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Categoria: História

18 de Maio, 2025 Onofre Varela

O que é defender a Paz?

As convulsões sociais constituem sempre um excelente pretexto para os credos religiosos, que se dizem defensores do bem contra o mal e da harmonia entre os povos, virem a terreiro deixar a sua palavra em defesa da paz e da concórdia. A defesa da Paz não é tomada, apenas, pela Igreja. Também partidos políticos a defendem (aliás, essa é uma das suas principais obrigações).

Habitualmente estas religiosas e políticas intenções moralizadoras, são inoperantes porque a moral é coisa que os fazedores da guerra não têm, nem querem ter… se a tivessem, não faziam guerras! Não esqueçamos que fazer a guerra não é a atitude do invadido… o invadido não faz guerra… apenas se defende do invasor… e este, sim, é quem faz a guerra! O recurso às armas para nos defendermos do invasor não é o mesmo que usarmos armas para invadir. A diferença entre as duas atitudes é abissal.

Acredito que para as mentes religiosas apregoadoras da paz para a Ucrânia, seja um acto salvador quando um bispo demonstra fraternidade por aquele sofrido Povo Ucraniano, num discurso pretensamente redentor… mas acredito ainda mais que, em termos práticos, em termos da vida real, da realidade que faz a guerra… tais actos redentores saídos dos púlpitos… não valem mais do que zero!… Estão distantes da realidade por viverem na fantasia religiosa. 

Gerado por IA

Não só neste momento de guerra na Ucrânia, mas também na nossa realidade política e económica caseira de todos os dias, em momentos de convulsões sociais, às vezes os bispos juntam-se ao coro de protestos dos povos, alertando os governos para práticas políticas ou económicas que, na óptica da Igreja, prejudicam os cidadãos dos países em conflito. Muitos desses discursos soam a falso… apenas são beatos e inoperantes.

Estou a lembrar-me do apelo que o Papa Francisco fez a Zelensky no dia 20 de Março de 2024, ao pedir ao Governo ucraniano que tenha  “a coragem da bandeira branca e de negociar” com a Rússia, numa declaração que foi interpretada como um apelo à rendição do país perante a invasão russa, merecendo a crítica da Polónia que, então, sugeriu ao Papa que “encoraje Putin a retirar o seu Exército da Ucrânia”. 

Tal como a Igreja, também há partidos políticos que enchem a boca com a palavra Paz, mas não definem o que pretendem dizer com ela. Esta atitude obriga-me a interrogar: o que é a Paz? É o invadido render-se ao invasor? É deixar de lutar pela liberdade e pela independência, aceitando a invasão e a opressão? Se a Ucrânia entregar à Rússia (como Putin e Trump querem) as partes do território ocupadas pelo exército russo, os ucranianos vão, a partir desse dia, viver em paz? 

Evidentemente que não. O mais certo será terem a bota militar do Kremlin a persegui-los e a esmagá-los por toda a vida. Neste caso da Ucrânia, a palavra Paz só pode significar “vencer Putin”… e nunca submeter-se-lhe. Qualquer outro final diferente desta matriz é a continuação da guerra (a um nível mais benéfico para Putin) e da opressão de um ditador sobre a população de um país vizinho que, até então, foi democrático e legal perante a lei internacional… e que deixará de o ser! 

11 de Maio, 2025 Onofre Varela

Levanta-te e pensa

«Pensar é o trabalho mais difícil que existe, o que é provavelmente a razão porque tão poucos se envolvem nele»

(Henry Ford. 1863-1947)

O título desta crónica é uma adaptação do que se lê no Novo Testamento, na referência à cura do paralítico de Cafarnaum: “Levanta-te e anda” (Mateus: 5; 6), cujo figurino é usado em comédia no programa televisivo “Levanta-te e ri”.

Tal como o exemplo desta frase, que foi adaptada repetidamente e usada em diferentes situações, também a vida de cada um é uma repetição ou cópia da vida de todos nós, com mais ou menos nuances que emprestam outro colorido à nossa vida, tal como as diferentes fórmulas que glosam a frase bíblica que conduziu ao título desta prosa.

