Tudo começa esta manhã quando me enviam um artigo de opinião acerca da rubrica de astrologia no Praça da Alegria, um programa da RTP-1. É triste que os nossos impostos e a taxa de radiodifusão sirvam para pagar a uma astróloga para fazer publicidade ao seu negócio. Mas isso é história para outro dia.
Ponho-me a mudar de canal à procura do tal programa, a ver se apanho a astróloga (Cristina Candeias). Mas ao passar pela TVI ouço «comunicam telepaticamente», e fico a ver o que é. O Goucha está a entrevistar uma senhora da Fundação Casa Índigo, que tem ar de entendida (não entendida em nada de específico, mas entendida no geral), e que explica que as crianças índigo aprendem a falar mais tarde que as outras porque comunicam telepaticamente com os pais. Uma vez na escola, e de um momento para o outro, passam a falar normalmente. Não esclarece o que fazem à telepatia. Entretanto uma rapariga desenha a aura do Goucha e, analisando as cores, adivinha detalhes tão específicos e únicos da sua personalidade como: é determinado e dá valor às relações afectivas, ou coisa assim.
Há pouco fui ver o site da tal fundação (aqui), um projecto «destinado ao estudo esclarecimento e desenvolvimento de actividades com crianças índigo, crianças cristal, jovens índigo, jovens cristal e outros». Gostei especialmente do «e outros». Afinal, não vamos fechar possibilidades. Se já há os índigo e os cristal, quem sabe o que virá no futuro. Se surgirem jovens lima-limão ou frutóchocolate também serão bem vindos.
Segue-se uma data de tretas. As «actividades extracurriculares criativas, artísticas e harmoniosas» parecem inofensivas, mas eu é que não me arriscava a «Sintonizar a atenção, fomentar o auto conhecimento e controlo, através do equilíbrio dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo». Isso deve doer…
Mas a nata da nata, a cereja do bolo, a pérola na ostra, é isto que está no fundo da página, na lista de actividades:
«Auto-consciência Índigo (Grupos de Auto Ajuda)»
Mas o que raio será um grupo de auto-ajuda? Um grupo onde cada um se ajuda a si mesmo? A página não esclarece, mas seguindo a ligação vejo que com um «investimento» de uns meros 70e por mês os miúdos têm o direito de partilhar «afirmações positivas», alinham-lhes os chacras, e ainda têm uma iniciação de Reiki MultiDimensional («Cura Galáctica, Universal e MultiDimensional»). Só que o Reiki é outro investimento de 70e, este com 20% pago em adiantado.
Moral da história: se virem um disparate na TV, deixem estar. Se se põem a ver onde acaba às quatro da madrugada ainda estão a recuperar do trauma, e vão se deitar com aquela sensação de quem desconfia que já não está no Kansas…
PS: Agora é que reparei que este é o meu 100º post. Até calhou bem. Mais treta que isto era difícil…
——————————–[Ludwig Krippahl]
A sociedade está a emancipar-se da Igreja
Not Enough Evidence!
Declaração de Bruxelas
O Deus do Antigo Testamento
Todos do Luís Grave Rodrigues no Random Precision.
O professor Dom Mário Neto volta a contribuir para este blog, após o texto que aqui publicou anonimamente Introdução à Blinologia. No texto que se segue, Dom Mário Neto aprofunda alguns aspectos da Blinologia e disserta sobre o aparente conflito entre a ciência e o revelatum Blínico.
A filosofia natural e o estudo do Sagrado foram inseparáveis durante quase toda a história da humanidade. O conhecimento prático da natureza auxiliava o ritual religioso, desde o cálculo do calendário e dos dias de celebração à construção dos templos. E apesar da filosofia especulativa apresentar algumas hipóteses contrárias ao cânon religioso, até recentemente não eram suportadas por evidências concretas, pelo que os doutos blinólogos tinham liberdade de escolher as doutrinas filosóficas de acordo com as Escrituras. O mérito de filósofos como Platão, Epicuro, Aristóteles ou São Jacinto da Carrasqueira era medido pela concordância com a Palavra dos Blin, ou mesmo com a Frase e o Parágrafo.
No período áureo da escolástica blínica, esta visão de uma relação intima entre Natureza e Escritura levou mesmo à formulação duma noção basilar da blinologia: «A verdade não contradiz a verdade». Alguns críticos acusam-na de ser trivial e inútil, mas esta ideia rapidamente se espalhou pela cultura Europeia, sendo até adoptada por outra religião em voga nessa altura. E, no estudo do Sagrado, muitas vezes o que parece óbvio é profundamente misterioso, como atestam as famosas palavras do imperador Jin Tai aos missionários: «Se essa bolacha é Deus eu sou o rei da China».
Mas nos últimos séculos a experiência prática gradualmente se fundiu com a filosofia especulativa, gerando o que conhecemos hoje como ciência, o que levantou problemas à ideia de uma Revelação única de todos os aspectos da Criação. O relato da origem do mundo na Blínia Sagrada, «No início os Blin criaram a papa de aveia e a Terra», era interpretado literalmente, e a cosmologia blínica descrevia a Terra como flutuando num imenso mar de papa de aveia. Mas, no século XII, Barnabé da Eritreia relatou experiências, com vários tipos de rocha e receitas de papa, que demonstravam a impossibilidade física de tal interpretação. Foi executado em 1198 por heresia, e o Barnabismo foi perseguido com alguma violência, mas a Igreja Blínica sempre foi célere em admitir os seus erros. Mal passados oito séculos e Barnabé foi perdoado e, em parte por estar extinto mas em parte pelo progresso doutrinal da Igreja, o Barnabismo já não é um culto perseguido.
O trabalho de grandes cientistas, de Barnabé a Heisenberg e Einstein, mostrou à Igreja Blínica que temos que considerar verdades a níveis diferentes, se bem que a verdade nunca contradiga a verdade, mesmo que se contradigam. Parte do revelatum blínico está contido no universo em si. Treze mil e quinhentos milhões de anos, incontáveis estrelas e planetas, uma imensidão inimaginável de processos todos organizados de acordo com princípios regulares. Sem ambiguidades, sem margem para interpretações subjectivas, e onde tudo é desvendado objectivamente, sem considerar credo, raça, ou cultura. A compreensão deste universo duplicou a esperança média de vida, permite-nos comunicar instantaneamente com qualquer pessoa e mesmo explorar outros planetas.
No entanto, este universo comporta-se como se não existissem Blins, como se não tivesse sido criado por uma inteligência superior. Pior ainda, toda a ciência moderna indica que o universo não pode ter sido criado, que surgiu por um acontecimento quântico que não pode ter causa. Como sabemos que a verdade não contradiz a verdade, e como sabemos que os Blins criaram o universo, é evidente que o estudo do universo em si não pode revelar toda a verdade. Temos por isso que separar dois tipos diferentes de verdade. Isto é revelado a todos os que estudam o Sagrado, mesmo os que desconhecem o verdadeiro caminho dos Blins e seguem outras religiões. Dou aqui como exemplo as palavras de Joseph Ratzinger, líder religioso de um culto semi-monoteísta (os três deuses principais vivem como um só numa espécie de simbiose metafísica):
«Uma resposta já foi trabalhada há algum tempo, à medida que a visão científica do mundo ia gradualmente cristalizando[…]. Diz que a Bíblia não é um livro de ciência natural, nem é esse o seu objectivo. É um livro religioso, e consequentemente não é possível obter dele informação científico-natural.»
[tradução minha]
Evidentemente, isto não pode ser tudo. Como reconhece o próprio Ratzinger, e todas as religiões em geral, não basta separar o conhecimento da natureza do conhecimento espiritual. Há que juntá-los de novo numa síntese que abarque quer a nossa natureza física quer o aspecto blínico da nossa existência. Temos assim que considerar uma hierarquia de verdades. No nível inferior temos todo o universo, milhares de milhões de anos de imensidão, e toda a ciência e tecnologia que permite a nossa vida e sociedade moderna. No nível superior, a Blínia Sagrada, compilação da tradição oral de uma tribo do deserto e que, ao contrário de outras compilações de tradições orais de outras tribos do deserto, nos mostra a Verdade e todo o mistério do Sagrado.
——————————–[Ludwig Krippahl]
Deus é uma espécie de cão de guarda que rosna, ladra e ameaça morder os ímpios que acham o Papa e os outros dignitários religiosos uns impostores.
Cada religião tem o seu cão de guarda, mas o dono da fé é o biltre que ocupa o primeiro lugar na fila dos clérigos da religião que promove. É o que diz aos outros clérigos como devem ensinar os clientes a rastejar e a esportular o óbolo.
O Papa e os outros avençados do divino não pregam o que dizem que Deus disse, dizem que Deus afirmou o que eles pregam. Os prestidigitadores da fé precisam de um mito que dê credibilidade às intrujices com que se governam e enganam os supersticiosos.
Se Deus existisse não precisava de tantos intermediários, do bando de cadáveres que lhe metem cunhas a troco de esmolas e orações, da caterva de clérigos que desviam os créus para os ofícios pios e as desgarradas litúrgicas.
Deus é uma desculpa para os crimes da fé, para a vocação totalitária das religiões e para o parasitismo do clero.
Os crentes precisam de ser formatados desde a infância para se sujeitarem à fé dos que a promovem e viverem permanentemente das certezas que lhes impõem. Aos ateus, para o serem, basta-lhes um momento de reflexão e a intermitência da dúvida.
«Deve o cristão confessar-se, pelo menos uma vez por ano, pela Páscoa da Ressurreição».
(Catecismo da ICAR)
Deus caiu das alturas onde o medo dos homens e os negócios da fé o colocaram. Andou por lá demasiado tempo, graças à propaganda eclesiástica, à repressão do poder secular e à tradição.
Era difícil aguentar o mito nas alturas sem subverter a lei da gravidade. Deus caiu com o Renascimento, o século das luzes e a vitória da liberdade sobre as teocracias e entrou em coma com a secularização e o laicismo.
Apanhado nas malhas da evolução, sem fazer prova de vida, foi-se o mundo esquecendo dele enquanto alguns padres entraram em histeria e outros mudaram de rumo e de ramo. Só o Islão manteve o Deus violento, cruel e apocalíptico, graças à sobrevivência tribal e à concentração dos meios de produção na mão dos clérigos. A vigilância do clero e o medo do Inferno agravaram a devoção, a demência e o martírio.
Hoje, nas sociedades livres e democráticas, Deus é o papão que assusta as crianças que recusam a sopa, o mordomo invisível do Papa, a quem este atribui a autoria dos despautérios que profere, o abominável mito que os mullahs dizem ser grande e a quem adjudicaram um profeta que deseja ver o mundo rastejar a seus pés.
Se Deus existisse não havia necessidade de o inventar.
No Diário de Notícias de ontem [7 de Janeiro] veio noticiado que:
«As companhias de seguros estão a estudar a possibilidade de os signos dos condutores determinarem a forma como conduzem.»
E citam Lee Romanov, que fez um estudo em 100,000 condutores:
«”Fiquei absolutamente chocado. Agora, para mim, é muito menos significativo um condutor mudar de código postal do que pertencer a alguns signos do Zodíaco”, diz Romanov.»
Em primeiro lugar podemos ver a excelência jornalística desta reportagem na tradução de «shocked» para «chocado». Se forem à pagina onde a autora publicita o livro até podem ver uma foto que deixa poucas dúvidas quanto ao seu sexo (aqui). Será que o jornalista nem foi ver o site? Também pode ser culpa do editor, mas certamente não é culpa do editor afirmar que as companhias de seguros estão por trás disto. A autora é dona de um site (InsuranceHotline.com) que dá informações acerca de preços de seguros, e não de uma seguradora, e este «estudo» faz parte do livro que está a vender, intitulado «Car Carma».
Também podemos julgar a magnitude do efeito pela afirmação reveladora: «menos significativo um condutor mudar de código postal do que pertencer a alguns signos do Zodíaco». Para quem pensava que mudar de código postal era uma das principais causas de acidente rodoviário isto deve ser preocupante. Os restantes não terão razão para alarme.
Como escreve o Luis Grave Rodrigues (no Random Precision), é muito improvável que os 100,000 condutores se distribuam de forma exactamente igual pelos 12 signos. Seria importante aqui saber qual a significância estatística destes resultados. Isto, é claro, se fosse coisa para levar a sério. Segundo consta (nos comentários a esta notícia), isto é tudo uma brincadeira da autora para vender o livro:
«The references to astrology are meant to tickle the fancy and Lee had a great time writing this book, purely for your enjoyment.»
Resumindo, a dona de um site sobre preços de seguros escreve um livro que, a gozar, liga a astrologia aos acidentes, e um jornal de grande tiragem em Portugal relata que as companhias de seguros andam a estudar astrologia.
Exactamente:
Que treta!
——————————–[Ludwig Krippahl]
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.