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Um problema de família

Por

Paulo Franco
A minha filha, que eu adoro mais do que tudo no mundo, tem andado a acompanhar uma série televisiva cuja intriga gira à volta de histórias de vampiros. Ora acontece que a minha filha veio dizer-me que tem a vaga esperança de vir a tornar-se uma vampira.

E tudo porquê? Porque os vampiros têm a peculiar característica de poderem viver mais de mil anos. Eu ainda esbocei um esforço argumentativo em apelo ao bom senso, mas parece existir algo no espírito humano que excede todas as fronteiras da racionalidade.

A humanidade anseia por eternidade e isso é por demais evidente para quem, como eu, já leu 700 quilos de livros sobre religião. Em paralelo a esta intrigante história, está uma outra de uma irmã e uma sobrinha que, sendo católicas, também acreditam em reencarnações. O desejo de ser eterno é tal que se crê em duas histórias contraditórias entre si, mas não é grave. Importante é garantir que se uma das crenças falhar, está lá a outra crença para salvaguardar a eternidade. Ora este desconchavo desconcertante, crer em duas premissas que se contradizem mutuamente, é tão comum no mundo dos crentes que se torna assustador para além de imoral.

Nada parece ser necessário justificar ou provar em proveito do bem maior que se impõe que é o de responder afirmativamente aos mais profundos anseios de imortalidade. Aliás, é com alguma frequência que se ouve aquele velho argumento: “- Eu não consigo provar que existe, mas tu também não consegues provar que não existe, portanto estamos em pé de igualdade”. O ónus da prova é um termo que especifica que a pessoa responsável por determinada afirmação é também responsável por oferecer as provas que sustentem essa mesma afirmação.

Não compreender isto é não compreender nada.

Existe um fio condutor que entrelaça ambas as histórias: suplantar e superar a nossa condição de seres mortais.

Mas segundo um outro meu familiar, nem sempre é necessário encontrar uma resposta que se enquadre dentro do padrão de explicações que um espírito apaixonado pelas argumentações racionalistas ou propensas ao jugo demolidor do pensamento cientifico por norma exige. É como que uma concessão inofensiva à irracionalidade.

Segundo estas pessoas, não há problema nenhum em acreditar em algo que não tem justificação racional desde que isso contribua para o conforto do crente.

Eu, com o meu espírito corrosivo, fico a aguardar com ansiedade um próximo relato de um parente que me confidencie o desejo de se tornar num lobisomem, ou numa sereia, ou num ciclope ou, loucura das loucuras, num ogre.