No Boina Frígia, o Pedro Delgado Alves escreve sobre os efeitos civis dos casamentos religiosos, ontem regulamentados pelo Governo.
Ao contrário do Pedro Delgado Alves, parece-me evidente que se está a tratar de forma não igualitária as diferentes confissões religiosas nesta matéria, pois a Concordata de 2004 prevê várias especificidades para o casamento católico que não serão reconhecidas a outras confissões religiosas: os casamentos «in articulo mortis, em iminência de parto, ou cuja imediata celebração seja expressamente autorizada pelo ordinário próprio por grave motivo de ordem moral» (§3 do artigo 13); a não exigência de que o ministro do culto católico seja português ou tenha autorização de residência em Portugal (enquanto tal exigência é feita para os ministros do culto não católicos no §1 do artigo 19º da Lei da Liberdade Religiosa); a condução do processo burocrático pelas autoridades eclesiásticas católicas no caso do casamento católico, e pelo conservador do registo civil no caso das outras comunidades religiosas (comparar os artigos 13 e 14 da Concordata com o artigo 19º da Lei da Liberdade Religiosa); os efeitos civis da nulidade canónica (artigo 16 da Concordata); finalmente, os conselhos moralistas do artigo 15 da Concordata, exarados para nossa vergonha num Tratado internacional ratificado pela República portuguesa. Acrescente-se que, se houvesse qualquer preocupação com a igualdade entre confissões religiosas, a faculdade de celebrar casamentos com efeitos civis seria conferida a todas as comunidades religiosas reconhecidas, e não apenas às comunidades religiosas radicadas. O próprio conceito de «comunidade religiosa radicada» é uma quase perversidade instaurada pela Lei da Liberdade Religiosa, que restringe este nível de reconhecimento estatal às confissões religiosas toleradas pelo Estado Novo (esse caso exemplar de laicidade), e que sejam devidamente aprovadas por uma Comissão de Liberdade Religiosa de que fazem parte elementos directamente nomeados por uma certa e determinada confissão religiosa.
Como é evidente, partilho com o cidadão Pedro Delgado Alves a preferência pelo «modelo de tipo francês em que não há reconhecimentos automáticos de coisa alguma – quem quer ter efeitos civis do casamento casa civilmente perante uma autoridade pública, podendo, se quiser, casar de acordo com os ritos da sua fé, antes ou depois, mas sem reconhecimento de efeitos pelo Estado». Acontece que desde a Lei nº16/2001, dita da «Liberdade Religiosa», que o caminho seguido parece ser o do reconhecimento estatal de todas as peculiaridades religiosas, e da institucionalização das desigualdades entre comunidades religiosas.
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
Façamos as contas: (125 capelães hospitalares)X(14 meses por ano)X(1016,19 euros)=1 778 332,5 euros. Portanto, 1,8 milhões de euros, em números redondos, é quanto custam ao Estado os capelães hospitalares, todos católicos, que andam pelos hospitais a propagandear a sua religião, e mesmo a incomodar quem não quer nada com a religião deles.
Como se afirma numa carta recentemente enviada pela Associação República e Laicidade ao Ministério da Saúde, «porque a assistência religiosa constitui um “serviço” directamente prestado pelas confissões religiosas aos seus crentes e não ao Estado, não faz qualquer sentido que seja o Estado a remunerar os ministros do culto que prestam essa assistência espiritual, ainda que o façam em hospitais públicos». Efectivamente, a religião não é um serviço público, e o Estado não tem qualquer obrigação de salariar sacerdotes desta ou daquela igreja. Não havendo voluntários suficientes, os próprios crentes poderiam organizar-se para pagar esse serviço. Será isto assim tão difícil de compreender, senhores capelães?
Nunca é demais repetir: quando os clericais falam em perseguição a propósito da República, isso significa que consideram que um Estado sem religião oficial é «perseguidor», que um Estado em que os sacerdotes não são pagos pelo Estado está a «perseguir a religião», que ninguém ir para a prisão por «delito de blasfémia» é «perseguir o cristianismo», que legalizar o divórcio é «perseguir» a ICAR, e que não haver religião obrigatória na escola pública é ateísmo de Estado. Na realidade, o raciocínio dos clericais é cristalino a partir do momento em que compreendemos que, para eles, Estado que não obriga os cidadãos a serem e comportarem-se como católicos está a perseguir o catolicismo. Não obrigar é perseguir.
O grande César diz-nos ainda que «olhando a cultura oficial, ninguém diria que vivemos num país cristão». Será? Se assumirmos que por «cultura oficial» se entende aquela que é promovida pelo Estado, temos: largas dezenas de templos católicos mantidos e subsidiados pelo Estado; centenas de escolas com professores de religião pagos pelo Estado; a TV pública com presença regular de um sacerdote católico no RTP1 de manhã, e com um espaço específico para as religiões da parte da tarde no TV2; transmissão das cerimónias obscurantistas de Fátima todos os dias 13 de Maio a Outubro, e de missas dos católicos todos os domingos do ano… Se isto demonstra que «as manifestações da civilização cristã são silenciadas ou distorcidas», então tremo só de pensar no que seria necessário para que o nosso amigo Neves não se dissesse «perseguido»…
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
Nas últimas horas, o Hamas tomou o controlo da Faixa de Gaza, derrotando militarmente o que restava, nesse território, da Fatah, um movimento que, apesar dos seus imensos defeitos, é laico.
O Hamas é a secção palestiniana da Irmandade Muçulmana, uma espécie de «Internacional Islamista» com braços em quase todos os países do Magrebe e do Médio Oriente e da qual têm saído movimentos exclusivamente terroristas como a Al-Qaida. Pretende instaurar um Estado islâmico na Faixa de Gaza, com a «Lei Islâmica» e as maravilhas habituais.
Na Europa, olha-se para a guerra civil palestiniana como um efeito colateral do conflito israelo-palestiniano. E no entanto, os acontecimentos na Faixa de Gaza traduzem o conflito fundamental do mundo muçulmano actual, entre laicos e islamistas. Seria melhor abandonar as dicotomias e alinhamentos herdados da guerra fria e olhar para o que está a acontecer dessa forma. Eu estou com as forças democráticas e laicas da Palestina (se as houver).
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
O verdadeiro símbolo do pensamento religioso é o sinal de sentido proibido. Porquê? Porque o que realmente caracteriza um pensamento genuinamente religioso é a paragem no desenvolvimento normal do raciocínio, o estacar perante uma conclusão incómoda, ou até o voltar para trás com medo daquilo que está à frente. Conforme já referido pelo mesmo Almanaque Republicano (noutra nota), o livre pensador Carlos Cruz cumpriu setenta e oito dias de prisão por ter criticado publicamente, por escrito, o «Dogma da Imaculada Concepção de Maria» (segundo o qual os avós do JC não cometeram «pecado» – seja lá isso o que for – ao conceberem a mãe do próprio JC, a qual mais tarde teria engravidado sem sexo, etc.).
Os clericais tentam-nos convencer dia-sim/dia-sim de que os republicanos tentaram implantar em Portugal um regime de ateísmo de Estado horrorosamente repressivo. É necessário recordar-lhes continuamente que a liberdade em matéria religiosa não serve apenas para afirmar dogmas; também existe para criticar esses dogmas. E, como se vê, não é necessário recuar até à inquisição para encontrar casos de perseguições a livre pensadores. Pelo contrário, não conheço um único caso de um católico preso durante a «pavorosa» República por afirmar este ou outro qualquer dogma católico em público…
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.