Ninguém inventa a sua vida… todos a temos oferecida pelo nascimento que não pedimos (o filósofo Agostinho da Silva dizia que “nasce a gente de graça, para depois ter de ganhar a vida!)… depois, todos nós a podemos melhorar ou piorar de acordo com as acções usadas no preencher dos dias, ornamentando-a com as melhores cores que conseguimos engendrar, ou pintando-a a preto e branco… embelezando-a ou borrando-a.

Fonte: Comunidade e Arte

Podemos dizer que a escolha é nossa… mas também pode ser condicionada pela sociedade ou por algo que ultrapassa a nossa vontade, que nos isola e manieta como, por exemplo, acontece à vida dos palestinianos submetidos pelo exército criminoso do bandido Netanyahu.

Por muito má que consideremos ser a nossa vida (quando ela pode ser alterada pela nossa vontade… quando não estamos reféns de um ditador), há sempre um momento para nos determos numa reflexão suficientemente profunda e encontrarmos algum modo de corrigirmos o rumo que, por qualquer razão, intuímos não nos conduzir para o melhor dos destinos que para nós sonhamos.

Esta reflexão filosófica é uma função positiva da Religião… talvez a principal… não será a única porque é acompanhada pelo processo do luto na menorização do sofrimento quando se perde um ente querido.

Porém (há sempre um “porém” que pode fazer a diferença das nossas escolhas) devemos estar atentos à corrente do “rio religioso” que decidimos navegar!… Ela nem sempre nos dirige para a melhor foz, nem nos conduz pelo melhor leito!

A corrente pode transportar-nos para águas mansas e calmas, permitindo-nos a contemplação das margens que as guiam, ou, pelo contrário, pode desaguar em desfiladeiros tormentosos de águas imparáveis, de efeitos desconhecidos, quando as margens, ao invés de guiarem a força da água… a comprimem e convulsam!

A escolha da rota é sempre do discernimento de quem navega o rio da Religião… tal como na vida, afinal…

26 de Abril, 2025 Onofre Varela

“FRANCISCUS”

A memória do Papa Francisco merece a minha consideração de ateu, pela sua postura perante os pobres, os imigrantes e as mulheres, mais a aceitação no seio da Igreja daqueles que até aí eram escorraçados pela orientação sexual ou por serem divorciados. Tal atitude colocou-o a léguas da “beatice” dos Papas que o precederam e que conheci ao longo dos 80 anos da minha vida.

Como ponto alto da sua postura em favor da decência, Mario Bergoglio terminou com o segredo da confissão para criminosos pedófilos, entregando à sociedade civil, para que fossem julgados, os homens da Igreja que abusaram sexualmente de crianças. Para além disto, Bergoglio era, por essência, um “homem bom”… o que se notava no seu rosto e nos seus discursos. Ao mesmo tempo que demonstrava ser um clérigo diferente para melhor (atingindo a excelência) teve atitudes perfeitamente humanas, demonstrando ser um homem igual a todos os outros, carregando virtudes e defeitos de que qualquer um de nós é portador.

Por isso Francisco recusou a “capa de santo” tão comum na ornamentação da figura dos Papas, como que se um qualquer cardeal promovido a Papa fosse produzido por um espermatozoide de qualidade extra… à semelhança do “fiambre da pá”! O Papa Francisco assumia-se como sendo igual a qualquer pedreiro analfabeto ou ministro doutorado, como se demonstra na sua atitude ao bater na mão de uma crente que o queria agarrar num dos seus passeios na Praça de S. Pedro.

O modo de actuar do Papa Francisco foi diametralmente oposto ao seu antecessor, e contrário a muitos interesses instalados na Igreja (que se afirma espelho da perfeição, mas que no seu interior alberga tantos imperfeitos) o que transformou o Vaticano em “ninho de víboras” para o bispo argentino Mario Bergoglio. Recorde-se que em 2013, o alemão Ratzinger, no papel de Papa Bento XVI (B16), resignou ao cargo, obrigando à eleição de novo chefe para ocupar o trono da Igreja. B16 não era bem visto por alguns católicos situados na ala mais progressista da Igreja, que nunca deixaram de o criticar frontalmente por não esquecerem o seu passado à frente do Gabinete para a Congregação da Fé (substituto da “Santa Inquisição” de má memória). As suas acções de militante da extrema-Direita política a que colou o seu pensamento, foram notórias nos processos que desenvolveu para destruir o movimento denominado Teologia da Libertação, iniciado na década de 1950 pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, seguido pelo brasileiro Leonardo Boff, pelo salvadorenho Jon Sobrino e pelo uruguaio Juan Luis Segundo, entre outros.

Teologia da Libertação foi um movimento religioso e social muito desejado pelos paupérrimos povos católicos de toda a América Latina, sempre explorados pelos donos do dinheiro que o Vaticano protege na sua habitual dicotomia: no altar com os pobres e à mesa com os ricos! Por isso era notório o desprezo que muitos bispos sentiam por B16, o que não terá sido alheio à sua resignação. Francisco mostrou ser um bispo diametralmente oposto ao comum, o que lhe granjeou ódio dentro da Santa Sé. Instituiu-se uma guerra nos meios eclesiásticos, financeiros e políticos, contra si, o que sublinha a característica política e intriguista da Religião em geral, e da “Santa Sé” em particular.

Em 2019 li que “ultra-conservadores milionários norte-americanos – apoiados pelos partidos da Direita extremada do país de Donald Trump e da Europa – ensaiam um golpe palaciano que condicione a escolha do próximo Papa” (Palavras do jornalista Miguel Marujo na edição do jornal Diário de Notícias de 5 de Outubro de 2019, coincidentes com a opinião do jornalista espanhol Daniel Verdú no jornal El País do mesmo dia). Ciente desta conspiração interna que crescia contra si, o Papa Francisco procurou moldar “o grupo dos seus conselheiros com homens que respondam às suas principais preocupações sociais e religiosas”. É por isso que no lote dos novos cardeais nomeados em 5 de Outubro de 2019, se encontra o português José Tolentino Mendonça, entre outros nomes da sua confiança. Quase 80% dos 140 cardeais eleitores escolhidos por F1 têm menos de 80 anos e vão participar no conclave que vai eleger o novo Papa. Como ateu espero “a perfeição da Igreja”, nomeando um Papa com uma linha de pensamento semelhante à de Francisco. 

21 de Abril, 2025 Onofre Varela

21 de Abril, 2025 Onofre Varela

O MERECIDO SILÊNCIO

A manchete do jornal Público do último Domingo informava que “já há coimas aplicadas por falar em voz alta nos transportes”. Para quem viaja em transportes públicos, como eu, isto é uma excelente notícia… não raras vezes quero ler nas viagens que faço no Metro do Porto, e não consigo porque no banco ao lado, atrás ou à frente, alguém ouve música alta no seu telemóvel, talvez no convencimento de estar a prestar serviço público gratuito, inundando aquele espaço com tal poluição sonora, a qual, na sua óptica, até Mozart, Chopin ou Beethoven, aplaudiriam!

A notícia remeteu-me para a lembrança da minha primeira viagem em Metropolitano, o que aconteceu há mais de meio século (1973), em Paris. Era a minha estreia na Cidade-Luz e também naquele meio de transporte urbano (só depois daquela viagem a França fui, pela primeira vez, a Lisboa e viajei no Metro… o qual, por comparação com o de Paris, me pareceu um “Centímetro”…), obviamente, estava alerta, com os sentidos todos ligados, para saborear aquela experiência.

Reparei que os passageiros falavam uns com os outros, mas não ouvia as suas vozes. Falavam num tom de voz tão baixo, mantendo um silêncio absoluto, que era possível ouvir-se o rodado da carruagem nos carris. De repente, dois passageiros entabularam uma conversa em tom de voz muito alto, destoando do ambiente… falavam Português!

As nossas vilas e aldeias são apreciadas pela paz rural que ainda se pode experimentar em meios povoados. Vivo em Rio Tinto (Gondomar) que, sendo cidade, mantém espaços rurais calmos como é o lugar onde vivo (freguesia de Baguim do Monte). Ao lado do meu lugar, inicia-se a vila de Fânzeres e, imediatamente a seguir, está a vila de S. Pedro da Cova que, embora tendo crescido em construção e em população (pela imensa procura de habitação nos arredores do Porto) também não perdeu, de todo, a sua característica rural… o que me parece ser uma mais valia!

Há alguns anos, numa manhã de Domingo, uma qualquer razão levou-me ao centro de S. Pedro da Cova. Estacionei o carro e, quando saí, levei com uma missa nos tímpanos, obrigando-me ao espanto e a procurar entender o que ali se passava.

Gerado por IA.

Era hora de missa e o padre lá da paróquia entendeu que toda a gente devia ouvir a missinha!… Por isso mandou montar na torre sineira auto-falantes, colocados na direcção dos quatro pontos cardeais, difundindo o som da missa para toda a população da terra!

Com tal atitude, aquele sacerdote desrespeitava algumas regras. Não curei de saber se ele estava autorizado pela autarquia a emitir som com altíssimos decibéis… mas o que resultava daquele acto era o seu enorme desrespeito por todos quantos se marimbam para missas e, por isso mesmo, não entram na igreja em momento de celebração daquele acto litúrgico, mas que ele obrigava toda a população a ouvir!… 

O respeito é muito lindo, ó senhor abade… e o silêncio é de ouro! 

14 de Abril, 2025 Onofre Varela

Ainda sobre o Humor

De entre dezenas de frases sobre a importância do humor, vou citar duas delas. A primeira serviu de título a uma notícia sobre Saúde, publicada no jornal espanhol  “El País” há um quarto de século (em Novembro do ano 2000) e diz: “o riso protege o coração”; sublinhando que “um estudo indica que as pessoas com doença cardíaca se riem menos”; e acaba por advertir: “o humor previne o enfarte do miocárdio”.

Em face disto, muito provavelmente os médicos ainda vão adoptar (se ainda não adoptaram) esta frase preventiva de doenças cardíacas: “Faça exercício, coma bem e ria-se várias vezes por dia”.

O estudo referido foi realizado por cardiologistas do hospital da Universidade de Maryland, em Baltimore (EUA) e refere uma frase antiga dita pelos avós de passadas gerações: “O riso é a melhor medicina”. A capacidade de rir pode influenciar hábitos em sociedades desenvolvidas onde a doença cardíaca é a principal causa de morte.

Michael Miller, então director do hospital da Universidade de Maryland, disse ainda: “Sabemos que fazer exercício físico, não fumar e ingerir alimentos com baixo teor de gorduras saturadas, reduz o risco de contrair doenças cardíacas. Talvez devêssemos acrescentar à lista o hábito de rirmos frequentemente e de maneira franca”.

Para além dos médicos cônscios do valor do riso na melhoria e manutenção da saúde, outros profissionais de actividades com peso nas sociedades esclarecidas – como escritores e filósofos – também sugerem o riso como uma das melhores receitas para a prevenção de doenças e, quiçá, para ajudar à longevidade. É o caso de Jean-Claude Carrière, escritor e guionista francês (falecido em 2021 com 90 anos de idade) mundialmente conhecido pela sua colaboração com Luis Buñuel e por, de entre os vários livros de que é autor, ter escrito um com conversas mantidas com o Dalai Lama. É dele a segunda frase anunciada no início deste texto: “A única maneira de sobreviver ao poder, é rir”. 

Dizia Buñuel que um dia sem rir é um dia perdido… e defendia o “riso subversivo”, o qual é “rir-se contra algo”. De certo modo, este “riso subversivo” é utilizado pelos cartunistas, pelos actores de “Stand up Comedy” e pelos autores do Teatro de Revista na apreciação bem humorada de atitudes políticas que só provocam tristeza e choro quando são entendidas, apenas, pela nódoa vivencial que realmente representam.

O papel do humor é usar a ironia como elemento de luta contra o poder, juntando-lhe, também, o absurdo.

Disse Jean-Claude Carrière que “historicamente o humor tem servido para combater os bispos e os militares” e que “rir é uma atividade gratuita, saudável para o corpo e para a alma, e não requer educação específica”. Todo o mundo pode praticá-lo sem precisar de uma licenciatura!

Para Carrière, as histórias “com moral” eram demasiadamente básicas e sem profundidade. Preferia as histórias filosóficas… “mas sem filósofo… populares, cândidas e ambíguas”.

É sabido que em todas as épocas e em todo o mundo o humor é perseguido e condenado por ditadores, sejam políticos ou religiosos. Política e Religião são duas actividades humanas muito praticadas por ditadores convencidos de que representam a razão e a verdade, e que só eles têm direito à palavra e à acção, encarcerando e assassinando quem não diz amen consigo.

Gerado por IA

Ainda hoje assim é neste nosso mundo contemporâneo, comandado por sociedades que se afirmam tão avançadas no conhecimento e na técnica, mas que se apresentam tão atrasadas na prática da Humanidade que deveriam ter… mas nunca têm!

O nosso riso é a nossa arma perante essa enorme colecção de imbecis que imaginam comandar-nos.

5 de Abril, 2025 Onofre Varela

A importância do Humor nas nossas miseráveis vidas…

«Se o homem não compreende a graça, está perdido! Deixa de ser verdadeiramente inteligente, mesmo que tenha todos os talentos».

Estas palavras do grande escritor russo Anton Tchekov são frequentemente citadas como prova de que o sentido de humor é um elemento importante da inteligência.

Quando alguns políticos e religiosos (principalmente estes… de entre outras castas de “gentinha”) se insurgem contra considerações bem humoradas sobre os seus actos cometidos em sociedade, estão a sublinhar a imensa falta que têm da inteligência referida por Tchekov.

Uma das principais funções do humor consiste em garantir-nos a estabilidade psicológica nas situações difíceis. É isto mesmo que se observa hoje com tantas piadas nas redes sociais referindo a actuação política do perigoso, patético, piadético, bobo, ignorante, estulto, estúpido, fátuo, idiota, imbecil, inepto, lerdo, néscio, palerma, parvo e tolo, também reconhecido pelo nome aproximado a um desenho animado de Walt Disney; Donald Trump… à frente da governação da maior potência do mundo, para cuja função usa um minúsculo resquício de massa cinzenta mal amanhada, que foi o que lhe calhou no refugo da sorte do seu nascimento, nivelando-o pelo pensamento mais irracional de líderes tribais mais rascas e fatelas, oriundos de países da profunda África mais selvagem, ou de perdidas ilhas polinésias para lá do cu do mundo!

Para que um caricaturista, cartunista ou sátiro das personalidades públicas, consiga desempenhar o seu papel de crítico social, ele tem de saber apreciar correctamente os acontecimentos… mas, logo a seguir, terá de se desligar deles ou procurar um ponto de observação suficientemente distanciado para não ser maleficamente atingido pelos actos que lhe vão merecer a crítica que escreve ou desenha.

Só assim se consegue reestruturar o sentimento e ultrapassar as emoções desagradáveis, tornando-nos capazes de sorrir com aquilo que, ainda há poucochinho… nos dava vontade de chorar.

Há uma extensa literatura publicada sobre Bernard Shaw, o ilustre autor dramático irlandês, cujo sentido de humor o tornou lendário. Um dos vários casos que lhe são atribuídos, conta assim:

«Um dia, o escritor, então já de idade bastante avançada, foi atirado ao chão por um ciclista demasiado impetuoso. Por felicidade, nada de mais grave aconteceu. Quando o culpado do acidente, confuso, pediu desculpas, Bernard Shaw interrompeu-o: “Você tem realmente pouca sorte. Com um pouco mais de energia, teria entrado na História como o meu assassino».

Poucos são aqueles que saberiam manter o sangue frio em tal situação e debitar um discurso de humor em vez de recorrer à raiva, ao insulto e a recriminações perfeitamente inúteis para aquele acontecimento específico e naquele dado momento.

Portanto, fique-se com esta, prezado(a) leitor(a): uma das funções do sentido de humor consiste em assegurar um estado de espírito equilibrado em situações que, de satisfatório… nada têm!

Não há nada melhor do que aprendermos a rir e nós próprios, em vez de nos considerarmos os mais certos e seguros de tudo quanto é coisa ou é gente neste mundo… ou no outro!… 

22 de Março, 2025 Onofre Varela

«Onde estava Deus?»

O tempo que tem feito, com estragos e mortes em vários pontos do globo, lembrou-me que perante tal infortúnio há quem se pergunte: “Onde estava Deus, que permitiu tão nefasto acontecimento? Porque não evitou tal desastre se, afinal, ele tudo sabe e pode?”

São perguntas lícitas que qualquer crente pode fazer, mas não há respostas para elas. A pergunta só é formulada por quem crê, na convicção de a divindade ser real para além dos seus pensamentos. Na verdade Deus não podia estar no local do acidente, da catástrofe natural ou do crime, porque como ideia que é, só se encontra dentro da cabeça de quem nele crê. Fora da cabeça do crente não há Deus em lado algum. 

Penso que esta pergunta trágica do crente que se sente frustrado por não ver a intervenção divina naquilo em que, segundo o seu entendimento, deveria intervir, aconteceu aos judeus na segunda metade da década de 1940. Por essa altura o pensamento filosófico foi abalado por duas realidades brutais: duas guerras tinham preocupado o mundo, e a segunda delas carregava o peso do holocausto judeu, promovido pela Alemanha Nazi, mais o trágico fim do Japão no teatro de guerra, com o lançamento de duas bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui, pelos EUA.

Quando os soldados das tropas aliadas entraram nos campos de concentração nazis, não queriam acreditar no que viam. Seres humanos esqueléticos e pilhas de cadáveres, era o que restava dos prisioneiros judeus. O general Eisenhower fez questão de ver tudo com os seus próprios olhos e recomendou a quem tivesse máquinas fotográficas que registasse o maior número possível de imagens, pois haveria de surgir um dia em que alguém se ocuparia em negar o que eles testemunhavam (premonitório!). 

Gerada com IA

Passado o natural estupor provocado pelo conhecimento das atrocidades cometidas na guerra, a realidade da condição humana, no contexto político, social e religioso da época, foi alvo de profundas reflexões que tiveram eco na década seguinte, prolongando-se para a de 1960, ultrapassando-a, até. A religião, como refúgio das almas, não podia, naturalmente, estar ausente dessas reflexões que acabaram por promover mudanças de atitudes. 

Não era possível explicar o abandono dos mais fracos e desprotegidos, nem eliminar a dor das vítimas. E os religiosos mais directamente atingidos pela tragédia da guerra sentiam legitimidade para perguntar: “Onde estava e que fazia Deus, quando os nazis eliminavam o seu povo eleito em câmaras de gás?!” 

Não era fácil responder às interrogações daqueles que se consideravam burlados no conceito que sempre lhes alimentara a esperança e que tão cruamente os desiludira… mas tais perguntas não têm razão de ser! Elas não consideraram a História, a sociedade, nem a naturalidade das coisas naturais. São perguntas sem nexo, ao nível da mitologia que as provoca… logo, são irrespondíveis porque também são “ininterrogáveis” por uma mente esclarecida! 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

16 de Março, 2025 Onofre Varela

Humor e Fé (3 e Fim)

Os religiosos que se sentem ofendidos com uma comédia quando ela brinca com elementos da sua crença, devem protestar nos locais próprios que os regimes democráticos têm para esse fim. No caso do atentado brasileiro (comentado no último artigo) duvido do sentimento cristão do grupo de criminosos-nacionalistas, cuja reacção foi atacar à bomba!… Este acto poderia estar relacionado com o regime político de então, que permitia (ou instigava?) a violência, e tinha gente da IURD sentada no Parlamento, sendo que o próprio presidente (Bolsonaro) era afecto a essa seita dita evangélica, e por muitos apontada como criminosa. 

Os extremistas muçulmanos também reagiram com metralha contra o jornal satírico Charlie Hebdo, em 2015, matando 12 jornalistas-cartunistas, só porque não gostaram de uma crítica a Maomé! Os extremistas religiosos e patrióticos não pensam para além do tabu sacramental de Deus e da Pátria. Não têm sentido de humor, nem nenhum outro sentimento que não seja o da vingança estúpida e violenta. A interpretação que fazem dos textos religiosos é programada pelos gurus das seitas, e não pela sua capacidade de entendimento. 

Euronews

No caso da comédia brasileira, aludindo uma hipotética homossexualidade de Jesus, ressaltam alguns condicionamentos mentais dos crentes que os levaram à irritação, à fúria e ao crime. Desde logo, temos a própria homossexualidade que é condenada por si só e que os crentes rotulam de “pecado”. E depois… não lêem a Bíblia! Dizem ser o seu livro sagrado, mas não fazem a mínima ideia do seu conteúdo! 

No Novo Testamento (João: 13; 21-30) é narrada uma cena incluída no capítulo onde se encontra a célebre frase de Jesus: “Na verdade vos digo que um de vós me há-de trair”. Perante esta denúncia, os seus discípulos olharam-se, perplexos com o que o Mestre lhes dizia. A parte curiosa desta narrativa está nesta frase: “um dos seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus”. 

Quer dizer que Jesus só amava um dos discípulos (ou amava-o mais, ou de modo diferente, do que a todos os outros?), que por acaso era aquele que se encontrava ao seu colo, na posição de reclinado… isto é, deitado… o que presumia alguma intimidade para além da amizade. Simão Pedro fez sinal a esse jovem a quem Jesus amava, para que perguntasse ao Mestre quem era aquele que o haveria de trair. O jovem aproximou a sua boca do rosto de Jesus e perguntou: “Senhor, quem é?”. 

Segundo esta narrativa, aquele a quem Jesus amava e que se reclinava sobre o seu seio, era seu confidente e porta-voz. Através dele os outros discípulos dirigiam-lhe as questões e ouviam a resposta (pelo menos naqueles versículos assim é). A interpretação desta passagem bíblica pode ser variada… e uma das variações, tão válida como qualquer outra, pode ser entendida como havendo uma relação íntima entre aqueles dois homens. 

Não é à toa que os autores teatrais tratam os assuntos históricos ou míticos. Eles lêem, estudam e investigam, para poderem fundamentar as suas estórias que passam em palco, na televisão ou no cinema. Ao contrário, os fundamentalistas bíblicos só têm uma interpretação – a radical – e baseados nela arrogam-se o direito de lançar bombas contra aqueles que, dando cumprimento ao seu trabalho de criar rábulas teatrais (ou cartunes, ou textos…), atingem um nível de raciocínio que está vedado aos agressores. Por isso se radicalizam… e Jaír Bolsonaro alimentou essa radicalização e apoiou tais actos!… 

Termino transcrevendo uma frase do meu camarada cartunista Zé Oliveira: “Produzir humor é um acto de inteligência. Produzir terror é um acto de estupidez bárbara”.

(Fim)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

9 de Março, 2025 Onofre Varela

Humor e Fé(2)

Herman José, em 1994, teve um programa no canal 1 da RTP, denominado Herman Zap!, de grande audiência e agrado nacional. Um dia, nas suas rábulas, criou uma Última Ceia de Jesus, humorística. Caiu o Carmo e a Trindade!… 

A Igreja Católica não achou piada nenhuma àquele excelente trabalho de comédia, e protestou. O bispo Maurílio Gouveia, então responsável por um gabinete que julgo denominar-se “Episcopado para a Comunicação”, apressou-se a dizer que “O programa ridicularizou o que há de mais sagrado na fé dos cristãos: a eucaristia”. A série de programas foi interrompida e realizaram-se mesas redondas debatendo a questão religiosa e a liberdade de expressão. 

Marcelo Rebelo de Sousa, então presidente do PPD, declarou: “Vejo com preocupação que, sendo um canal de serviço público, nele se encontrem mensagens que podem ser consideradas ofensivas de valores partilhados pela maioria dos portugueses e também ofensivas de instituições particularmente relevantes como é a Igreja Católica”. Herman José mostrou-se surpreendido pela reacção da Igreja, e declarou: “Deus deve estar a rir-se às gargalhadas da mesquinhez de quem criticou o Herman Zap!”. 

RTP

Organizou-se uma mesa redonda na RTP onde se discutiu aquele programa televisivo de diversão transformado em tragédia nacional pela Igreja, e frei Bento Domingues pareceu-me ser, de entre os vários intervenientes, aquele que teve a opinião mais lúcida. Declarou ter visto o programa e não ter encontrado nele nada que beliscasse a sua fé. Confessou que até lhe achou graça: “Aquilo tinha a ver com o meu riso, não com a minha fé”, disse. 

Na madrugada do dia 24 de Dezembro de 2019 extremistas brasileiros atacaram à bomba, no Brasil, a sede da produtora de conteúdos televisivos “Porta dos Fundos”, como protesto pela transmissão televisiva de um “sketch” cómico com o título “A primeira tentação de Cristo”, na qual Jesus foi representado como um jovem que terá tido uma experiência homossexual, e também insinua que o casal bíblico Maria e José viveram um triângulo amoroso com Deus. 

Eu vi o programa e não vi nele a graça que, provavelmente, os seus autores pretendiam. Teve dois ou três momentos de humor, e o restante, para o meu gosto e de acordo com o excelente trabalho que já vi do mesmo grupo, era francamente mau. A qualidade daquilo era muito rasteira… mas, daí, até se lançarem bombas contra a empresa produtora do programa, vai uma distância abissal!… Pode-se gostar ou não gostar e criticar o programa. Se nos consideramos ofendidos apresentamos o nosso protesto às entidades competentes para julgar o caso, e esperamos que a Democracia e a Justiça façam o seu trabalho… mas um ataque à bomba é crime! 

Naquele momento da política brasileira (consulado de Jaír Bolsonaro), com as acções da Direita mais extremista apoiada por Bolsonaro, a liberdade de expressão e de criação artística estava seriamente comprometida. O seu próprio filho, Eduardo Bolsonaro, deputado por São Paulo, foi uma das figuras públicas a condenar o “sketch”. Os actores Gregório Duvivier e Fábio Porchat, responsáveis pela “Porta dos Fundos”, declararam: “Não nos vamos calar! Nunca!”. Eu apoio sempre qualquer luta a favor da liberdade de criação e expressão. Não admirei aquele trabalho, mas defendo a liberdade de o terem criado. 

Um dia depois do atentado, um grupo ultra-nacionalista intitulado “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integrista Brasileira”, reivindicou a responsabilidade do acto criminosoo. O espírito que sobressai do nome deste grupo leva-me a entendê-lo como uma espécie de Ku-Klux-Klan e de agrupamento Nazi. Só grupos de tal índole atacam a liberdade de expressão, alegadamente em favor de um ultranacionalismo balofo e criminoso. 

(Continua)