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Crise religiosa na Nigéria

Em Outubro de 2001, o estado de Kano no norte da Nigéria foi palco de violentas confrontações entre muçulmanos e católicos que causaram muitas dezenas de mortes e milhares de refugiados.

Kano é um dos estados da Nigéria que adoptou a Sharia em 2000 e onde se verifica um programa agressivo para forçar a lei islâmica em todos os habitantes. O problema é que neste estado onde domina o islamismo a maioria da população é Sufi Qadiriyyai mas os wahhabitas financiados pela Arábia Saudita detêm uma influência considerável (e desproporcional) no governo. Muitos membros da comunidade Qadiriyya opõem-se à interpretação estrita da lei islâmica do conselho da sharia (wahhabita) de Kano e à sua interferência na nomeação de imams, acusando ainda as supostas «caridades» wahhabitas de fomentarem a violência.

Aparentemente até vigorar a sharia a esmagadora maioria dos devotos muçulmanos de Kano, sufis e shiitas, não se tinham apercebido que a teocracia é uma arma de dois gumes, ou seja, pode ser inestimável aos fanáticos religiosos para impor as suas aberrantes «verdades absolutas» mas também torna a religião (e os seus lideres) subordinados ao estado.

Assim, em Março de 2004, milhares de fiéis Qadiriyya demonstraram-se na capital do estado exigindo, entre outras pontos, o encerramento das caridades wahhabitas e o fim do controle governamental sobre as suas mesquitas. As exigências dos manifestantes não foram atendidas e os sufis «declararam guerra» ao governo estadual e prometeram continuar os protestos.

A resposta do governo foi recrutar 9 000 muçulmanos wahhabitas, conhecidos como Hisba, pagos com dinheiros públicos, que zelam pela escrupulosa aplicação da sharia (wahhabita). Estes militantes fundamentalistas (na real acepção do termo) têm aterrorizado (relatório disponível em pdf) toda a população nos últimos anos, especialmente, para além das vítimas do costume, as mulheres, as minorias católica e shiita.

Este cenário de violência e perseguição dos que não seguem a «verdadeira fé» e de imposição das «verdades absolutas» reveladas dessa «verdadeira fé» repete-se nos 12 estados do Norte da Nigéria que adoptaram a sharia que, de acordo com a Constituição da Nigéria, deveria ser apenas aplicada na resolução de disputas familiares.

Várias organizações, católicas inclusive, pediram ao presidente Olusegun Obasanjo para por termo a esta aplicação abusiva da sharia. Recordando a resposta de Obasanjo em 2002 em relação ao caso que chocou o mundo inteiro, a sentença de morte por apedrejamento de Amina Lawal, diria que é pouco provável que tal aconteça. E que é mais provável que continuemos a ver uma escalada de violência neste país flagelado há décadas por sangrentas disputas políticas e religiosas e a instalação progressiva pela minoria wahhabita (mas politicamente influente e suportada pelos petrodolares sauditas) de regimes em tudo similares ao dos talibans no Afeganistão!

Enfim, há sempre esperança de que a única saída pacífica para esta situação (excepto para fundamentalistas de todas as confissões, claro, que a consideram o grande inimigo da liberdade), a laicidade preconizada por humanistas como Enyeribe Onuoha consiga prevalecer e evitar a guerra civil que se desenha na Nigéria…