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2 de Junho, 2006 lrodrigues

A Pergunta Certa

No passado domingo o Papa Bento XVI, visitou o campo de concentração de Auschwitz.

Foi neste campo de concentração, célebre pela ironia cruel das palavras «Arbeit Macht Frei» (o trabalho liberta) inscritas no alto do portão de ferro da sua entrada, que durante os anos de ocupação alemã foram praticados os mais horrendos crimes que a História da Humanidade já conheceu.
Decerto impressionado pelo tremendo peso histórico daquele local e tocado pela memória de quase dois milhões de seres humanos, a maior parte judeus, que ali morreram no meio do mais indizível sofrimento, o Papa Bento XVI perguntou, claramente comovido:
«Onde estava Deus naqueles dias? Porque ficou Deus silencioso? Como pode Deus permitir este infindável massacre, este triunfo do mal?»
Mas Bento XVI não fez certamente as perguntas correctas!
Visitando como Papa, enquanto líder máximo da Igreja Católica, um local de tanto sofrimento, talvez a pergunta mais adequada que Bento XVI deveria ter feito era:
– Durante os massacres de Auschwitz, onde estava Pio XII? Onde estavam todos os responsáveis do Vaticano? Como puderam eles ficar silenciosos perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
E então, talvez bem a propósito, lhe surgissem tantas outras perguntas, há tanto tempo ainda sem resposta.
Por exemplo:
– Durante os massacres de Lenine e Estaline, onde estava Pio XI? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
– Durante as ditaduras em Portugal e Espanha, durante as ditaduras militares da América do Sul, durante os massacres de Pinochet, Videla e outros que tais, onde estava Paulo VI? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
– Durante os massacres de Mao Tse Tung e de Pol Pot, onde estava João XXIII? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
– Durante os piores anos destas mesmas ditaduras, durante todos estes massacres em todos os continentes, onde estava João Paulo II? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
– Durante os mais negros anos da Inquisição, por exemplo durante Tomás de Torquemada, onde estava Inocêncio VIII? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
– Durante o processo de Galileu, onde estava Urbano VIII? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
– Durante a imolação pelo fogo de Giordano Bruno, onde estava Clemente VIII? Como pode ele ficar silencioso perante este infindável massacre, este triunfo do mal?
Ou seja:
A pergunta certa não é, pois, «onde estava Deus?».
Esse, como é hábito, tem as costas largas e nós já sabemos onde estava:
– Estava no sítio do costume!

Muito pelo contrário, a pergunta certa deveria antes ser:

– Onde estavam os homens?

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

1 de Junho, 2006 Carlos Esperança

O Deus da minha aldeia

Na aldeia onde fui criança soía as famílias agradecerem a Deus a fome que sobrava das refeições, os governantes que eram e a bondade divina pelos filhos que arribavam.

Na escola, o intervalo do almoço era cumprido com uma côdea de centeio com algumas semanas de cozedura e, no tempo próprio, amoras silvestres ou figos colhidos à socapa pelos garotos, na ausência do dono.

Apenas a fé era robusta e firme a determinação em cumprir a vontade de Deus, entidade que as catequistas louvavam e descreviam como a mais pérfida e sinistra das criaturas.

O padre era o único indivíduo motorizado nas paróquias que lhe cabiam. Usava batina preta com nódoas variadas. No cocuruto fulgia a alvura de um círculo no coiro cabeludo – a tonsura -, exibida com vaidade como marca do Vaticano.

O sino da igreja tocava para um ror de situações, desde os fogos a que urgia acudir até à fonte que era preciso despejar e lavar. Mas era quase sempre ao serviço das almas que as badaladas soavam, com som pungente a finados, estridentes nas procissões, aflitas em caso de acidente ou arrastadas à hora das trindades.

Deus estava em toda a parte, nos calos dos joelhos, nas persignações, nas ave-marias e no terço que todos os dias de Maio enchia a igreja para conversão da Rússia.

O mundo era então pior do que hoje, embora não pareça. Comunistas, judeus e maçons eram inimigos do Deus das catequistas e do Sr. padre e quem aturava o azedume divino eram as crianças, que se fartavam de rezar para lhe aplacar a ira.

A miséria, a fé e o analfabetismo eram a herança legada de geração em geração até que uma professora briosa resgatou as pessoas ao analfabetismo e o conhecimento começou, lentamente, a expulsar Deus.

Até o padre se cansou e trocou a batina e o breviário por uma paroquiana.

