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Mês: Novembro 2018

8 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Irlanda despenaliza a blasfémia

A blasfémia ou é um crime contra o que não existe ou uma forma de censura contra a liberdade de expressão. O ‘crime’, uma herança medieval, persiste em numerosos países civilizados, Áustria, Canadá, Itália, Alemanha, Chéquia, Grécia, Irlanda, Espanha, Malta, Polónia, Reino Unido, Montenegro, San Marino e outros de duvidoso índice de democraticidade, Turquia e Cazaquistão, sem referir países onde o fascismo islâmico mostra a natureza totalitária através da sharia.

Quer assuma a forma de insulto ou a mera negação de um dogma, a sua criminalização é sempre uma forma de impedir a crítica aos preconceitos de quem se julga com direito e força para a impedir. A crítica ao deus dos outros é o direito que a inteligência impõe, enquanto ao próprio é a ofensa que só a morte repara.

Dizer que Maomé violava crianças, pois casou com uma de seis anos cuja consumação ocorreu aos nove, é blasfémia contra o Islão, e uma evidência que os crentes confirmam e perpetuam no seu piedoso desprezo pela mulher e compra de crianças para casamento.

As recusas de dogmas, alguns bem recentes e tão idiotas como a virgindade de Maria ou a infalibilidade papal, são blasfémias que enfurecem fundamentalistas, especialmente os membros do Opus Dei. O último dogma inventado data de 1950. Foi o da Assunção de Maria, cujo corpo subiu ao Céu, fique lá isso onde ficar, certamente em sítio alto, pois, de outro modo, o corpo que foi procurar a alma, desceria em vez de subir.

Que as religiões criem verdades absolutas, inquestionáveis, é um direito seu, tal como a vergonha de as verem questionadas e reduzidas ao ridículo, mas é intolerável que as queiram impor e, sobretudo, punir quem as enjeite.

Apesar da religiosidade de muitos crentes, há entre eles tradições blasfemas que tocam as raias da obscenidade. Espanhóis dos meios rurais ameaçam fazer à hóstia e à Virgem o que um ateu, por educação, é incapaz. No entanto, as mais deliciosas blasfémias são as dos italianos, sobretudo no sul do País, que aliam o maior respeito ao clero, à máfia, à liturgia e aos dogmas, com as mais divertidas expressões de afronta ao Divino.

Na Irlanda, ainda há poucos anos uma reserva do catolicismo jurássico, no referendo do último sábado de outubro, quase 65% dos eleitores votaram a eliminação de tão arcaico delito da Constituição, decisão que abolirá o anacronismo.

A votação é tão relevante que mereceu um comunicado de Harlem Désir, representante para a Liberdade de Imprensa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) a felicitar o povo irlandês por “um passo positivo para a liberdade de expressão” e a fazer apelo aos 16 países da OSCE, onde a blasfémia continua a ser um delito, para seguirem o exemplo de Irlanda, porque esse tipo de leis “são incompatíveis com as normas internacionais sobre liberdade de expressão”.

Desacreditada a Igreja católica autóctone por numerosos escândalos e crimes graves, a liberdade de expressão deu um salto enorme na Irlanda. Em poucos anos, o País tornou-se uma democracia onde a saúde reprodutiva da mulher, o divórcio e a educação sexual deixou de se submeter à vontade do clero e aos preconceitos da tradição.

7 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

O ateísmo e o deus de cada um

Às vezes, por ironia, provocação ou humor, dizem-me: você é ateu, graças a Deus. E é um facto, contrariamente ao que julgam.

Tal como o anticlericalismo só existe porque há clericalismo, também o ateísmo é fruto de um ser imaginário que os homens criaram para se tornar a explicação por defeito para tudo o que desconhecem, a boia de salvação para todas as aflições e a esperança que resta para o que não tem remédio –, a própria vida e o seu fim.

Sem teísmo não existiria ateísmo. O primeiro é a tese, o segundo a antítese. A dialética entre um e outro levam ao livre-pensamento. Há quem cristalize numa religião, a que se habituou desde a nascença, e quem se interrogue sobre a verosimilhança das verdades que as religiões consideram imutáveis.

A crença é tão legítima como a descrença ou a anticrença. Grave é quando alguma delas produz um efeito nefasto e atenta contra os direitos humanos. Não há mal em acreditar que existe o Abominável Homem das Neves, o monstro de Loch Ness ou as adoráveis sereias, havendo no último caso testemunhos de pessoas tão credíveis como Cristóvão Colombo, que afirmou tê-las avistado nas costas da América.

Estes exemplos, que hoje merecem apenas sorrisos, não são menos incoerentes do que o nascimento de um deus, de uma virgem e de uma pomba, e, no último caso, a descrença provoca o ódio, a violência e, quiçá, a morte. O que pode levar pessoas normais a odiar a dúvida religiosa e a tolerar a descrença sobre as vacinas ou sobre uma lei da Física?

