material sobre o tema, que aqui se reproduz.

A AAP agradece este gesto de incrível altruísmo que me muito ajudará a nossa comunidade a melhor compreender o ateísmo, em particular no Brasil.

8 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Somos evoluídos em relação a quê?!…

No início da escrita deste texto comecei por escolher para título a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Mudei-o depois… mas na verdade, entendido como poder, o conceito de Deus é tão perigoso quanto qualquer outro poder quando ele é imposto como paradigma da “Verdade Absoluta”, obrigando à sua submissão sem limites nem interrogações, como são exemplo não só os credos religiosos, mas também o Fascismo, o Nazismo e o Comunismo, ou qualquer ideologia de Direita-extremista ou Teocrática.

A confirmar a perigosidade do conceito de Deus, estão os extremistas islâmicos que, em nome de Deus, cometem os mais hediondos crimes, desrespeitam as mulheres e escravizam as crianças. No capítulo das crianças, e na Política, Putin faz o mesmo, escravizando a mente dos menores roubados às famílias ucranianas após a invasão da Ucrânia, submetendo as crianças raptadas a “lavagens cerebrais”; na China de Xi Jinping faz-se igual ao Povo Uigur – nas apelidadas «escolas de reeducação» – para que os “reeducados” pensem conforme o que o ditador quer que se pense, destruindo a identidade cultural do povo Uigur.

Por seu lado, o “poder dos deuses” sempre foi ditadura persecutória, explorado pelos líderes das comunidades que o usavam (e usam) para oprimir o Povo, conseguindo a sua subserviência ao poder temporal, amedrontado com o castigo divino. Os credos religiosos subjugam-nos desde a Antiguidade mais remota, passando pela Idade Média (quando a Igreja era a “dona” das governações e coroava reis a seu contento) até aos nossos dias e à nossa porta.

É neste sentido que deve ser entendida a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Fora deste contexto de subjugação a um deus (ou a qualquer outro poder ditatorial), numa sociedade sadia dispensadora da droga do divino e liberta de ditaduras políticas opressoras que impõem o pensamento único, uma corrente de ar é bastante mais perigosa para um corpo desprotegido… e Deus vale zero (os ditadores valem menos que zero).

Embora hoje o poder da religião continue a ser praticado ao serviço dos vários interesses que comandam a sociedade em que nos inserimos, estamos numa posição diferente daquela em que viveram os povos de outros tempos sob a ditadura dos sacerdotes… mas não estamos melhores!… Hoje não são apenas as religiões que dirigem a vontade dos povos; os partidos políticos e os grupos económico-financeiros também fazem parte da lista dos exploradores da boa-fé das populações.

Somos comandados pelos poderes (a maioria das vezes constituídos pelas piores pessoas) que dominam a sociedade e nem nos damos conta de que são muitos. Na verdade, quando um anónimo cidadão temente a Deus ajoelha no templo em frente ao altar do santinho da sua devoção, ou ouve o guru da seita que lhe promete felicidade eterna, julga fazê-lo perante a divindade. Foi isso que lhe disseram em menino e é nisso que ele acredita. Mas na verdade ajoelha-se perante um Poder: o poder da Igreja e das modernas seitas que amarram as mentes crentes à ideia opressora de Deus usada pelos exploradores da fé.

A seguir vêm todos os outros poderes, e não é raro a própria entidade patronal (a quem o temente a Deus vende a força do seu trabalho) pertencer à casta dos que colhem da seara divina (é, até, muito frequente) porque a ideia de Deus traz acoplada a submissão à autoridade, seja ela divina ou humana. O patrão tem poder sobre os seus assalariados podendo negar-lhes o pão quando muito bem entender… e na verdade já o nega quando paga salários miseráveis aos seus assalariados e compra habitações de luxo, iates e automóveis topo de gama para si próprio, com o lucro que arrecada do trabalho miseravelmente pago.

As leis, nesta era da globalização, estão feitas à medida dos poderes da Banca e da Economia, numa Europa desenhada para a submissão do Trabalho ao Capital, e da Política à Economia e à Alta Finança, protegendo a exploração do trabalho com direitos reduzidos para alimento de um sistema económico-neocapitalista asselvajado tendo a extrema-direita à espreita para promover o retrocesso da nossa caminhada pelo respeito ao próximo e pela concórdia social (se o Comunismo era o sonho da “parte sadia” da sociedade nas décadas de 1950, 60 e 70, em contra-ponto ao Capitalismo… deixou de o ser desde que partidos comunistas apoiam ditadores como Putin, Maduro e Kim Jong-un).

