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A fé, a apostasia e a liberdade

Conheço muitos crentes, de vários credos, cuja tolerância faz parte da sua maneira de ser, mas não conheço uma só religião que exonere a intolerância da sua matriz genética.

Desde o mal causado pelo hinduísmo que venera as vacas, divide a sociedade em castas e causa indizível sofrimento às viúvas, cujo novo casamento é visto como abominação, e que queria vê-las na pira funerária a acompanharem o defunto na incineração, até ao cristianismo e islamismo que ardem em febre de proselitismo e não se conformam com a liberdade, todas as crenças religiosas sacrificam os homens à vontade dos deuses.

E não esqueçamos a demência sionista do judaísmo ortodoxo a multiplicar colonatos e a agredir o povo palestino.

Um abominável pecado, que todas as Igrejas anseiam manter como crime, é a apostasia, direito inalienável dos cidadãos que a progressiva secularização tornou banal e que os Estados democráticos defendem em nome da laicidade e do livre-pensamento. A Igreja católica foi obrigada a reconhecer a liberdade religiosa, após a Guerra dos Trinta Anos, pela Paz de Westfália, em 1648, e só a aceitou como direito no Concílio Vaticano II, na década de sessenta do século XX, direito com que o actual papa parece conviver mal.

Portugal, que viveu uma longa ditadura, amplamente apoiada pelo clero católico, parece não se dar conta dos crimes que se cometeram em nome da fé nem da sua contribuição para as tragédias recentes vividas pelos povos na ex-Jugoslávia, Ruanda, Uganda, Índia, Irlanda do Norte, Palestina e tantos outros onde a fé é o detonador do ódio e das guerras.

Talvez por isso dê tão pouca relevância aos crimes religiosos que diariamente têm lugar. Raramente se assiste a um sobressalto cívico, a um sentimento colectivo de indignação, a um movimento organizado contra a demência que condena à morte quem muda de crença ou se recusa a aderir à que lhe impõem.

Independentemente da sorte que espera os dois afegãos convertidos ao cristianismo que podem enfrentar a pena de morte, acusados de um crime que não passa de um direito inalienável, que consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, temos de nos interrogar até quando vamos permitir a vitória da barbárie, em nome da fé, contra os direitos, liberdades e garantias.