Só um processo de fanatização, apoiado por um forte dispositivo ideológico e um forte aparelho repressivo, onde não faltam os constrangimentos sociais, pode perpetuar uma ideologia patriarcal, nascida na Idade do Bronze, numa cultura tribal e xenófoba.

Depois…bem, depois os interesses criados tendem a perpetuar-se.

6 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Franco e a memória histórica

Abra-se o Google, procure-se uma enciclopédia, leia-se um pouco da História do século XX , e Franco está sempre entre os mais inclementes e frios assassinos da Humanidade.

Como pode, pois, uma família que se locupletou com os roubos que o ditador lhe legou, reclamar do opróbrio do presumível ascendente a honra de que se ufana e condicionar o Estado espanhol na tardia reparação que deve às centenas de milhares de vítimas, com a trasladação do cadáver para um sítio discreto?

A transição pacífica para a democracia permaneceu cheia de equívocos, com o medo a espreitar dos quartéis, as estátuas do ditador a decorarem as praças e as academias, e o franquismo a manter-se vivo no paço real, nos tribunais, nas escolas e nas igrejas.

Quando o ditador morreu, o rei que ora é julgado pela opinião pública por comissões em negócios, fuga de capitais e branqueamento de capitais, defendido de uma investigação por uma iníqua imunidade perpétua, deu-lhe como túmulo um monumento faraónico no Vale dos Caídos, um monumento de exaltação da vitória fascista sobre a República e de afronta às centenas de milhares de vítimas da sedição contra o regime legal.

Mais tarde, quando a viúva faleceu, Filipe Gonzalez deu-lhe, em terreno do Estado, um túmulo digno de figuras históricas que honram o passado de Espanha. Estes equívocos alimentaram o ego e a cleptomania dos descendentes, indiferentes aos crimes que não cometeram, mas de que se honram.

Hoje, quando a Igreja católica se tornou mais cauta, como sucede com todas as instituições, em democracia, e procura esquecer o seu passado sombrio na ditadura, é surpreendente como os herdeiros de Franco ainda detêm poder para estorvarem a reparação histórica que a democracia exige e os familiares das vítimas merecem.

Por que motivo Hitler, Mussolini, Pétain, Tiso, Salazar, Mosley ou Pinochet, bem como outros facínoras europeus de países colaborantes dos dois primeiros, ou Tojo Hideki, no Japão, não têm monumentos fúnebres a perpetuarem-lhe a memória?

Certamente, os familiares também haviam de gostar, mas, contrariamente a Franco, não tiveram sucessor imposto nem condições que o permitissem.

A urgência da trasladação dos restos mortais de Franco é uma questão de salubridade política e de justiça histórica.

5 de Novembro, 2018 Luís Grave Rodrigues

Arca de Noé

Esta é uma réplica da Arca de Noé.

Foi construída nos Estados Unidos com as medidas relatadas na Bíblia. 

Moral da história: se a religiões não fossem estúpidas, os fundamentalistas religiosos seriam pessoas sensatas… 

4 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Epifania

2 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

A bênção do Multibanco

A caixa do Multibanco

Compreendo a bênção do gado para evitar moléstias que o dizimam, embora considere o ato mero placebo, assim como a bênção das armas dos países de determinada religião, para que o deus dos autóctones as ajude a matar os inimigos de um deus diferente.

Habituei-me cedo a ver crentes convocados para as novenas quando apertava a canícula e o renovo estiolava, às vezes com efeitos devastadores de uma trovoada a dizimar o que sobrava, talvez por excesso de rezas ou devoção a mais dos mendicantes.

As medalhinhas e santinhos ficavam valorizados com os sinais cabalísticos que o padre desenhava para os abendiçoar, mas as caixas multibanco não faziam parte da memória da minha infância, nem a água benta aspergia alfaias mecânicas porque, se as havia, não tinham ainda substituído a enxada, o arado e a foice ou não eram conhecidas.

Foi, pois, com enorme júbilo que tomei conhecimento do batismo católico de uma caixa multibanco, com o alto patrocínio da Câmara Municipal de Vila do Conde, depois de a anterior, certamente não abençoada, ter sido explodida e assaltada. À explosão violenta, com fins criminosos, procedeu bem o presidente da Câmara ao promover uma explosão de fé, com fins piedosos, à guisa de exorcismo.

A inauguração da caixa de multibanco com a bênção do padre da freguesia pode não ser demonífugo bastante para novo crime, mas o exorcismo patrocinado pelo edil e oficiado pelo abade, se não faz bem à alma dos paroquianos é uma bênção para o fígado dos incréus.