Neste sistema social em que vivemos e que sempre nos oprime (embora se diga democrático), há uma verdade histórica a considerar: “o Povo é tanto mais explorado quanto mais religioso for”. E há mais esta: “a sociedade tem tanto mais ricos, quanto mais pobres e incultas forem as pessoas que a constituem”. E isto não é mais do que um gritante sinal de primitivismo!

Quando nos imaginamos uns seres inteligentes e evoluídos, devemos interrogar-nos: somos evoluídos, em relação a quê?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

18 de Outubro, 2021 João Monteiro

Estarão todos doidos?!…

Texto da autoria de Onofre Varela

Ultimamente tornou-se moda contestar a História, pretendendo reescrevê-la de acordo com um certo pensamento divorciado dos factos que a fizeram. Nesse sentido há atitudes vândalas contra estátuas e monumentos, como fizeram à imagem do Padre António Vieira, em Lisboa, a quem acusam de ter pactuado com a escravatura e os maus tratos aos povos indígenas do Brasil; e ao Monumento aos Descobrimentos, em Belém… como se não fosse um facto histórico dali terem partido as caravelas dos nossos marinheiros quinhentistas, e como se tal facto não fizesse parte da História, nem representasse um modo de se ser e de se fazer, num determinado tempo e lugar, em determinadas circunstâncias ditadas pelo evoluir da sociedade e do próprio pensamento social e filosófico que faz cada tempo!

A História conta-nos os feitos dos nossos antepassados, quer nós gostemos, ou não, de algumas narrativas. A História não é um petisco que se come, ou não se come, de acordo com os nossos gostos gastronómicos: é o registo de factos que não podem ser mudados. O meu professor de História, na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, definia História como “uma sucessão de sucessos sucessivos que sucedem sucessivamente sem cessar”… e agora há uns patuscos que, ao estilo de Camões, gritam “cesse tudo o que a musa antiga canta…” por questões ideológicas actuais, alheias aos factos que fizeram a História. Em Julho último, por exemplo, indígenas do Canadá queimaram igrejas católicas, movidos pelo “desrespeito aos autóctones”, por parte de alguns padres em algum momento da História!

Ultimamente uma notícia divulgada pelo jornal espanhol El Mundo (edição de 10/9/2021) dá conta de, também no Canadá, uma instituição conservadora que agrupa 30 escolas francófonas de Ontário ter retirado das suas bibliotecas cerca de cinco mil livros que acabaram na reciclagem do papel, e outros em fogueiras “purificadoras” à boa maneira da Inquisição Católica! Algumas das obras “diabólicas” que mereceram tal fim, eram histórias de Banda Desenhada de Tintim e de Astérix!… E porquê?… Por, presumivelmente, a obra Tintim no Congo (de 1931) conter racismo. Igual acusação é dirigida ao Astérix (da excelente dupla de criadores Albert Uderzo [desenho] e René Goscinny [texto]) alegadamente por “falta de respeito pelas tribos índias do Canadá” (!?!)…

Os censores são umas bestas!… Não sabem destrinçar sátira e humor ficcional, de realidade histórica!… Também Pocahontas e Lucky Luke não escaparam à cerimónia de “purificação nas chamas”, e o conselho escolar declarou que, com tal acto “enterramos as cinzas do racismo, da discriminação e os estereótipos, com a esperança de as crianças crescerem num país inclusivo em que todos possam viver com prosperidade e segurança” (!?!).

Mas… o que é isto?!… Estará tudo doido?!… Se esses “puristas do pensamento” um dia acordarem com vontade de irem mais longe nessa purificação tomada como cruzada… vão ter de queimar a Bíblia!… É que os “textos sagrados” permitem que os pais vendam as suas filhas (Êxodo: 21; 7-8) “E se algum vender a sua filha […] não poderá vendê-la a um povo estranho”. E também permitem a escravatura (Levítico: 25; 44 – 46) “E quanto ao teu escravo ou à tua escrava que tiveres […] deles comprareis escravos e escravas […] também os comprareis dos filhos dos forasteiros que peregrinam entre vós […] e possuí-los-eis por herança para os vossos filhos depois de vós”!… Exactamente como se o escravo fosse um objecto de ser usado de mão em mão, assim como uma jarra ou um penico!

