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Categoria: Laicidade

6 de Fevereiro, 2013 Ricardo Alves

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a laicidade

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) apresentou recentemente dois conjuntos de decisões que merecem destaque.
  1. No caso «Dimitras e outros contra a Grécia», o TEDH deliberou que, ao obrigar os queixosos a revelarem a sua opção em matéria religiosa em tribunal, a Grécia violou o artigo 9º da Convenção (liberdade de consciência). Entretanto, a Grécia modificou o procedimento judicial (por lei de Abril de 2012) tornando possível uma declaração solene alternativa ao juramento religioso.
  2. No caso «Eweida e outros contra o Reino Unido», o TEDH pronunciou-se sobre quatro situações diferentes.
  • a) No caso de uma hospedeira suspensa das suas funções por insistir em usar um crucifixo – enquanto a British Airways insistia na importância da imagem da empresa mantida através do uniforme – o TEDH decidiu que tinha havido violação do mesmo artigo 9º (liberdade de consciência ou de religião), por se ter dificultado a expressão da crença religiosa da queixosa, especialmente tendo em conta que a outras hospedeiras era permitido usar turbantes ou véus.
  • b) No caso de uma enfermeira também suspensa por insistir em usar um crucifixo, o TEDH decidiu, -pelo contrário – que não houvera violação do artigo 9º nem do artigo 14º (proibição de discriminação), porque neste caso a razão para a interdição do crucifixo se devia a razões de saúde e segurança.
  • c) No caso da funcionária pública que – por razões religiosas – se recusou a conduzir cerimónias de reconhecimento civil de uniões do mesmo sexo – e portanto foi despedida -, o TEDH decidiu que não houve violação do artigo 9º em conjunto com o 14º.
  • d) Finalmente, no caso de um empregado de uma empresa de «aconselhamento psico-sexual» que perdeu o seu emprego por se recusar a «aconselhar» casais do mesmo sexo, o TEDH decidiu que não houve violação dos referidos artigos.
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
2 de Fevereiro, 2013 Ricardo Alves

Em defesa da IURD

Angola «suspendeu» a IURD. Eu sei: no dia 31 de dezembro, a IURD organizou em Luanda um evento num estádio para 30 mil pessoas prevendo que viessem 150 mil. E foram 250 mil (ou mais, os números variam). Terão morrido 13 no chamado «desastre de Luanda». É horrível, terá havido irresponsabilidade e negligência dos responsáveis dessa igreja (e do policiamento do evento), mas não acredito que a intenção fosse causar mortes.
Num Estado civilizado e laico, este seria assunto para os tribunais: as responsabilidades teriam que ser apuradas e os responsáveis punidos. A solução angolana, pelo contrário, é típica de um Estado autoritário: «suspender» a IURD (e, por tabela, mais seis igrejas) por decisão governamental.
Mais incrível ainda, o senhor presidente de Angola acusa de «publicidade enganosa» a IURD. É grotesco: prometer «fim a todos os problemas que estão na sua vida; doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação, dívidas, etc» é «publicidade enganosa»? Então o que serão as promessas do «paraíso» católico? Ou as dos feiticeiros africanos que também vemos em Lisboa? Publicidade não enganosa? E as promessas de democracia do senhor Eduardo dos Santos?
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
15 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

Defendendo o laicismo

CITAÇÕES

«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser céptico, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in «A Questão religiosa» (1907).

«O Estado nada tem com o que cada um pensa acerca da religião. O Estado não pode ofender a liberdade de cada qual, violentando-o a pensar desta ou daquela maneira em matéria religiosa». Afonso Costa, in «A Igreja e a Questão Social» (1895) R & L

 

10 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

A tradição, a laicidade e a traição

A Igreja católica goza de privilégios incompatíveis com a laicidade a que o Estado está obrigado. Há situações bem piores, e trágicas, onde as teocracias se mantêm instaladas, mas isso não exonera o Estado português da obrigação de defender a igualdade entre os cidadãos e de se declarar incompetente em questões de fé.

A ausência de sentido de Estado e de respeito pela Constituição permitiu ao atual PR ter sido presidente da Comissão de Honra da canonização de Nun’Álvares Pereira, a cuja intercessão se deve a cura do olho esquerdo de uma cozinheira que o queimou com óleo fervente de fritar peixe. Não descubro como o economista de Boliqueime soube que foi D. Nuno e não Afonso Costa, por exemplo, o autor do milagre.

É um abuso de qualquer religião a interferência na esfera pública, tal como a ingerência do Estado no mundo das religiões.

A neutralidade do Estado é condição sine qua non para evitar conflitos religiosos. A própria Espanha, onde a Igreja conta com um Governo amigo do peito e da hóstia, já se encontra em litígio por causa das leis da família. O cardeal Rouco deseja o regresso ao franquismo e Rajoy pretende manter um módico de sentido de Estado.

Sabemos o que custou à Europa a liberdade religiosa. Só após a Guerra dos 30 Anos, graças à paz de Vestefália, foi possível viver sem acreditar ou crer de forma diferente do Papa. A Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa durante o concílio Vaticano II, reconhecimento que Bento XVI tem mitigado com azedume e ranger de dentes.

Não se percebe que em época de contenção salarial o Estado português continue a pagar o ensino religioso em escolas oficiais, a professores livremente nomeados e exonerados pelo bispo da diocese, ou a subsidiar escolas religiosas onde a coeducação é proibida e as leis da família, votadas livremente pelos portugueses, combatidas pelo proselitismo beato de quem respeita a vontade divina sem prescindir da remuneração profana.

Invocar a tradição é apelar à traição. Só a laicidade garante a liberdade religiosa.

«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser céptico, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in «A Questão religiosa» (1907).

7 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

A deriva beata da América do Norte

Por

Rui Devenish

Muita gente, inclusive no EUA, desconhece o texto da 1ª emenda da Constituição dos Estados Unidos da América e que é uma parte da declaração de direitos do País. Esta emenda está a gerar grande controvérsia nos EUA tendo sido nos últimos tempos aprovadas várias leis em Condados e até Estados proibindo o ensino da religião nas escolas e imposição da religião nas mais diversas situações.

Eis o texto em português:

“O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas”.

9 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

EGIPTO: um indecifrável puzzle político…

Por

E  – Pá

A situação que o Egipto está a viver é deveras complexa, fluida e instável.

Derrubado Mubarak continua incerto o futuro deste País quanto às questões de  regime. Defrontam-se, no terreno, opções contraditórias que – no actual momento – estão longe de uma cabal definição. Ao fim e ao cabo estão face a face dois modelos: uma república islâmica, com laivos teocráticos que remete a inspiração política, social e legislativa para a ‘sharia’ e uma mudança democrática, moderna, laica e ‘ocidentalizada‘ (assente na Declaração Universal dos Direitos Humanos).
Uma terceira hipótese poderá estar a aterrorizar os protagonistas das manifestações de ‘insurreição’ da praça de Tahrir: a ‘persistência’ do regime de Mubarak, sem o rais, mas com retoques islâmicos.

Neste momento estão em confronto estas três vertentes. Será difícil prever qual a ‘solução’ que virá a ter força para implantar-se. Entre os três pólos anunciados poderão existir múltiplas soluções intermédias de compromisso, nesse caso, sempre transitórias e efémeras. Ou seja, apesar da crispação crescente, o futuro pode ser adiado.

Mohamed Morsi, recentemente eleito presidente, é a imagem visível do islamismo político, nascido à sombra da Irmandade Muçulmana (sob o disfarce do partido Justiça e Liberdade) e tem, aparentemente, alguma vantagem no actual contexto. Formalmente, colheu essa posição nas urnas. Com as recentes medidas autoritárias (os 4 decretos presidenciais emitidos a 22.11.2012) Morsi pretendia colocar-se acima de qualquer controlo (nomeadamente o judicial) e esse facto têm sido interpretados como um imediato aproveitamento político da Irmandade Muçulmana à volta do sucesso da intermediação egípcia no recente conflito na faixa de Gaza. Esta ‘jogada‘ visou à consolidação ad hoc do islamismo político.

Por outro lado – e apesar das eleições – o regime de Mubarak não foi totalmente varrido de cena. O poderoso ‘Clube dos Juízes’ ganhou nesta crise um inusitado protagonismo e será uma reminiscência do panarabismo (baasismo) que está na remota origem do Nasserismo de que Mubarak seria um bastardo herdeiro. Neste campo, insere-se ainda o ‘poder militar’ cujos interesses ultrapassam as estritas questões de soberania e de defesa nacional para imiscuir-se na área económica e financeira onde tem incontornáveis interesses.

A ‘solução Morsi’, i. e., a realização de um imediato referendo ao rascunho de um texto constitucional que, longe de ser um documento fundamental e aglutinador, mostra-se como um outro ‘instrumento’ para a consolidação do poder pela Irmandade Muçulmana. Neste texto foi inscrita, apressadamente, uma questão que na elaboração da Lei Fundamental se mostrou controversa e diz respeito à fonte e à inspiração da legitimidade do ‘novo’ poder: a sharia.

Essa manobra (referendo já!) é uma tentativa para resolver tudo de uma assentada mas, na verdade, poderá estar longe de ser consensual ou sequer apaziguadora das actuais tensões políticas, sociais e, já agora, religiosas. Concretamente, a Irmanandade Muçulmana receia o estorvo do Tribunal Constitucional que já se atravessou na sua caminhada para a conquista do Poder. Os últimos desenvolvimentos revelam que não vai ser fácil ultrapassá-lo.

Os mais recentes desenvolvimentos ocorridos no Cairo, como seja o ‘assalto’ ao palácio presidencial perante a total passividade da Guarda Republicana (pretoriana) pelos movimentos opositores ao presidente Morsi (que entretanto o tinha abandonado), mostram como é frágil a sua posição. Não é, na prática, reconhecido como comandante-chefe das Forças Armadas já que tinha ordenado a protecção do palácio (e das sedes da Irmandade) e sucedeu o que se viu…
Por outro lado, apoiantes de Morsi, tentaram tomar estúdios de canais de televisão para controlar a informação. link.
Finalmente, a ‘passividade’ das Forças Armadas é um perturbante enigma do momento, para todas as forças políticas e sociais em confronto. link

Ontem, a frontal rejeição pelas forças coligadas na oposição (Frente Nacional de Salvação) da proposta do presidente Morsi para encetar o diálogo mostra como a situação política decorrente da queda de Mubarak continua confusa e difícil link . Situação que poderá não ser definida nos próximos tempos.

Voltemos ao início. Confrontam-se duas situações: a sobrevivência do ‘antigo‘ regime (com um ‘restyling‘, sem Mubarak, com juízes e militares) ou a deriva islamista (em curso).

Em ambas a democracia sai perdedora. E, igualmente, as esperanças à volta da ‘primavera arábe’ começam a revelar-se como um monumental logro (para entender no futuro).

26 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

A Escalada Beata e as Agressões Religiosas

Enquanto os judeus ortodoxos se agarram à Bíblia e à faixa de Gaza, os muçulmanos debitam o Corão e se viram para Meca e os cristãos evangélicos dos EUA ameaçam o Irão e a teoria evolucionista, os conflitos religiosos e o terrorismo regressam à Europa.

A emancipação do Estado face à religião iniciou-se em 1648, após a guerra dos 30 anos, com a Paz de Vestefália, e ampliou-se com as leis de separação dos séc. XIX e XX, sendo paradigmática a lei de 1905, em França, que instituiu a laicidade do Estado.

A libertação social e cultural do controlo das instituições e símbolos religiosos foi um processo lento e traumático que se afirmou no séc. XIX e conferiu à modernidade ocidental a sua identidade.

A secularização libertou a sociedade do clericalismo e fez emergir direitos, liberdades e garantias individuais que são apanágio da democracia. A autonomia do Estado garantiu a liberdade religiosa, a tolerância e a paz civil.

Não há religiões eternas nem sociedades seculares perpétuas. As três religiões do livro, ou abraâmicas, facilmente se radicalizam. O proselitismo nasce na cabeça do clero e medra no coração dos crentes.

Os devotos creem na origem divina dos livros sagrados e na verdade literal das páginas vertidas da tradição oral com a crueza das épocas em que foram impressas.

Os fanáticos recusam a separação da Igreja e do Estado, impõem dogmas à sociedade e perseguem os hereges. Odeiam os crentes das outras religiões, os menos fervorosos da sua e os sectores laicos da sociedade.

Em 1979, a vitória do «ayatollah» Khomeni, no Irão, deu início a um movimento radical de reislamização que contagiou Estados árabes, largas camadas sociais do Médio-Oriente e setores árabes e não árabes de países democráticos.

Por sua vez, o judaísmo, numa atitude simétrica, viu os movimentos ultraortodoxos ganharem dinamismo, influência e armas, empenhando-se numa luta que tanto visa os palestinianos como os setores israelitas laicos.

O termo «fundamentalismo» teve origem no protestantismo evangélico norte-americano do início do séc. XX. Exprimiu o proselitismo, a recusa da distinção entre o sagrado e o profano, a difusão do deus apocalíptico, cruel, intolerante e avesso à modernidade, saído da exegese bíblica mais reacionária. Esse radicalismo não parou de expandir-se e contamina o aparelho de Estado dos EUA, mesmo com os democratas no poder.

O catolicismo, desacreditado pela cumplicidade com regimes obsoletos (monarquias absolutas, fascismo, ditaduras várias), debilitou-se na Europa e facilitou a secularização. O autoritarismo e a ortodoxia regressaram com João Paulo II, que arrumou o concílio Vaticano II e recuperou o Vaticano I e o de Trento.

João Paulo II transformou a Igreja católica num instrumento de luta contra a modernidade, o espírito liberal e a tolerância das modernas democracias. Tem sido particularmente feroz na América Latina e autoritária e agressiva nos Estados onde o poder do Vaticano ainda conta, através de movimentos sectários de que Bento XVI foi herdeiro e protetor, se é que não esteve na sua génese.

A chegada ao poder de líderes políticos que explicitam publicamente a sua fé, em países com fortes tradições democráticas, foi um estímulo para os clérigos e um perigo para a laicidade do Estado. Por outro lado constituem um exemplo perverso para as populações saídas de velhas ditaduras (Portugal, Espanha, Polónia, Grécia, Croácia), facilmente disponíveis para outras sujeições.

A interferência da religião no Estado deve ser vista, tal como a intromissão militar, a influência tribal ou as oligarquias, como uma forma de despotismo que urge erradicar. A competição religiosa voltou à Europa. As sotainas regressam. Os pregadores do ódio sobem aos púlpitos. A guerra religiosa é uma questão de tempo a que os Estados laicos têm de negar a oportunidade. Só o aprofundamento da laicidade nos pode valer.

Talvez por isso o ódio de B16 à laicidade se tornou patológico. E do Islão nem vale a pena falar.

16 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

Espanha – derrota do PP e da Igreja católica

O casamento gay é aceite pela sociedade e não afeta o direito ao casamento

O casamento entre pessoas do mesmo sexo não afeta o direito fundamental de qualquer pessoa a casar-se nas mesmas condições de igualdade que estabelecia a legislação anterior à sua aprovação pelo anterior Governo socialista.

Esse é o principal argumento por que o Tribunal Constitucional espanhol recusou o recurso apresentado em 2005 pelo PP contra os casamentos homossexuais.