1 de Junho, 2006 jvasco

Vídeos da IURD

Nunca mais tive acesso a um vídeo ao qual me tinha referido no meu último artigo. Mas o autor do blogue «O calhamaço dos Embustes» deixou na caixa de comentário do meu último artigo uma série de referências muito interessantes…

Este video mostra Edir Macedo a expôr a sua estratégia mercantilista:

É revoltante!

Além disso, não deixa de ser curioso ver este video (menina pastora); ou este outro (queima de uma maldição); ou ainda este outro (fala uma senhora que tinha deixado de frequentar a IURD porque 10% dos seus 40 contos mensais eram uma depesa muito pesada).

31 de Maio, 2006 pfontela

Selectividade e conspiração

Já aqui falámos da visita de Ratzinger à Polónia, possivelmente um dos últimos redutos do fanatismo católico em solo europeu e de uma opressão política e social que é sistematicamente ignorada pela maioria dos estados membros.

Mas é de acrescentar umas notas sobre o discurso do papa aquando da visita aos campos de concentração. Como político que é não se conteve e teve que fazer mais uns quantos comentários depreciativos sobre a modernidade (compreendo que um rei que se vê privado da maioria do seu poder se sinta ultrajado pela República…), ou seja, para quem ainda não percebeu: Ratzinger acha que o holocausto é uma boa arma política para combate político! Reflecte uma falta de decência que seria impensável para qualquer governante secular, para um líder religiosos parece que é louvável.

É perfeitamente previsível que uma organização que vê o número de seguidores drasticamente diminuído sinta que tem que atacar violentamente a causa das suas desgraças. O que já não é normal é que se use de forma hipócrita a memória das vítimas do holocausto para esses fins! Especialmente quando em todo o discurso não houve uma palavra de reconhecimento da culpa colectiva católica no anti-semitismo polaco (e não só) – um ódio ancestral. Foi um sentimento que sempre esteve presente na nação, não foi importado da Alemanha aquando da guerra. Apesar das suas longas raízes históricas Ratzinger preferiu falar dos mártires e da maldade da modernidade em vez de reconhecer a culpa da Igreja em todo este cenário cultural.

Mas voltando à modernidade, parece-me claro que a Igreja tem um terror ao mundo moderno, um mundo que além de já não lhe reconhecer autoridade quase já não lhe reconhece valor o que leva frequentemente ao isolamento da realidade e por sua vez à mentalidade da teoria da conspiração. Tal como o Jesuíta Barruel no século XVIII criou a conspiração maçónica/jacobina universal também os actuais porta vozes do Vaticano (como os jesuítas caíram um pouco em desgraça calculo que a opus dei seja no futuro o veiculo privilegiado para este processo) criam a sua própria mitologia da conspiração em que os sinistros ateus são movidos apenas por um ódio irracional, sem qualquer projecto ou objectivo.

31 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Ateísmo e equidade

Sinto-me alvo de injustiça quando os católicos me acusam de privilegiar a sua Igreja em detrimento das outras.

Sempre considerei todas as religiões falsas. Nunca poupei os judeus das trancinhas à Dama das Camélias que execram a liberdade, a carne de porco e a integridade da Palestina. Nunca fui solidário com quem marra piamente no Muro das Lamentações, apenas sinto alguma piedade pelas pedras seculares e a sua preservação.

Não me canso de denunciar o carácter misógino das religiões do livro, a sanha contra a liberdade, a sua homofobia assassina, enfim, a glorificação de um Deus demente, cruel, sádico e apocalíptico.

Não vejo no protestantismo evangélico, que exige o ensino obrigatório do criacionismo nas escolas públicas e uma vida de acordo com as determinações bíblicas, maior abertura intelectual do que nos mullahs que deliram a lapidar mulheres adúlteras para deleite de Maomé.

O Papa, como vértice da pirâmide de anacrónicos sacerdotes do obscurantismo, tem, é certo, gozado de especial e merecido destaque. A forma como interfere, através dos núncios e das conferências episcopais, nas decisões democráticas dos países livres, torna-o um alvo apetecível.

Longe de mim considerar uma mentira melhor do que outra, uma religião menos perigosa do que a concorrente.

Mas não nos iludamos, não é nas mentiras da fé que está o perigo, é no poder do clero.

30 de Maio, 2006 jvasco

Não gosto da IURD

Todos os dias passo pelo gigantesco templo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) quando subo a alameda a caminho do IST. Isso vai-me lembrando que a IURD não desapareceu: ainda tem muitos crentes e alguma importância na nossa sociedade.

Eu não gosto da IURD. Não gosto da forma como exploram as pessoas, as mais pobres, as mais vulneráveis. Não gosto de ver aqueles folhetos em que as pessoas põem cruzinhas nos seus problemas – infidelidade conjugal, filho viciado em drogas, violência doméstica, etc… – esperando que com a ajuda de algumas economias oferecidas à Igreja, Deus lhes vá resolver esses problemas. Não gosto da teatrada toda dos «corpos possuídos», quando os Pastores sabem muito bem que tudo aquilo é um disparate.
Não gosto de saber que pessoas tão ateias como eu estão a tirar proveito dos mais desfavorecidos.

E realmente fiquei muito revoltado quando vi aquele vídeo em que o Bispo Edir Macedo se rebola em dinheiro, rindo-se da estupidez dos crentes da Igreja que fundou. Depois vieram dizer que o video foi «obra do Diabo». É preciso ter muita lata! Mas os crentes, esses continuaram. Sempre a acreditar.
E isto dá muito que pensar sobre a Fé…

Apesar de já o ter visto, não tenho acesso a esse video. Mas recentemente, através de um comentador, tive acesso a este. Vejam-no! O video diz muito sobre a natureza da IURD…

30 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Ainda a beata de Viseu

A cerimónia de beatificação da freira Rita Amada de Jesus esteve marcada para 24 de Abril e aconteceu – como foi público -, em 28 de Maio.

A Igreja católica, na sua mais jurássica expressão de que a diocese de Viseu tem sido paradigma, dá preferência a certas datas. O 24 de Abril ou o 28 de Maio são datas que a pia nostalgia autóctone não deixa cair no olvido.

A beatificação da freira deve ter constituído uma euforia para a superstição autóctone, um lenitivo para uma região a que falta desenvolvimento mas sobra piedade.

Da sepultura do cemitério de Ribafeita saltou um milagre do cadáver da freira, no ramo da gastrenterologia, milagre que o Vaticano logo reconheceu com a autoridade que lhe sobra na matéria e a honestidade que se lhe conhece.

Em 1989, no Brasil, uma mulher, atingida por doença mortal no intestino, curou-se por intercessão de Rita Amada de Jesus. O Papa nunca tem dúvidas e raramente se engana.

Creio que é uma glória para nós, portugueses, sermos capazes de milagres como os mais avançados que se fazem no estrangeiro, concebidos e executados por cadáveres pios, sem necessidade de tecnologia importada.

Basta uma freira com gosto pela flagelação e por rezas para conseguir o milagre pedido por uma devota supersticiosa e aflita. É espantoso um milagre saído de um cemitério dos arredores de Viseu a caminho do Brasil.

Só me surpreende que Deus não faça milagres fora da área de influência da ICAR para mostrar aos ímpios a sua força e distribuir os milagres pelas aldeias das várias religiões.

30 de Maio, 2006 Palmira Silva

Então e o relativismo?

Goya – A razão adormecida produz monstros

O homem que odeia o que apelida de «secularismo ideológico», a separação entre a igreja e o estado, algo a que chama «profanidade total», o grande paladino na luta contra a «ditadura do relativismo» – lamuriando-se que os fundamentalistas católicos estão sob o «jugo» de uma «ditadura» que o impede, como representante mor desses fundamentalistas, de impôr a sua pseudo-moralidade a todos – o cruzado empenhado contra as (limitadas) liberdades em questões de família e sexualidade nos países ocidentais, consideradas uma abominação que urge eliminar, produziu declarações deveras paradoxais no decurso da sua visita à Polónia.

De facto, num show mediático que pretendia compensar o fracasso desta visita, Bento XVI, cujos dotes teatrais estão a milhas dos de João Paulo II, encenou um me(i)a-culpa, tirado a ferros e totalmente insincero, pelos erros do passado do cristianismo junto ao túmulo do Cardeal Stephen Wyszynski, Primaz polaco falecido em 1981.

Meia culpa mesmo assim inesperada já que, como afirma o jornalista e escritor espanhol Juan Arias, «Ratzinger não pediria perdão à ciência pelas perseguições durante a Inquisição. Ele acha que é o mundo moderno que tem de pedir perdão à Igreja».

E de facto embora recomendando «humilde sinceridade para não negar os pecados do passado», Ratzinger afirmou que é preciso evitar julgar «acusações fáceis» a «gerações precedentes, que viveram noutros tempos e noutras circunstâncias».

Isto é, o grande paladino contra o relativismo, afirma ser necessário relativizar os erros da Igreja já que pretende que não os podemos julgar de uma forma absoluta, mas sim relativamente à cultura da época!

Então e que acontece ao absolutismo das verdades morais da ICAR? São só verdades absolutas sob Ratzinger e não sob os anteriores papas? Mas isso não é relativismo? Estou baralhada com a coerência do actual Papa…