Gostava de conhecer o comportamento social diário desses “puristas-queimadores-de-livros” alegadamente por “respeito aos autóctones”! Se calhar ainda ia concluir que alguns deles mereceriam ocupar o lugar dos livros nas suas tão queridas fogueiras!… Estará tudo doido, ou sou eu que estou a ver mal a coisa?!…

(O autor obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Opinião de Onofre Varela sobre a reescrita da história.
Imagem de Anuj Chawla por Pixabay
21 de Abril, 2021 João Monteiro

Lei da separação do Estado das Igrejas

Assinala-se hoje, dia 20 de Abril, os 110 anos em que foi aprovada, por decreto, a Lei da separação do Estado das Igrejas. Entre os seus princípios destacam-se: a liberdade de consciência; a religião católica deixar de ser a religião do Estado; ninguém poder ser perseguido por motivos de religião; a república não reconhecer, não sustentar, nem subsidiar culto algum; ou ainda a proibição de realização de reuniões políticas nos lugares habitualmente destinados ao culto de qualquer religião.

A lei original estava organizada em torno dos seguintes sete capítulos:

I – Da Liberdade de consciência e de culto;
II – Das corporações e entidades encarregadas do culto;
III – Da fiscalização do culto público;
IV – Da propriedade e encargos dos edifícios;
V – Do destino dos edifícios e bens;
VI – Das pensões aos ministros da religião católicos;
VII – Disposições gerais e transitórias

E a mesma lei pode ser consultada aqui, no site da Associação República e Laicidade.

Apesar destas conquistas sociais, elas não permaneceram no tempo, tendo sido alvo de sucessivas reformas. Como sabemos, a história é feita de avanços e recuos. Hoje, a Igreja Católica tem privilégios (originados pela Concordata e outra legislação); o Estado paga a capelães dos hospitais, das forças armadas e das prisões; e as escolas públicas e universidades promovem comunhões pascais e cerimónias (como temos denunciado). Há pois muito por reivindicar, como temos vindo a fazer junto das entidades competentes, e como continuaremos a fazer.

Afonso Costa assina a Lei da separação do Estado das Igrejas.
Foto do Arquivo Municipal de Lisboa.
28 de Fevereiro, 2021 Paulo Ramos

Historicidade de Jesus vs Pilatos

A expressão “foi crucificado sob Pôncio Pilatos” foi incluída no Credo católico no ano 381 EC. A História regista o momento em que a Igreja introduz no Credo a historicidade de Jesus da Nazaré! Ou seja, crer que Jesus é uma personagem histórica tal como Pôncio Pilatos passou a fazer parte do dogma por decreto de uma autoridade! Isto leva a suspeitar que antes deste momento haveria, dentro do cristianismo, quem não cresse que Jesus fosse uma personagem histórica e que, de alguma forma, a autoridade da Igreja achou por bem combater no concílio de Constantinopla.

Este dogma não tinha sido incluído no Credo de Niceia de 325 EC.
Quem escreveu torto por linhas direitas? – Século IV – Concílio de Niceia em 325 EC

Enquanto Jesus tem como fonte primária o Evangelho de Marcos, um texto marcadamente alegórico, Pilatos tem uma história atestada por Filo de Alexandria e Flávio Josefo em textos cujo o objetivo é descrever acontecimentos históricos.
Quem escreveu torto por linhas direitas? – Século I – Pilatos

Fresco da Capela Sistina, século XVI. Fonte: wikipedia
17 de Abril, 2012 João Vasco Gama

Desconversão – em português

aqui partilhei uma excelente série de vídeos sobre uma experiência de desconversão. Pela forma séria, sofisticada e apelativa como está construída e pela clareza e pertinência dos argumentos apresentados, sugeri vivamente o seu visionamento completo.

Recentemente descobri que essa série foi legendada em português. Agradecendo a quem fez a tradução, aproveito para divulgar a série de novo neste espaço.

Aqui está um dos melhores vídeos da série, o momento da desconversão, desta feita legendado em português:

PS- Não esquecer de activar as legendas, para quem não tem essa opção por omissão.

30 de Outubro, 2011 João Vasco Gama

O escândalo dos bebés roubados

Este vídeo descreve e analisa factos perturbadores ocorridos durante o regime de Francisco Franco. Entre 30 mil e 300 mil bebés foram roubados aos pais e vendidos com a colaboração da Igreja Católica. Sugiro o visionamento completo: